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Janeiro Literário | Neuromancer: O futuro distópico de William Gibson

Eu não gostaria de estar na pele de William Gibson ao escrever “Neuromancer”.

É isso que eu digo a todos quando pesquiso sobre a história do autor e do livro. Escrito na década de 80 e lançado em 1984, Neuromancer é o pioneiro no subgênero da ficção-científica conhecida como Cyberpunk; gênero este que lida com os aspectos sociais da evolução tecnológica, geralmente ambientando suas tramas em um futuro com alta tecnologia contrastada com baixa qualidade de vida. O que pode ser resumido com o lema: “Hi-Tech, Low-Life”.

Pouco antes do lançamento de seu livro, Gibson teve a oportunidade de ver a coisa mais aterrorizante de sua vida acontecer: o lançamento do filme Blade Runner: Caçador de Androides, dirigido por Ridley Scott e baseado na obra de Philip K. Dick, outro grande nome da ficção científica. Tanto a adaptação cinematográfica do romance Androides sonham com ovelhas elétricas? quanto o imaginário narrativo de Gibson partiam de referências visuais semelhantes, como os quadrinhos europeus da época, que produziam materiais extremamente instigantes.

Ver o filme durante seu processo de escrita foi aterrorizante e de certa forma desmotivante para o autor, que já pensava seriamente em desistir da publicação por medo que as pessoas o acusassem de plágio. Como disse, a situação não era nada confortável para Gibson.

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Mesmo assim, ele superou seus dilemas e lançou o livro, que foi considerado uma brisa de novidade no mar do “gênero das ideias”.

O romance nos apresenta Case, um hacker que foi forçado a se aposentar após ter seus circuitos fritados ao cometer um grande erro: tentou roubar de seus empregadores. Até que um homem misterioso chamado Armitage lhe oferece um trabalho, propondo em troca resolver o problema de Case tanto em seu acesso à SenseNET (o equivalente do livro para a Internet) quanto seu vício em drogas. Case sabia que aquilo não era uma proposta a se recusar.

Apesar de Blade Runner e Neuromancer terem muitos elementos visuais e temáticos em comum, Gibson estreou com seu livro um tipo arquétipo que seria bastante abordado no gênero: O do Hacker-Rebelde, personificado em  Case, o protagonista. O legítimo Punk Cibernético, em contraste ao detetive hardboiled e cine-noir de Deckard.

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O livro inspirou vários “filhos” que desenvolveram elementos particulares do universo criado por Gibson, como Elliot, o protagonista da série Mr. Robot que também segue o arquétipo do Hacker rebelde; e os novos jogos de Deus-Ex que trabalham em cima do tema de modificações corporais (um fator existente, mas bem menos importante em Neuromancer).

A narrativa possui um ritmo acelerado, cortando sempre para as cenas importantes, semelhante a um filme, enquanto as descrições hiperbólicas do livro dão a impressão de se estar em um constante estado de sonho. Certamente não é um texto simples, e pode se tornar confuso diversas vezes, especialmente tendo em mente que o autor escreveu-o em um período onde a internet e a computação ainda não eram algo tão mainstream quanto hoje, fazendo com que existam diversos termos que hoje já são substituídos por algo existente.

Quer um exemplo? Uma das principais funções de um Hacker, um cowboy do ciberespaço (termo cunhado neste livro inclusive), para ter acesso aos dados de um computador é passar por cima do ICE: Intrusion Countermeasures Eletronics – Contramedidas Eletrônicas de Invasão – com programas chamado ICE-Breakers ou “Quebra-Gelo”, em um trocadilho irônico. Só não é mais irônico o fato de anos depois o “ICE” existir e ter um nome com analogia completamente oposta: É o nosso Firewall.

Outros aspectos de um futurismo obsoleto também estão presentes, como tratar um pente de 3 megabytes de memória RAM como muita coisa; além de uma ausência de telefones celulares notada até mesmo pelo seu autor no prefácio da edição brasileira (que além de suas notas, também traz comentários de Neil Gaiman).

Ainda que demande um certo esforço para transportar a leitor para seu universo, o livro tem alguns dos melhores trechos descritivos da mídia Cyberpunk.

Exemplos não faltam.  A frase inicial do romance, “O céu sobre o porto tinha cor de televisão num canal fora do ar.”, preserva seu impacto ao sugerir um cenário surreal, mesmo que hoje em dia as TVs fora do ar tenham a cor do céu (azul).

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Night City era como uma experiência malsucedida de darwinismo social, projetada por um pesquisador entediado que não tirava o dedo do botão de fast-forward.” é uma descrição que se mantém bastante acurada de como uma metrópole distópica na era da informação é vista.

Capa das edições nacionais de Neuromancer, publicado pela editora Aleph

Além disso, o Japão também é uma referência visual constante no livro, justamente devido a seu desenvolvimento absurdamente rápido pós-Segunda Guerra Mundial, causando uma impressão única de choque entre a Tradição e o Futuro. Uma curiosidade: No centro de Tokyo não existe iluminação pública, pois as ruas são iluminadas pelas propagandas em neon dos prédios.

Ninjas Urbanos, Razor-Girls, toda essa salada cultural de cultura Hacker, Rastafári e Japonesa fazem parte da grande obra que é Neuromancer, o primeiro capítulo da trilogia do Sprawl, que hoje conta também com as entradas Count ZeroMonalisa Overdrive, que abordam histórias de outros personagens neste futuro imaginado por Gibson.

Outras Obras do Autor

Existem outros três contos que fazem parte do universo do Sprawl e que foram escritos anteriormente ao romance. Apesar de não obrigatórios para o entendimento do universo de Neuromancer, podem valer de curiosidade para quem queira entrar de cabeça nesse universo: Johnny Mnemoniac (que teve uma adaptação com Keanu Reeves), New Rose Hotel e Burning Chrome.

Neuromancer também teve uma “adaptação” para jogo em 1988, para Amiga, Apple II, Apple IIGS, Commodore-64 e MS-DOS. Embora traga o nome do livro, ele apenas é baseado em alguns elementos do livro.

 

Cortador de cana na empresa Quinta Capa