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Janeiro Literário | Resenha: Sitiado, por Edmar Oliveira

Na lutra contra o Comunismo pagão… ou não.

Que cenário incrível este de Sitiado, livro de Edmar Oliveira. Poderia dizer que a história se passa ali em meados da década de 1920, em Teresina, Piauí, onde a coluna tenentista de Carlos Prestes fez sítio e deixava todo o Brasil em burburinho. Entretanto, nem tudo se passa naqueles dias de calendário preciso… A história prende-se a um tempo muito mais longo e pessoal: aquele que rói na mente do protagonista Teodoro.

Nosso herói é um soldado que defende as fronteiras da capital da província contra as investidas do exército de Prestes e Juarez Távora. Teodoro, estreitado em suas veredas e trincheiras, passava horas na escuridão, aguardando um tiro longe, um insulto do inimigo e o dia seguinte, que trazia Ceiça com seu almoço, protegido por dois pratos, enrolado e dado um nó por um pano, pra proteger do cisco. Ao longo dessas horas, às vezes morosas, às vezes sob o zunir das balas, Teodoro se deixava levar pelas fantasias medievais de Leandro Gomes de Barros, grande cordelista brasileiro. E é nessa fantasia que Edmar Oliveira trança, enlaça e embola o novelo fio da estória.

Teodoro, grande conhecedor dos textos escritos em verso sobre os Pares da França, os guerreiros medievais de Carlos Magno que lutaram contra os sarracenos da Alta Idade Média, enxerga sua realidade como um reflexo daquelas poesias, a princípio, vendo em Carlos Prestes a figura do inimigo muçulmano que invade as terras sagradas dos católicos. À medida que a história se desenvolve as coisas se misturam em sua cabeça: quem antes era o inimigo, é rebatizado com o título de “Cavaleiro da Esperança” que vem salvar o povo do Brasil da opressão da República Velha. É nesse embate constante que se dá o sítio da aventura. Não só o protagonista, mas vários outros personagens são arrebatados pelas dúvidas de seus posicionamentos políticos, marcados ora como heróis, ora como vilões. E é neste ponto que Sitiado torna-se muito mais que um livro sobre uma passagem histórica do Piauí no século XX e penetra a longa duração e frágil estabilidade das mentes.

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O livro é cheio de personagens cativantes que engrossam as tropas da Coluna, e Teodoro, impulsivo que é, também embarca nesta aventura, onde conhece desde árabes que se “convertem” pelo poder e honra dos “soldados templários”, até homens que falam com espíritos. O autor preocupa-se em justificar o ingresso de todos esses ânimos na batalha e, aqui, Edmar mostra que uma guerra é na verdade travada por uma variedade de interesses de cada participante. Todos têm seus motivos e suas verdades para justificar seus atos. Às vezes razões tão pessoais e mesquinhas, às vezes nobres; mas que acabam se revelando tão altivas quanto ingênuas. Nesse ponto, Sitiado não deixa de falar também dos dias hoje.

Escrevendo em pequenas doses homeopáticas, Edmar, psiquiatra renomado, compõe a narrativa em conta-gotas. Assim, divide as 210 páginas em 21 capítulos que, mesmo espelhando certo regionalismo na escrita, proseando em vários momentos ao estilo dos versos de um cordel, não se rendem à cilada de embrenhar-se na busca da identidade piauiense. É, antes, um texto muito mais universal, embora não deixe de ser um homem falando de sua aldeia para o mundo.

Eu, sitiado, atrás da capa do livro de Edmar Oliveira

Sitiado foi publicado pela Chiado, editora de Lisboa que também trabalha em outros países irmãos de língua, como Brasil, Angola e Cabo Verde. O livro é impresso naquele papel pólen gostoso de cheirar, tamanho 14×21,5cm.

Edmar Oliveira é psiquiatra, que teve o prazer de fazer parte do movimento da Reforma Psiquiátrica e de ter trabalhado com Nise da Silveira. O autor é nascido em Palmeiras-PI, foi morar no Rio de Janeiro em 1977 e tem trabalhos na área da saúde mental, como o livro Ouvindo Vozes.

 

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Sitiado (2017)

Autor: Edmar Oliveira (Autor)

Editora: Chiado ; Edição: 1ª 

Páginas: 210.

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos