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Resenha | Meu Livro Violeta, de Ian McEwan

Há dez anos tive contato com a literatura produzida por Ian McEwan pela primeira vez. Passava pela livraria num sábado quando me deparei com Reparação, romance muito bem recebido pela crítica e que vinha recebendo uma enxurrada de elogios. Decidi comprá-lo na hora e parti para a leitura tão logo cheguei em casa. Bastaram poucas páginas para me render ao óbvio: o livro era merecedor de toda a glória possível. Verdadeiro tour de force do autor, impele o leitor a seguir avançando capítulo a capítulo com avidez e estabeleceu definitivamente McEwan como um dos grandes nomes da cena literária inglesa de nosso tempo. Desde então passei a acompanhar sua produção – e correr atrás dos livros já lançados.

Ian McEwan: o sorriso maroto de quem sabe que vai conquistar sua atenção.

O esforço compensou, afinal, desde o início de sua carreira o autor inglês dava provas consistentes de domínio da narrativa, de força criativa na descrição de cenários e competência no desenvolvimento dos personagens. O destaque que Reparação obteve não obscureceu seus romances anteriores, antes revelou um nome a ser lido; e muito menos lhe causou qualquer bloqueio. Pelo contrário. Nos anos seguintes, num ritmo regular, seguiu produzindo romances de fôlego e relevância como Sábado, Serena, Solar; e mais recentemente duas pequenas obras-primas: A Balada de Adam Henry e Enclausurado.

Foi com prazer que noticiei semanas trás (como você pode ler clicando aqui) o lançamento de Meu Livro Violeta (Companhia das Letras, 128 páginas, preço sugerido R$ 44,90), um simpático volume em capa dura e formato de bolso que chega para celebrar os 70 anos de Ian. Não espere, entretanto, mais um petardo do gênio britânico. O livro, que reúne um conto e um libreto escrito para a ópera Por Você, de Michael Berkeley, serve mais como um aperitivo aos fãs ansiosos por textos inéditos. Ou, melhor diria, como uma excelente porta de entrada para quem deseja finalmente conhecer o autor.

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Estão lá todos os predicados que são a marca do autor, ainda que de maneira contida, dadas as dimensões e propostas de cada texto. Ao fim e ao cabo, ambos trazem como tema de fundo a traição, trabalhada ora com tons tragicômicos, ora de modo mais tenso. No conto que rende o título ao livro, dois escritores alimentam uma inabalável amizade de longa data, ainda que os caminhos trilhados na vida pessoal os distanciem cada vez mais. É então que, num ato de desespero impensado, um deles toma a decisão que mudará as suas vidas para sempre. No libreto, uma experiência diferente de leitura, a trajetória de um vaidoso maestro começa a sofrer abalos desastrosos quando seus atos egoístas começam a se refletir em todos à sua volta, em especial nas escolhas de sua esposa doente.

Obra talvez menor numa vultosa bibliografia, Meu Livro Violeta vale pela sempre prazerosa degustação de um legítimo Ian McEwan, que, do alto de sete décadas completas, segue ativo e pronto a surpreender o leitor mais exigente. Um brinde ao mestre.

Hoje, olhando para trás, me pergunto se fui motivado pelas falsificações de Lee Israel, pelo conto ‘Pierre Menard’ de Borges, ou pelo romance de Calvino Se um Viajante Numa Noite de Inverno. (…) Mas o que eu estava fazendo era diferente. Pode soar improvável, à luz do que se seguiu, mas naquela manhã não passava pela minha cabeça a ideia de causar nenhum mal a Jocelyn. Só pensava em mim mesmo. Tinha ambições. (p. 29-30)

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br