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Resenha | Nemo: As Rosas de Berlim

Nemo: As Rosas de Berlim é uma história direta e cheia de referências, em especial ao expressionismo alemão, produzida por Alan Moore e Kevin O’Neill com os personagens criados para a sua Liga Extraordinária.

 

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Escrever sobre o trabalho do inglês Alan Moore é um serviço árduo, mas prazeroso. O escritor, que é apontado como um dos melhores roteiristas de quadrinhos desde a década de 1980, é conhecido por encher suas obras com significados e fazer com que suas tramas sejam complexas e com diversas camadas de leitura. Foi dessa forma que Moore na década de 1980 ganhou fama ao trabalhar com o Monstro do Pântano da DC Comics, transformando uma história de cientista que vira um monstro em um saga lisérgica com elementos de terror e paixão. E foi assim que o inglês desconstruiu o gênero de super-heróis com sua obra mais famosa, Watchmen.

Mas Moore não é conhecido apenas por seu talento inquestionável, já que quem conhece sua obra sabe que o escritor sempre levantou a bandeira dos direitos dos autores de quadrinhos, se afastando das grandes editoras americanas, Marvel e DC, por acreditar que elas ficavam com as melhores ideias do artista e enriqueciam encima deles.

Mas Moore nunca saiu do palco das atenções dos leitores de quadrinhos, mesmo não trabalhando mais para a Marvel e DC desde o fim dos anos 1980.  Fazendo trabalhos como Supremo, Do Inferno, Lost Girls, Um Pequeno Assassinato, Promethea, entre outros, o público e a crítica sempre reconheceram os trabalhos feitos por ele. Mas se há um trabalho que Moore parece realmente se divertir ao produzir é a sua Liga Extraordinária, criada ainda em 1999, onde, no princípio, o escritor juntou personagens da Era Vitoriana para combater vilões como Moriarty (vilão das histórias de Sherlock Holmes) e a invasão marciana (do clássico Guerra dos Mundos).

A proposta de Liga Extraordinária é bem clara, mesmo que seus elementos e referências necessitem de um conhecimento prévio do leitor: juntar personagens famosos da literatura (e, depois, do cinema e da cultura pop) em uma mesma equipe para enfrentar um mal comum.

 

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A Liga Extraordinária original, com o Capitão Nemo, Alan Quatermain (do livro As Minas do Rei Salomão), Wilhelmina “Mina” Murray (personagem do livro Drácula), O Homem Invisível e Mister Hyde (de O médico e o Monstro).

 

Mas Moore, hábil como é, não se limitou a ficar replicando a mesma fórmula de unir sempre a primeira Liga Extraordinária para combater algum mal em um período específico. O escritor decidiu seguir com alguns dos seus personagens e transpor as referências da Era Vitoriana, entrando no mundo da cultura pop e tratando do século XX. Foi dessa forma que Moore criou a trilogia do século (passando-se em 03 momentos, 1910, 1969 e 2009) e misturou história real com personagens do cinema, dos quadrinhos e da literatura. Foram dessas histórias que surgiram, mais precisamente em Liga Extraordinária 1910, a personagem Janni Dakkar, a filha do Capitão Nemo. E é com essa personagem que acompanhamos uma viagem pela Segunda Guerra Mundial no cenário criado por Moore na segunda parte da trilogia de Nemo.

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Lançada pela editora Devir aqui no Brasil 03 após o volume inicial (Nemo: Coração de Gelo, onde o grande elemento de referência é o escrito H.P. Lovecraft, em especial, seu livro As montanhas da loucura), Nemo: As Rosas de Berlim possui uma trama simples, mas com um significado e várias referências a cada página aos diversos trabalhos do cinema da época, em especial ao período do expressionismo alemão e a O Grande Ditador, de Charlie Chaplin.

 

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Na trama, após o dirigível em que seu genro e filha ser derrubado pelas forças alemãs/tomanianas de Adenoid Hykel (o personagem criado por Chaplin para satirizar o abominável ditador alemão Hitler), a Capitão Nemo e seu esposo tem que adentrar na Berlim desse mundo tão influenciado pela obra de Friz Lange, o diretor do clássico Metrópolis. O  fator de referência de maior homenagem em Nemo: As Rosas de Berlim é o  expressionismo alemão,  movimento artístico e cultural surgido na Alemanha do começo do século XX, onde ocorre a deformação da realidade para expressar de forma subjectiva a natureza e o ser humano, dando primazia à expressão de sentimentos em relação à simples descrição objetiva da realidade. E é desse movimento cultural que obras como Metrópolis e O Gabinete do Dr. Caligari surgem no cinema.

A cada página e em cada diálogo surgem mais e mais referências desse período cultural, fazendo com que as informações passadas ao leitor só sejam transmitidas caso o mesmo tenha um pré conhecimento da época. Parece que essa era a intenção de Moore ao elaborar essa história, que, do ponto narrativo, é ágil, porém, se o leitor for procurar se aprofundar na trama achará diversas informações que enriquecem a trama. Parece que essa também era a intenção da Devir ao lançar Nemo: As Rosas de Berlim, fazer com que o leitor se esforce para achar as informações do texto, pois o volume foi lançado sem qualquer editorial prévio ou posterior contextualizando a história dos personagens ou informando de onde aquelas referências foram tiradas.

A necessidade de conhecimento prévio é tanta que foi mantida na edição brasileira a decisão do Autor de deixar com que as falas de personagens alemãs fiquem em sua língua original. Sim, em diversas páginas o texto desse quadrinho está em alemão, fazendo com que o leitor que não fale a língua se sinta perdido, igual Janni Dakkar nessa Berlim futurista e mecanizada.

 

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Porém, se Moore acerta em narrar uma história simples, porém, cheia de referências, o escritor erra ao caracterizar os seus personagens na trama. Até mesmo Janni, que teve um desenvolvimento melhor em Liga Extraordinária 1910 e em Nemo: Coração de Gelo, nesse volume só se ocupa em ir de um lugar para o outro, não trazendo qualquer sentimento ou desenvolvimento para a personagem, até mesmo em momentos cruciais. Os vilões, que são figuras importantes da história do cinema, não são desenvolvidos, como se a preocupação do Autor fosse apenas encaixar eles em suas diversas homenagens. A vilão principal, por exemplo, proveniente do volume anterior dessa trilogia, passa até mesmo despercebida, sem qualquer motivação além de acabar com Nemo por causa de um roubo do passado. Esse verdadeiramente é o ponto fraco dessa história, a falta de desenvolvimento dos personagens.

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Se Moore acerta ao narrar essa história de forma direta e cheia de referências, mas erra ao desenvolver os personagens, a arte de Kevin O’Neill se encaixou perfeitamente na proposta da trama. O desenhista cria uma Berlim nos moldes do filme Metrópolis, adaptando-a aos diversos símbolos do totalitarismo hitlerista. Tudo é muito mecanizado. Mas os acertos do desenhista não param por aí, já que ele toma muito cuidado até mesmo nas cenas que fazem referência ao filme O Gabinete do Dr. Caligari, sempre usando de muitas sombras para retratar esses momentos. As cenas de ação e transição entre os quadros, também, estão muito boas, encaixando o traço de O’Neill (que desenha seus personagens de forma muito “quadrada”) ao que está sendo contado.

 

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A edição da Devir é muito simples, não contando com um editorial que contextualize a obra. Se possível, pegue para ler a trilogia do século da Liga Extraordinária (também lançada pela Devir e que junta em um só volume as histórias de 1910, 1969 e 2009), onde há uma linha narrativa contando tudo o que aconteceu nos séculos XIX e XX com os personagens trabalhados por Moore. Além de não conter editoriais contextualizando a obra, o volume conta apenas com uma ficcional entrevista da capitão Nemo Janni Dakkar promovida pela repórter Hildy Johnson (procure saber quem é essa personagem nesse verdadeiro caldeirão de referências).

 

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Contando com um roteiro cheio de referências culturais e com uma trama simples, que não desenvolve bem seus personagens, Nemo: As Rosas de Berlim é uma daquelas histórias que o leitor não pode ler de forma descompromissada, exigindo um conhecimento prévio e um estudo mais apurado para saber realmente todas as nuances da segunda parte da história de Janni Dakkar escrita por Alan Moore e desenhadas pro Kevin O’Neill.

 

 

Ficha Técnica:

  • Capa dura, com 64 páginas
  • Editora Devir
  • Lançamento em outubro de 2018
  • Preço de capa: R$ 55,00
  • Tamanho: 27,6 x 20,8 x 1 cm
Thiago de Carvalho Ribeiro. Apaixonado e colecionador de quadrinhos desde 1998. Do mangá, passando pelos comics, indo para o fumetti, se for histórias em quadrinhos boas, tem que serem lidas e debatidas.