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Resenha: NONNONBA (Shigeru Mizuki)

Mangá biográfico de Shigeru Mizuki aborda a infância do autor em uma história que mistura folclore japonês e muita emoção

A editora Devir, após lançar O Homem que passeia de Jiro Taniguchi, dá prosseguimento ao selo de mangás Tsuru, voltado para grandes autores, clássicos e contemporâneos, dos quadrinhos japoneses, com o lançamento de NonNonba, de Shigeru Mizuki.
Abordando em grande parte a infância do autor em uma região pobre do Japão de 1931, a obra trata sobre o amadurecimento de Shigeru, suas lutas contra os meninos rivais de outro grupo, seu convívio com a família, suas perdas e, principalmente, seu convívio com a fascinante personagem que todos chamam de NonNonba.
NonNonba na verdade é a designação das mulheres idosas, devotas à religião, da cidade de Sakaiminato, província de Tottori, no Japão. E é através dessa sempre simpática velhinha que o jovem Shigeru vai conhecendo as lendas japoneses que tratam sobre os Youkais, que são os monstros, fantasmas e demônios do folclore japonês. Não, tais seres não são necessariamente perversos, sendo em muitas vezes manifestações espirituais que fogem à compreensão humana.

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O grande cerne da obra é o amadurecimento de Shiguru, que desde cedo mostra talento para o desenho e para a narrativa de histórias, e como esses Youkais entraram na vida dele através das histórias contadas pela NonNonba. Tudo isso é mostrado logo no começo do encadernado, em páginas coloridas que narram em primeira pessoa o passado, a imaginação do personagem e um vislumbre do presente (no momento em que escrevia a história em 1977, só tendo lançado em mangá em 1992) de Shigeru Mizuki.

Ao contrário de O homem que passeia de Taniguchi, que abordava diversas situações sob o ponto de vista de um personagem sem nome e que em situações aleatórias encontrava uma leveza no modo como encarava a vida, a obra de Mizuki tem um núcleo de personagens bem estabelecidos e trabalhados. Conhecemos a família de Shiguru, seu irmão mais velho e o mais novo. A mãe do protagonista, que veio de uma família de linhagem no Japão e não cansa de repetir isso. E o pai do protagonista, um homem frustrado, já que trabalha em serviços burocráticos, mas almeja ser roteirista e trabalhar com arte, e relapso, sendo muitas vezes demitido das suas funções. E é claro, a NonNonba, que, no Brasil, poderíamos traçar um paralelo claro com as rezadeiras presentes nas zonas rurais do país.
Ela é uma mulher muito sábia, sempre pronta a dar um conselho a alguém, tendo um conhecimento muito vasto sobre o folclore japonês, em especial sobre os Youkais. É pela sua influência que Shiguru conhece muito desses seres, sempre tirando uma lição disso e fazendo aflorar a sua imaginação.

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Há que se dizer que o drama está muito presente nessa obra. Desde os primeiros capítulos, ao leitor é apresentado uma situação de perda muito forte, muito por causa do falecimento de personagens que nos são apresentados pela trama. Porém, o traço cartunesco do autor e a leveza dos diálogos evitam que essa obra seja apenas um dramalhão. Ao contrário, apesar de acontecimentos traumatizantes pelos quais vivem os personagens, os mesmos nunca perdem a doçura de suas personalidades.

E muito disso se deve pelo traço do autor. Aqui temos um espetáculo à parte de Mizuki. Enquanto adota um tom cartunesco e infantil na concepção dos personagens, fazendo sempre bufarem de raiva ou revirarem os olhos para demonstrar alguma emoção, o mangaká desenha os planos de fundo de forma detalhadas, criando uma contraposição daquele universo em que há constantemente a figura de seres sobrenaturais com o mundo real.

A passagem pelos “Dez Bilhões de Mundos Além” é o maior exemplo. Enquanto Shiguru e sua amiga viajam pelos mundos, em outra narrativa, NonNonBa está servindo como enfermeira da pobre menina enferma. É um momento tocante em seu desfecho.

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A edição da Devir, que faz parte do selo Tsuru, é bem caprichada em seu acabamento gráfico, escorregando apenas em alguns momentos na edição. A falta de vírgula em alguns diálogos e alguns erros de digitação não roubam o brilho dessa edição, mas um maior cuidado com essa obra premiada deveria ter acontecido. Outro ponto que incomoda é o lugar onde a descrição dos Youkais se encontra. Durante a história, sufixos japoneses como kun, san e o próprio significado de NonNonba são colocados na parte inferior das páginas. Porém, quando os Youkais são nomeados, a edição empurra o leitor para a páginas 410, 411, 412 e 413, onde há uma lista explicando quem são esses seres. É inegável que quebra o ritmo da leitura ir para o final do volume para pegar alguma informação dos Youkais.

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A edição brasileira conta com uma jaqueta protetora na edição, uma bibliografia selecionada, os prêmios que o autor ganhou  e um excelente texto (Os Deuses e Monstros de Shigeru Mizuki) de Jason Thompson, contando a vida e obra do autor. Ao ler esse texto, percebe-se o amor pelos monstros japoneses e o grande pacifista que o mangaká foi, principalmente, por ter sobrevivido à Segunda Guerra Mundial. O autor veio a falecer em 2015, aos 95 anos.

Ao ter conhecimento da vasta obra de Mizuki e da sua importância no mercado de mangás no Japão, o leitor brasileiro fica na expectativa de futuros lançamentos por aqui do trabalho dele, em especial, após ler e ver a qualidade de NonNonba.

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Nota:
Roteiro: 10/10. Ao abordar sua infância e seu contanto com o folclore japonês através da magnífica personagem NonNonba, Mizuki faz um mangá sobre amadurecimento e perdas. Essencial não só para o fã de mangás, como também para qualquer leitor que quer ler uma história fascinante.
Arte: 10/10. Os desenhos misturam o cartunesco do traço dos personagens com fundos realistas e detalhados.
Narrativa: 10/10. O peso da trama dos temas abordados não transforma NonNonba em um dramalhão pesado e fadigando, muito por causa da capacidade do autor em criar diálogos leves, junto com um traço suave dos personagens cartunesco. A aparição dos Youkais são ótimas, misturando o real com a fantasia.
Acabamento da edição nacional: 8/10. Erros de digitação nos diálogos e a lista dos Youkais ao final do volume, interrompendo a leitura daquele que quer saber quem são esses seres, tiram um pouco do brilho dessa bela obra publicada pela Devir.
Nota Final: 9.5/10.


Ficha Técnica:
Capa comum, com jaqueta protetora
423 páginas
Lombada quadrada
Lançado pela editora Devir em março de 2018
Tamanho : 23,8 x 16,6 x 2,8 cm
R$ 89,90

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Thiago de Carvalho Ribeiro. Apaixonado e colecionador de quadrinhos desde 1998. Do mangá, passando pelos comics, indo para o fumetti, se for histórias em quadrinhos boas, tem que serem lidas e debatidas.