O entretenimento nunca esteve tão afiado e ativo. As décadas passadas nos presentearam com grandes e inesquecíveis clássicos da TV. Família Soprano, The Wire, Breaking Bad, Mad Men… esses são grandes exemplos de entretenimento maduro elevado à enésima potência. Ainda hoje surgem séries com bastante conteúdo: Breaking Bad foi um divisor de águas e as séries elevaram o nível de entretenimento a outro patamar. O advento dos serviços por streaming só ajudou a aumentar o leque de opções.
E esta maturidade também chegou às animações. Por mais que houvessem produções que mostravam ser possível fazer animação para uma audiência adulta, o resultado simplesmente não era comercial. A crença de que animação é coisa de criança impedia adultos de conferirem nos cinemas, ou em VHS/DVD; e obviamente o público infantojuvenil não podia conferir essas obras. Simpsons, Family Guy e outros eram raras exceções.
Mas eis que os serviços por streaming, como o Netflix, resolvem esse problema: com a facilidade de acesso e uma assinatura com um preço razoável; o espectador não só tem um leque imenso ede entretenimento para a sua escolha, como também os estúdios tem mais oportunidade para ousar com suas obras. Afinal a assinatura já está paga e o espectador não tem que se preocupar com se deslocar ao cinema, comprar ingressos e pipoca, não é? E com isso, animações como BoJack Horseman e Rick & Morty ganharam a atenção da audiência.
E eis que, nesse ano, temos Final Space.
É impossível explicar Final Space sem mencionar suas influências. É como se Carl Sagan encontrasse Rick e Morty e saíssem para passar no mundo de Hora de Aventura, só que cósmico e totêmico em um estilo Flash Gordon.
Final Space é muito influenciado por Rick & Morty e até um de seus criadores, Olan Rogers, admite a sua importância para a série. Criada em conjunto com David Sacks como indie para a TBS, a série estreou primeiro no Redit, foi exibida em outros canais e foi renovada para a segunda temporada ainda em maio. Mas foi só quando estreou no Netflix, em julho, que a série chamou ainda mais a atenção.
Sinopse
A série conta a história de Gary Goodspeed. Gary é o filho de um agente da Guarda Infinita (forças especiais de um futuro utópico), John Goodspeed, que morreu em uma missão. Na idade adulta, Gary se envolveu em uma encrenca, se apaixonou, fingiu ser um oficial da Guarda e causou a destruição de vários caças. Isso lhe rendeu uma sentença de cinco anos de prisão em uma nave, administrada por uma inteligência artificial.
Durante um trabalho de manutenção, Gary acaba encontrando uma criatura que capaz de sobreviver no vácuo do espaço e, apesar de sua fofura, ela logo demonstra ter poderes imensos. E aí começa a sua louca jornada, envolvendo Mooncake(nome que ele dá à criatura) e vários personagens que se unem a ele: um mercenário que estava atrás de Mooncake e seu filho, além de uma oficial da Guarda Infinita, uma figura misteriosa e até mesmo seus carcereiros.
Influências
Voltando às influências, a série bebe muito de Rick and Morty no que se refere à violência, ao humor anárquico e no que tange à ficção científica levada aos limites do fantástico. Mas Final Space não divide o niilismo e escrotidão de seu irmão mais velho. A série também difere por ter uma trama que conecta seus episódios, diferente de Rick e Morty, cujos episódios são mais isolados.
Buck Rogers e Flash Gordon são mais coisas que lembramos quando pensamos em Final Space. A pegada de exploração espacial remete ao primeiro, e a influência de Flash Gordon se mostra no protagonista Gary que, similar à Gordon, é uma pessoa tirada de seu elemento e que deve se mostrar à altura dos desafios à sua frente.
Outras grandes influências para Final Space são 2001 – Uma Odisséia No Espaço e Lunar(com Sam Rockwell), principalmente no que se refere à HUE(nada a ver com o Brasil). Claro que Star Wars também não podia faltar, assim como uma pitada do filme Gravidade. Até A Princesa Prometida(Princess Bride) tá no meio da bagunça!
Boa parte da graça é pescar essas referências!
Os Personagens
Gary Goodspeed
A aliteração no nome já indica: Gary é um herói! Pensem; Peter Parker, Clark Kent, Reed Richards… os heróis mais clássicos tem nome e sobrenome começando com a mesma letra(ou pelo menos com uma letra de som similar). É sonoro e chama a atenção.
Exceto que Gary não parece um herói. Pensem na forma com que ele acabou nessa nave prisão. Tá mais pra anti-herói: é reclamão, neurótico, passa o dia mandando mensagens para a garota que ele é a fim(uma mensagem todo dia, por cinco anos), em forma de vídeo. Vive violando os termos de bom comportamento e ganhando um dia a mais na sentença. E muitos desses termos envolvem as tentativas de pegar biscoitos sem permissão, chamar a si mesmo de capitão da nave, entre outros…
Exceto que Gary se mostra um herói em dois tipos de situação: para tomar atitudes insanas em que há pouquíssimas chances de sucesso; ou quando envolve pessoas com os quais ele se importa. Ele também conta com a sorte dos loucos: mesmo quando a probabilidade de sucesso é mínima,ele consegue se safar.
O personagem é dublado pelo próprio Olan Rogers.
Mooncake
A criaturinha lembra um pokemon: fala só variações de “chookity puh” e usa muitas delas quando usa seu poder. Sim, pois apesar da fofura e do olhar inocente, Mooncake(que também foi dublado por Olan) tem um poder terrível… e por causa deste, ele está sendo perseguido por uma terrível força armada. E um dos grupos é liderado por nada menos que…
Avocato
Um homem-gato(vetrexiano, na verdade) que lidera a missão para recuperar Mooncake, ele acaba capturado e rapidamente inicia uma estranha e intensa amizade com Gary. Avocato tem um propósito maior: o de recuperar seu filho…
Little Cato
Garoto-gato com visual rebelde e, apesar de jovem, é mais forte e habilidoso do que deixa transparecer. Avocato está disposto a tudo para recuperar seu filho, que está nas mãos do…
Lorde Comandante
Pequenino, malvado e com complexo de inferioridade… mas com estranhos e imensos poderes! Dublado por David Tennant, o Lorde Comandante é de uma maldade intensa, corrupta e inconsequente para si e para os que o cercam. Sádico e inescrupuloso, ele tem planos envolvendo um fenômeno ameaçador, descoberto por…
Quinn Airgone
Oficial da guarda infinita, Quinn sabia que havia algo de errado nas proximidades da Terra e estava disposta a trair a guarda infinita para provar seu ponto e salvar o universo. A perseguição avariou sua nave e ela precisou de socorro. Acabou resgatada e trazida para uma nave, administrada por…
HUE
Pronuncia-se como Huey(riuei em português) é a inteligência artificial que controla a nave em que Gary se encontra prisioneiro. Apesar da voz monótona, HUE é dotado de consciência e emoções. Embora haja como o conselheiro racional, acaba apoiando Gary em tudo que ele decide fazer. Ele soa como HAL 9000, de 2001, e tem uma influencia de GERTY, de Lunar. Mas HUE não cuida de Gary sozinho, pois ele é assistido pelos…
SAMEs
Esse grupo de robôs operários servem como serventes, reparadores e seguranças. Como diz o nome(mesmos) são indistintos uns dos outros mas Gary, em seu tédio, batizou cada um deles. Talvez até por influência dele, eles passaram a demonstrar emoções também.
Mas eles não são os únicos dróides na nave. Exercendo uma função especial, há o…
KVN
A função de KVN(pronuncia-se Kevin) é a de preservar a sanidade dos prisioneiros…mas quem deu a ele essa função devia ser bem irônico, pois ele faz o oposto disso. Gary o odeia. Avocato e Quinn o odeiam. Até o HUE odeia ele! KVN é insano(olhem o que falei sobre ironia), narcisista, provocador, chato pra caramba…
O personagem que odiamos amar… ou adoramos odiar?
Por que você deve assistir?
Contendo 11 episódios, a série é contada em flashback. Gary começa encrencado: está perdido no espaço, cercado de destroços e cadáveres e com HUE lhe informando que só tem dez minutos de oxigênio. A tragédia já está anunciada e o espectador só pode ficar na expectativa de que tudo possa estar caminhando para dar errado. A cada episódio, um minuto a menos de oxigênio… será tudo em vão? Um milagre vai acontecer?
Final Space é uma montanha russa de emoções. Embora navegue por aquele humor ácido e irreverente, os episódios são pontuados por momentos melancólicos(quando Gary lembra de seu passado) ou nos dramáticos e trágicos. E esses momentos aumentam de intensidade a partir do sexto episódio… preparem os lenços!
O trabalho dos dubladores também é um grande destaque. Tal qual Seth McFarlane e Dan Harmon, Olan fez questão de dublar o personagem principal e Mooncake, e ele não deve nada a nenhum dublador profissional! Mas quem brilha aqui é Tennant como o Lorde Comandante! O ator, oriundo de Doctor Who e também conhecido por seu papel como Kilgrave em Jessica Jones, já tinha bastante experiência com audio livros da série Doctor Who e atualmente é a voz do Tio Patinhas na animação Duck Tales.
Neste papel em especial, Tennant compôs um vilão especialmente odioso, feroz, sádico e impiedoso. A sua ira é tão cega que não só destrói os que o cercam, como também o prejudica. Mas ainda assim, ele também sabe ser sutil e manipulador… afinal, não teria se tornando o comandante de uma vasta força intergalática se não o fosse!
Tennant não é a única voz famosa a participar de Final Space: Ron Perlman, o eterno Hellboy, também participa como a voz de John Goodspeed, pai de Gary. O ator empresta seu vozeirão e dá um toque mais heróico ao personagem, que é reverenciado não só pelo filho mas por todos na Guarda Infinita.
Final Space tem um ritmo excelente: não perde tempo construindo relacionamentos e conflitos, fazendo uma exceção apenas na relação Gary/Quinn. O senso de humor também é excelente, contando com muitos trocadilhos, que ficaram muito engraçados na adaptação nacional.
Se você está orfão de Rick e Morty, não deixe de conferir Final Space: um grande tributo não só a seu irmão mais velho, como também ao fino da ficção científica e space opera!
Agradecimentos ao internauta e brother Guilherme Falcão, por sua ajuda na pesca de referências! Sem você, isso não seria possível!
