Nos últimos meses, quatro proprietários de livrarias brasileiras especializadas em histórias em quadrinhos – mais conhecidas como comic shops – anunciaram fechamento – a Escudo Geek, de Pelotas (RS); a Quinta Capa, de Teresina (PI); a Taverna do Rei (SP); e Vila Geek Revistaria, de Brasília (DF).
Em todos os casos, esses empresários deixaram de ter um ponto físico de atendimento, mas continuam tentando sobreviver da venda de gibis (e atividades afins) através de outros canais – especialmente o virtual.
Antes de analisar qualquer questão econômica ou estrutural, vale destacar que essas livrarias sempre foram locais onde artistas e leitores se encontram e compartilham ideias. Ou seja, acima de tudo, são pontos de estímulo cultural e de construção de amizade. Muitos lançamentos e eventos marcantes do setor nasceram nesses ambientes.

O impacto do mundo virtual
A transformação começou quando o comércio eletrônico passou a dominar o consumo. O primeiro grande abalo veio com o boom da Amazon, marketplace que revolucionou o varejo mundial. Para os pequenos lojistas, competir com descontos agressivos, frete grátis e logística eficiente parecia impossível.
Com o tempo, o susto inicial deu lugar à adaptação. A Amazon continua sendo um gigante difícil de enfrentar — sobretudo pela distribuição —, mas seus descontos já não são tão imbatíveis. Muitos lojistas, inclusive, passaram a usar a própria plataforma como vitrine de vendas.
Nova realidade
A partir daí, o cenário mudou completamente. A troca de gibis entre amigos do bairro virou negócio, e hoje qualquer pessoa pode se tornar “vendedor de quadrinhos” sem sair de casa.
“Chegamos a imaginar que existam mais pessoas vendendo do que comprando”, avalia Fábio Garcia, da Comic Boom (SP). Segundo ele, é comum que consumidores aproveitem promoções das lojas, montem estoques próprios e revendam em plataformas como a Shopee, como forma de obter renda extra. “Hoje, qualquer um pode colocar um link para vender”, completou Guilherme Lorandi, o Gui da Loja Monstra (SP).
Com essas “portas abertas” para esse mundo, a concorrência se multiplicou. Vendedores surgiram em grupos de WhatsApp, no marketplace do Facebook, na OLX, na Shopee e até na própria Amazon. “O maior problema da Amazon é que ela viciou o público em descontos. O que as editoras conseguem oferecer, esses vendedores por hobby também dão conta. Mas nós, lojistas, não temos como acompanhar”, explica Fábio.

O público leitor
Além da concorrência, outro desafio preocupa os livreiros: o público das lojas físicas está diminuindo — e não se renova.
“Não consegui ter clientes suficientes para manter a estrutura. Não há atrativos que chamem a atenção de quem não faz parte do grupo que já frequenta a loja. São praticamente os mesmos de sempre. O ponto físico não atrai mais grandes públicos”, relata Bernardo Aurélio, da Livraria Quinta Capa.
Para ele, a solução é ir atrás dos novos leitores onde quer que estejam. “É o que tenho tentado fazer. Sempre que possível, participo de eventos em bairros, escolas e outros espaços. Busco esse novo consumidor de gibis. Além das vendas on-line, é claro”, afirma.
Um mercado de paixão
O universo dos quadrinhos sempre foi peculiar — e desafiador. Não há fórmulas prontas. “No começo foi muito complicado conseguir material. Tive que trabalhar com cota de banca, depois negociar diretamente com editoras para obter descontos melhores. E cada uma tinha um tratamento diferente”, lembra Fábio, da Comic Boom.
Manter uma livraria especializada em HQs nunca foi um investimento lucrativo. Ninguém entra nesse ramo esperando enriquecer. Em praticamente todos os casos, os donos de comic shops são colecionadores apaixonados que sonham em viver da própria paixão.
“Não é um bom negócio. Tem que querer muito”, resume Gui, da Monstra.
Um futuro em transição
As livrarias de quadrinhos podem estar mudando de formato, mas não de essência. Afinal, quem ama HQs sabe: heróis nunca desaparecem por completo. Eles apenas encontram novas formas de continuar lutando.















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