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Entrevista | Ana Cândida Nunes Carvalho, fotógrafa piauiense

Hoje vamos falar um pouco com Ana Cândida Nunes Carvalho, piauiense que tem se destacado enquanto fotógrafa, mas possui muitos outros talentos, além da divulgação e conscientização que promove em relação ao autismo. Ela é autora do Hino do Divino da cidade de Amarante-PI (a festa do Divino é alvo de seus cliques), terra de sua família. Sua exposição intitulada “Em Mim” esteve no mês de abril no Museu do Piauí.

Quinta Capa – Olá, Ana Cândida! Obrigada pela disponibilidade em conceder essa entrevista ao Quinta Capa. Vamos conversar um pouco sobre seu trabalho!

QC – Você tem formação em psicologia, correto? Como você percebe a influência dessa formação no seu olhar?

AC – Sim. Todas as minhas composições autorais, incluindo a fotografia, têm influência direta da Psicologia, tanto relacionada à dissecação do meu psiquismo, quanto à apreensão do entorno, provocando projeções subjetivamente intimistas do “si mesmo”. Estudar as vielas intricadas do vasto território do Eu possibilitou a incursão no universo especular, ainda convenientemente fadada às interrogações pessoais e aos ditames morais, tão arraigados na minha consciência. Inconscientemente (ou nem tanto!), tento transpor tais entraves, burlando mecanismos de defesa bem elaborados, e partindo para o fabuloso destino daqueles que alçam voos mais altos: o sonho. Sonho acordada sem remorsos, portanto, já que meu conhecimento foi talhado em uma metafórica tábula onírica, sob os parâmetros dispostos na teoria Psicanalítica, ainda extremamente aquém do pensamento superior dos grandes mestres, como Freud e Lacan.

Ensaio “A vida é um jogo”

QC – Por que macaco fotógrafo?

AC – Há alguns anos presenciei uma discussão virtual de alguns fotógrafos piauienses renomados sobre a inaptidão e falta de domínio da técnica fotográfica de algumas pessoas que se auto intitulavam “fotógrafos profissionais”. Os “simplórios apertadores de botão” (como foram chamados pelo seleto grupo renomado) não eram dignos de tão alta patente, portanto. Ora, qual critério, afinal, retirava-os o direito da alcunha demasiadamente disputada? Acaso insinuavam a incapacidade de refletir ou de pensar antes de fotografar? Não é o homem dotado, intrinsecamente, da capacidade de raciocinar sobre suas próprias ações? A não ser que eles estivessem falando, outrora, de macacos. Todo homem, a priori, ao fotografar, avalia o entorno retratado, segundo seus próprios critérios estéticos. Macacos, até onde eu sei, não julgam esteticamente a captura de uma imagem através da lente de uma câmera. Criei, assim, o Macaco Fotógrafo: aquele que é, sem saber!

QC – Como surgiu o interesse pela fotografia? E sua ligação com a arte, de maneira geral, pode nos contar um pouco mais?

AC – Comecei a fotografar na era das câmeras analógicas, sem a mínima consciência de uma possível razão transcendental para tal ato. Nas visitas ao interior ou nas viagens familiares, o olhar sensibilizado pela pureza dos momentos lúdicos ainda não conhecia plenamente todas as suas possibilidades. É legítimo afirmar que sempre exercitei a capacidade de capturar imagens decodificando-as em sentimentos ou sensações. Mas foi através dos estudos de psicologia e psicanálise que, finalmente, fui capaz de transformar a fotografia em expressão da minha própria alma.

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QC – Mais do que trabalho, a fotografia, com você, é veículo para expressão artística. Como se dá seu processo criativo?

AC – Um professor de fotografia certa vez me falou que eu não sou, propriamente, uma fotógrafa, mas uma “escritora que fotografa”. Antes de iniciar uma série fotográfica autoral, sempre elaboro um release detalhado explicando como ela será, ou discorrendo acerca dos significados dos símbolos presentes em cada cena.

QC – Achei muito legal a fala do teu professor. A percepção que tenho é realmente de que tu está contando uma história, não só passando uma ideia. Influência do lado escritora?

AC – Com certeza! Eu leio imagens, e escrevo com a luz!

QC – Você fotografa temas de forma lúdica, muitas vezes, mas sempre com uma carga emocional forte. As pessoas costumam dizer as impressões a você? Como você analisa a conexão com aqueles que visualizam seu trabalho?

AC – Todo trabalho autoral anseia ser visto. O olhar do outro carrega, em si, a projeção especular do conteúdo apresentado. A minha fotografia trata-se de uma expressão do meu eu, diante do espelho, que é o olhar do outro. Nem sempre esta percepção do outro pode ser apreendida de forma fácil. Muitas opiniões trazem, em seu escopo, importantes lições a serem incorporadas. Opiniões que apontam principalmente a repetição de elementos nas séries fotográficas. Estes elementos tratam-se de arquétipos da minha personalidade. Se os mesmos forem analisados de maneira profunda, verão traços nítidos do meu ser. A crítica, portanto, acaba sendo dirigida, diretamente, a quem eu sou. Eu sou “a criatura” que construí.

QC – Interessante. Pra mim sempre pareceu ligado a uma ideia de movimento, tratando de continuidade – como um olhar que passa pelas cenas, não como nos quadrinhos, de uma para outra, mas um olhar que vai pegando as transições também.

Projeto “Dolls”

QC – Ultimamente você tem falado mais abertamente sobre o autismo e feito da arte uma ferramenta para aproximar as pessoas de uma compreensão de realidade ainda distante. O que a motivou? Como tem sido a repercussão?

AC – Há alguns anos fui diagnosticada com a Síndrome de Asperger. Posso dizer que se trata da forma mais branda dentro dos Transtornos do Espectro do Autismo. Neste sentido, criei uma página numa mídia social que fala do meu cotidiano, tentando dirimir possíveis dúvidas sobre o comportamento de uma mulher com a SA, ou, ainda, propagar informações sobre autismo, de forma didática e leve. Não consigo mensurar claramente a repercussão desta empreitada, mas continuo engajada na tentativa de aproximar as pessoas da minha realidade e melhorar o mundo para pessoas autistas.

QC – Suas fotografias do cotidiano e de eventos têm um olhar casual, sobre detalhes, e me passam uma ideia de movimento. É intencional? Eu queria perguntar sobre a sua intenção com as cenas. E se a atenção para certas coisas têm a ver com a sua forma de pensar o mundo.

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AC – Na literatura sobre pessoas com a Síndrome de Asperger encontramos trechos claros de que tais pessoas atentam muito bem aos detalhes, principalmente quando diz respeito a algo dentro do seu hiperfoco. O hiperfoco trata-se de um interesse restrito e persistente em um determinado assunto, característica própria das pessoas com a Síndrome. O meu hiperfoco é a fotografia e o autismo. Dentro da fotografia de eventos, que envolvem muitas pessoas, só me sinto menos ansiosa fotografando cenas que giram em torno de arte, como musicais, peças teatrais e a Festa do Divino Espírito Santo de Amarante – Piauí.

QC – Como é sua relação com os fotografados? Lembro de sua preocupação em relação à forma como eles percebem o seu trabalho.

AC – Tenho um cuidado redobrado com o querer alheio, tanto no que diz respeito à imagem apreendida, quanto em relação à composição da cena e na divulgação do conteúdo fotografado. Tudo que faço, no âmbito da fotografia autoral, perpassa pela decisão final do fotografado. Em relação aos eventos, sempre peço permissão para registrá-lo ou divulgar as imagens.

QC – Você utiliza as redes sociais e o instagram tem sido vitrine de seus trabalhos. Como você avalia a importância desses espaços?

AC – Foi através das mídias sociais que consegui alcançar um público maravilhoso de seguidores dos meus trabalhos, tanto fotográficos quanto textuais.

QC – Além da fotografia, você tem também escritos bastante elogiados. Recentemente você se aventurou em novas formas, com a autoria de peça de teatro, que ainda é um segmento bastante difícil no nosso estado. Quais seus planos para a literatura? Como surgiu o interesse específico pelo teatro?

AC – Comecei a escrever pequenas cenas teatrais durante o Curso de Psicologia, nas apresentações de seminários em grupo. Logo no fim do curso, comecei a escrever o esboço da minha primeira peça: O Segredo da Salamandra. Agora estou escrevendo um livro que envolve fotografia e textos em prosa poética. Também pretendo fazer uma compilação de releases das minhas séries fotográficas autorais.

QC – Você planeja alguma incursão artística diferente, já que se aventurou tanto na escrita como fotografia? Em outra forma de arte, como música?

AC – Gosto da pintura e da escultura, mas não possuo o dom. Quem sabe com o treino eu consiga chegar a um patamar aceitável. Tenho um único quadro pintado, bastante simplório.

QC – Para finalizar, gostaria de deixar uma mensagem para os leitores?

AC – Deixo uma poesia:

Por não te(r) ser, sigo, solitariamente, desconexa

No abismo de mim mesma permaneço presa

De tanto sonhar-te em minha ausência

Desfaz-se o teu reflexo em pensamento

Sigo em protesto por estar em ti, sem tua presença em realidade.

Apenas a saudade do hiato sentimento

Renasce entre vírgulas e escassos gestos de amor.

Você pode encontrar mais do trabalho da Ana Cândida nas redes sociais:

Instagram

Twitter

Facebook Macaco Fotógrafo

Facebook Mulher Aspie

Quer ser alguém importante na história do mundo, mas tem preguiça. Costuma ser do contra, gosta de coisas fofinhas, nasceu pras artes e foi trabalhar com coisas chatas pra não estragar os hobbies e nem passar fome.