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Espetáculo Nacional: O Truque, a Joia e o Fantasma no Planalto

No maior espetáculo da Terra, o truque é fazer 700 mil mortos desaparecerem da cartola.

Jair Messias

A nova temporada da série “Democracia em Risco” estreou hoje (2/9) com elenco de peso e cenário nobre. No palco da Primeira Turma do STF, os protagonistas da vez — Moraes, Dino, Cármen Lúcia, Fux e Zanin — deram início ao julgamento da trama golpista de Bolsonaro e seus acólitos. O roteiro, que inclui delírios como o plano “Punhal Verde e Amarelo” e ameaças a autoridades, promete uma minissérie de suspense com capítulos já agendados para os dias 3, 9, 10 e 12 de setembro. Reserve na agenda ou, melhor, prepare o espírito.

E como todo bom reality show, a plateia já garantiu seu lugar. Das mais de 3 mil inscrições para assistir ao vivo, apenas 1.200 conseguiram um assento na grande arquibancada da República, enquanto do lado de fora, a nação do Twitter já afia os dedos para subir a hashtag #FogoNoParquinho a cada sustentação oral.

Enquanto os holofotes se acendiam no palco principal, nos bastidores, um fantasma tentava assombrar a produção. Mauro Cid, o delator-chave que já foi de tudo um pouco, reapareceu em um cameo espectral, tentando anular a espinha dorsal da acusação. Sua defesa alega que a ata notarial com os prints comprometedores “simplesmente não existe”, uma cartada jurídica com a classe de quem jura que o monstro do Lago Ness era só uma lenda urbana. A produção, contudo, através da PGR, já mandou avisar: mesmo que o fantasma consiga assustar, o show continuará, pois há provas independentes para manter a trama de pé.

Mas em meio a tanto barulho, entre o samba doido das sustentações orais e os sussurros de Cid, o silêncio mais ensurdecedor é o do roteiro que foi engavetado.

A verdade crua, o detalhe que rasga a alma por trás de toda essa dramaturgia, é que Jair Bolsonaro não está sendo julgado pelas 700 mil vidas perdidas. O caos, a cloroquina, a imitação de quem morria sem ar — tudo isso foi deletado da versão final. O que assistimos é um julgamento sobre a embalagem da democracia, não sobre o seu conteúdo humano que foi dizimado.

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É o truque de ilusionismo mais antigo do manual, executado em escala nacional. Enquanto todos os nossos olhos estão fixos na mão direita do mágico — o golpe, a joia, a ata, o fantasma do ajudante de ordens —, a mão esquerda, aquela que presidiu sobre a maior tragédia sanitária da nossa história, repousa tranquilamente, fora do palco e da culpa.

Nós pagamos o ingresso com nossos impostos e nossa paciência, compartilhamos os memes, aplaudimos o espetáculo. Mas talvez o verdadeiro show não seja o julgamento em si, e sim a nossa impressionante capacidade de assistir à distração e chamá-la de justiça.

Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.