Todas as quintas-feiras, uma seleção de três títulos, entre quadrinhos e livros, com breves resenhas. Nesta segunda coluna: Outros Tempos, de Edney Silvestre; Tex Platinum nº 21, com roteiros de Claudio Nizzi e Hermínia, de Diego Sanchez.
Outros Tempos, de Edney Silvestre (editora Record, 176 páginas, preço sugerido R$ 49,90): A friendly city, com seus habitantes peculiares, efervescente vida cultural e marcada pela história de grandes riquezas que captam o espírito capitalista americano. Essa é a Nova York que Edney Silvestre nos apresenta nesta simpática e charmosa coletânea de crônicas e memórias, grande parte escrita nos anos 1990.
O autor, por sinal, vive um bom momento, promovendo seu novo romance, “O último dia da inocência”, e participando de eventos literários onde discorre sobre a adaptação televisiva de seu primeiro trabalho ficcional, “Se eu fechar os olhos agora” (na ocasião da estreia tive a oportunidade de entrevistá-lo; conforme você pode conferir aqui).
Mas antes de se destacar na literatura, Edney já proseava com graça e leveza em crônicas publicadas no jornal O Globo, como vemos em “Outros tempos”. Correspondente internacional sediado em Nova York, o jornalista estampava nos textos o deslumbramento de “sua alma roceira” de quem nasceu e cresceu em Valença, estado do Rio de Janeiro. Um olhar atento e curioso por tudo o que ocorria à sua volta, naquela que enxergava como “a maior cidade de interior do mundo”.
As crônicas, marcadas pela passagem das estações, cada qual com sua cor e seu ritmo, dividem espaço com relatos de outros lugares, seja em Massachusetts ou mesmo a distante Jordânia. O livro abre com um relato pungente do 11 de Setembro, evento coberto in loco por Edney, para então regredir nos anos e recordar uma cidade de outro tempo, sendo testemunha de seu resgate e transformação pela gestão de Rudy Giuliani.
Temos o registro de uma época, com os escândalos de Clinton e O.J. Simpson, e relatos humanos, como a trajetória de uma imigrante português. Mas também textos saborosos, onde Silvestre discorre sobre a “síndrome de Manhattan”. Com seus ca(u)sos, o autor já mostrava domínio narrativo, apresentando “personagens” cativantes; talento hoje explorado com todo vigor. “Outros tempos” fala, enfim, de uma Nova York que talvez não exista mais, mas registrada com prazer por quem veio de longe para amá-la intensamente.
Tex Platinum nº 21 (editora Mythos, 296 páginas, preço sugerido R$ 32,40): Rebeliões indígenas e batalhas mortíferas pela vida são o mote de “Tex Platinun” n° 21, que chega com dobradinha de histórias assinadas pelo mestre Claudio Nizzi.
A primeira e mais extensa, “Guerra no deserto”, conta com o traço clássico de Miguel Repetto, dinâmico e rico em detalhes. Nela, acompanhamos a caçada pelos responsáveis do massacre de uma patrulha militar na paisagem árida ao sul do Novo México.
Enquanto o exército credita a autoria ao líder apache Durango, que fugira da reserva após a morte do agente indígena, Tex e seu parceiro Kit Carson procuram acalmar os ânimos e aprofundar as investigações sobre o caso. Para piorar, nosso herói acaba vítima de uma cilada e é injustamente acusado de assassinato.
A descoberta do verdadeiro responsável pelo extermínio da patrulha não facilita as coisas, uma vez que o perigoso movimento de apaches rebeldes acaba por cercar uma grupo de militares em pleno deserto, exigindo de todos uma sangrenta resistência pela vida. As cenas noturnas são desenhadas de forma brilhante por Repetto, retratando uma série de situações que testam os nervos do leitor.
Na segunda trama, “O último refúgio”, é o gênio José Ortiz quem assume o lápis, num enredo ligeiro e ao mesmo tempo bastante movimentado. Agindo sozinho, Tex procura proteger os últimos sobreviventes de um cerco indígena a uma fazenda, levando-os para um posto de trocas.
Mas eles são seguidos pelo bando de Jorobado, que promove verdadeiro assédio ao lugar. Quando a morte parecia à espreita de todos, o exército surge em auxílio. Passado o susto, mais uma preocupação: os indígenas sobreviventes fugiram levando o jovem Tommy, como forma de vingança.
Nosso ranger parte em seu resgate, enfrentando todo tipo de adversidade, num verdadeiro exercício de resistência física e mental. O duelo final com Jorobado se aproxima… E quem sairá vencedor?
Ao longo de pouco mais de 100 páginas, a dupla Nizzi/Ortiz apresenta uma verdadeira saga que retrata o tradicional conflito entre brancos e índios que povoa o imaginário sobre o Velho Oeste e a imposição da força à base de bala. Um thriller com longas sequências de ação que parecem criar vida e saltar das páginas.
Hermínia (editora Mino, 88 páginas, preço sugerido R$ 44,00): Uma história de amor durante o apocalipse ou uma breve jornada de conhecimento dos corpos. “Hermínia”, de Diego Sanchez e publicado pela editora Mino, segue o espírito de suas obras e costura um traço particular com roteiro minimalista, marcado por diálogos de rara sensibilidade, que rendem personalidade aos personagens num universo narrativo que poucas explicações oferece ao leitor.
Neste trabalho, Sanchez nos apresenta um mundo onde uma misteriosa névoa surge e a tudo abraça, aparentemente causando o desaparecimento das pessoas ou alguma forma de transformação. Nesse cenário, Hermínia encontra Arcádio, e com ele trava um (des)entendimento físico e emocional, guiado pelas conversas dispersas do casal, que partem numa fuga calculada para o interior. O sexo é uma força matriz que os alinha em meio a todo desarranjo de perspectivas e jeito de ser, num estranhamento subliminar sugerido no olhar opaco de Arcádio, nos desejos ocultos de Hermínia.
A narrativa transcende com o uso simbólico da névoa e o grafismo exemplar das páginas finais, cabendo ao leitor decifrar as peças que marcam o destino do insólito casal. Convite instigante para quem se atreve as vasculhar os sinais deixados no ar.
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