A nova minissérie da Netflix “O Gambito da Rainha”, retrata como uma garota prodígio se tornou o topo do mundo jogando xadrez. Um dos trabalhos mais incríveis da TV/Cinema/Streaming de 2020.
Antes de escrever esta resenha, precisei pesquisar um pouco como se joga xadrez e pesquisar alguns nomes citados durante a minissérie. Já que a dislexia foi uma inimiga implacável em relação a isso e nunca aprendi ou consegui jogar corretamente na infância ou na juventude. Ainda assim, aprendi o suficiente para conseguir chegar perto do que estava pensando em escrever. Espero que gostem do que vem daqui para frente.
Jogadores de xadrez não gostam ou sentem pavor quando é lançado um filme/série que contém esse jogo. A explicação fica bem óbvia para esse seleto grupo de humanos incríveis, a maioria das coisas que assistimos que tem xadrez foram mostradas, em termos técnicos, totalmente equivocadas.
Nenhum detalhe escapa dos olhos atentos dos jogadores, sejam as cores dos quadrados, ou as cores dos reis e rainhas. A boa notícia é que não só o xadrez é soberbamente renderizado, com uma ampla variedade de posições e situações de nível de grande mestre, como a história e a produção de “O Gambito da Rainha” são excepcionais em todos os níveis. Simplificando: este é facilmente o melhor filme ou série de xadrez que já feito até aqui.
A história se passa na década de 1960 e conta a história da recém-órfã Beth Harmon, que aos nove anos vai morar em um orfanato feminino dirigido por um grupo cristão de valores rígidos. Esses valores não excluem a administração de tranquilizantes a seus inquilinos para “controle do humor”, com filas de meninas recebendo seus comprimidos em pequenos copos de papel, como um instituto psiquiátrico.
Nossa jovem protagonista é apresentada ao jogo pelo zelador residente do instituto, faz-tudo e aficionado por xadrez, que é visto jogando no porão quando está com tempo livre. A figura mesquinha, claramente cansada do fluxo constante de garotas problemáticas no local, é altamente reticente em aceitar Beth como aluna, mas sua persistência e talento natural vencem e assim começa a ascensão da prodigio.
Embora Beth brilhe como um super talento, ela também é uma personagem profundamente imperfeita cujo único consolo está em duas coisas: sua paixão pelo xadrez e seu vício por tranquilizantes. É essa dualidade e luta entre sua autodestrutividade e habilidade natural que a define tanto quanto o mundo em que vive, um mundo que a vê como uma jogadora de xadrez com ênfase apenas porque é uma menina. Mesmo uma jornalista que a entrevistou para a revista Life mostra uma incapacidade de ver além disso e sugere que o jogo “menos competitivo” de bridge pode se adequar melhor ao seu gênero.
Não há dúvida de que tudo se resume a Beth Harmon em “O Gambito da Rainha”. Embora o xadrez possa ser suficiente para os fãs de xadrez, certamente não será suficiente para o público mais amplo, e é aí que reside parte da grandeza desta série. A caracterização de Anya Taylor-Joy é um tour de force e deve realmente fazer maravilhas para sua carreira.
Taylor-Joy assume a personagem principal quando Beth entra em sua adolescência, e vemos a evolução da inabilidade social e juventude da garota não apenas por mudanças sutis em seu cabelo, mas também em sua linguagem corporal, maneira de andar e se apresentar, tudo enquanto fazia malabarismos com a raiva reprimida e a solidão de sua existência.
Essa solidão é enfatizada pelo trabalho de câmera muito inteligente. Em uma cena durante sua primeira visita a Paris na década de 1960, nós a vemos chegar a uma mesa com um tabuleiro de xadrez disposto em um salão que exala elegância e beleza. Ela hesita e depois se senta para revisar um jogo ou posição. A câmera está bem próxima neste estágio, transmitindo uma impressão de intimidade.
Então o ângulo se amplia e a câmera se afasta, e vemos o grande salão cheio de mesas, pranchas, assentos e sofisticação do Velho Mundo, com aquela alma solitária, alheia à beleza e ao vazio que a cercava.
A cinematografia não é menos impressionante, com muitas imagens cuidadosamente compostas que não ficariam fora de lugar em uma galeria.Cada cena é uma obra de arte. A paleta de cores também impressiona. A maioria dos filmes se concentra em uma escolha muito clara e restrita de tons e cores, e mesmo a minissérie anterior do escritor / diretor “Godless” (altamente recomendado) não foi exceção. Os colaboradores de Scott Frank, o diretor, ampliaram isso para variar de tons suaves e azuis escuros, como a cena da jovem Beth olhando para o teto, aos tons pastéis quentes típicos de fotos dos anos 60, para finalmente chegar aos contrastes nítidos nos jogos finais disputados na União Soviética.
Embora já tenha sido discutido em muitos outros lugares, canais e resenhas que li pela internet, não se pode deixar de trazer à tona a questão do xadrez em si. Claramente, muito dinheiro e esforços foram gastos para garantir que isso não fosse um ponto fraco em toda a obra e que valer cada centavo e tempo de quem estava ou estiver assistindo.
Anya Taylor-Joy e Thomas Brodie-Sangster, por exemplo, foram treinados e coreografados pelos consultores de xadrez Bruce Pandolfini e Garry Kasparov.Apenas.
A minissérie é baseada no romance homônimo de 1983, de Walter Tevis. Walter Tevis é disputado a tapa para que suas obras sejam adaptadas. Seus dois trabalhos mais famosos adaptados para o cinema são Desafio à Corrupção “The Hustler” e “The Color of Money”, ambos estrelados por Paul Newman. Não deveria ser surpresa que a minissérie se expandiu generosamente no material original, embora permanecendo bastante fiel à própria história.
A recepção geral tem sido muito positiva, não apenas no mundo do xadrez, onde as mídias sociais e os meios de comunicação o descrevem como “xadrez bem feito”, mas também para o público em geral e os críticos. O Metacritic, um amálgama de resenhas dos críticos, tem uma média muito alta de 79/100, enquanto o IMDB, tem uma pontuação estelar de 89/100 até o momento.
Um dos trabalhos mais notáveis da Netflix de todos os tempos e um dos melhores que já assisti na vida. Uma obra prima que todos deveriam assistir pelo menos uma vez por ano para entender como se faz cinema e TV.
O meu amigo Henrique Barros me ajudou na revisão do texto.
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