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Resenha: O Quinto Beatle em Preto e Branco: Silêncio, Amor e Nanquim

Por que a HQ sobre o 'Quinto Beatle' não é sobre os Beatles — e ainda bem.

"Baby's in Black"
Reprodução

Lançar uma HQ com o subtítulo “O Quinto Beatle” é, para qualquer autor, um ato de coragem ou de ingenuidade. O panteão de candidatos ao posto é vasto e já rendeu debates infindáveis: o empresário Brian Epstein, o produtor George Martin, o baterista Pete Best… A prateleira já está cheia. Por isso, quando peguei “Baby’s in Black”, do alemão Arne Bellstorf, meu ceticismo de resenhista estava no volume máximo. Felizmente, fui surpreendido.

Primeiro, um aviso aos navegantes beatlemaníacos: se você procura uma biografia dos Fab Four, com a energia do Cavern Club e o “Yeah, Yeah, Yeah” da fama explosiva, guarde seu dinheiro. Esta não é essa história. Bellstorf, de forma muito inteligente, evita competir com a lenda. Em vez disso, ele usa a banda como a trilha sonora de fundo para a verdadeira narrativa: a trágica e pungente história de amor entre Astrid Kirchherr, a fotógrafa existencialista de Hamburgo, e Stuart Sutcliffe, o pintor talentoso que, por um breve e intenso período, foi o baixista dos Beatles.

"Baby's in Black"

A genialidade do roteiro de Bellstorf está na sua contenção. A história não é contada através de grandes feitos ou diálogos expositivos, mas nos espaços entre as notas. É uma narrativa sobre atmosfera. Sentimos o cheiro de cerveja e cigarro dos porões de Hamburgo, a umidade das ruas, o choque cultural entre os jovens “rockers” britânicos e os “exis” alemães, com suas roupas de couro e cabelos impecáveis.

O foco absoluto em Astrid e Stuart marginaliza deliberadamente John, Paul e George. Eles estão lá, são importantes para a trama, mas são coadjuvantes na ópera particular de seus amigos. Bellstorf nos mostra que, enquanto o embrião da maior banda do mundo se formava no barulho e na fúria dos palcos, uma história muito mais íntima e, em última análise, universal, se desenrolava nas sombras: a de dois jovens artistas se descobrindo e se apaixonando, cientes de que o talento de Stuart para a pintura poderia ser maior que seu amor pelo baixo.

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A escolha de Bellstorf por uma arte minimalista em preto e branco não é preguiça ou limitação; é uma declaração de intenção. Seu traço é pesado, quase xilográfico, com um domínio magistral do nanquim para criar contrastes duros e silhuetas expressivas. Não há tons de cinza. É a luz crua do palco ou a escuridão total do beco.

"Baby's in Black"

Essa abordagem visual funciona em múltiplos níveis. Primeiro, ela captura perfeitamente o visual icônico que a própria Astrid Kirchherr criou para a banda com suas fotografias em P&B de alto contraste. Segundo, a simplicidade dos rostos força o leitor a projetar as emoções, tornando a experiência mais imersiva e pessoal. Terceiro, e mais importante, a arte reflete o tom da história: uma memória agridoce, um romance jovem que já nasce com a sombra da tragédia no horizonte. A ausência de cores é a ausência de um futuro que nunca chegou.

“Baby’s in Black” é uma obra de arte sobre a arte, sobre o amor e sobre a perda. É uma graphic novel adulta, melancólica e profundamente tocante. Seu único “defeito”, se é que podemos chamar assim, é que seu subtítulo pode atrair o leitor errado. O fã que busca a hagiografia dos Beatles pode se frustrar com o ritmo lento e a ausência de grandes momentos musicais.

No entanto, para o leitor de quadrinhos que aprecia uma narrativa gráfica bem construída e uma história com coração, a obra é um tesouro. Arne Bellstorf não nos entrega a história do quinto Beatle, mas sim a história de por que um dos potenciais Beatles escolheu outro caminho, guiado pela arte e pelo amor.

“Baby’s in Black” não é para quem quer ouvir a música dos Beatles, mas para quem tem a sensibilidade de escutar o seu silêncio. E, às vezes, o silêncio diz muito mais. Altamente recomendado.

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P.S. Eu li essa HQ num sábado esperando o tempo passar enquanto estava num estande de evento literário. Era para ser vendido por nós, mas eu roubei para mim, pois me apaixonei pela história e arte, espero que o Bernardo não leia essa resenha. Chora, Quinta Capa.

Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.