Os sinais estavam em todos os lugares, mas não consegui percebê-los. O primeiro foi a chegada de um querido amigo após prolongada estadia em Bolonha, na Itália. Pondo os assuntos em dia, tocamos na grande questão da atualidade, as fake news, e lhe ocorreu a lembrança de um famoso estudioso de semiótica que se ocupou do tema pouco antes de sua morte, em 2016.
Dias depois, fui abordado na padaria por dona Lúcia, a leitora mais dedicada desta modesta coluna literária. Elogiou as últimas matérias, disse conhecer Roth de vista e de chapéu, e pediu por mais textos sobre literatura italiana. “Você a aborda muito pouco”, talhou, sem esconder a admiração que nutre pela Velha Bota após assistir certo filme com Julia Roberts.
Mesmo assim não aludia à missão que o destino (e o além) me impunha. Foi preciso que as forças misteriosas envolvidas se manifestassem. Assim, chegava ao meu prédio quando o porteiro, a encarnação do medo em pessoa, me abordou sem rodeios:
– O senhor acredita em fantasmas?
Olhei-o de súbito, sem entender patavinas. Foi quando me colocou a par. Nas últimas noites, junto com as badaladas que marcam a virada dos dias, um fantasma se aproximava da portaria e parecia esperar por alguém por horas, imóvel na sua paciência. Embora incrédulo com o fenômeno, estava curioso acima de tudo; portanto decidi esperar a madrugada na sua companhia.
Anunciava o relógio as duas da manhã quando o vulto surgiu. A princípio indefinido, aos poucos foi assumindo a forma de um homem robusto, barbudo, com ares de bonachão. Aproximei-me cautelosamente, até ouvi-lo sussurrar:
– Sei il ragazzo che scrive di letteratura?
Não atinei de pronto, enferrujado que está meu italiano. Por isso, falei:
– Repete, faz favor.
– Sei il ragazzo che scrive di letteratura?
– Sì, sono io.
– Scusami… Voglio solo ricordare che il mio libro più famoso è stato ripubblicato. Ciao.
E assim, da mesma forma que surgiu, o fantasma desapareceu, como uma pena levada pelo vento noturno.
Você se pergunta, mas afinal, escriba, o que disse o fantasma? Esqueces que nem todos são poliglotas? Ora, a questão de fundo é simples: Umberto Eco veio me pedir para falar que seu romance mais famoso, O Nome da Rosa, lançado originalmente em 1980 e levado aos cinemas anos depois, com Sean Connery no papel principal e direção de Jean-Jacques Annaud, está saindo em edição luxuosa pela Record.
Com lançamento programado para dezembro, o livro chega em capa dura, com tradução revisada pela consagrada tradutora Ivone Benedetti, contendo uma atualização da biografia de Umberto Eco, uma nota de revisão e um glossário com a tradução dos termos em latim utilizados pelo autor. São 592 páginas pelo preço de R$ 104,90.
Para os incautos que ignoram a trama, aqui vai a sinopse: Durante a última semana de novembro de 1327, em um mosteiro franciscano italiano, paira a suspeita de que os monges estejam cometendo heresias. O frei Guilherme de Baskerville é, então, enviado para investigar o caso, mas tem sua missão interrompida por excêntricos assassinatos. A morte, em circunstâncias insólitas, de sete monges em sete dias, conduz uma narrativa violenta, que atrai pelo humor, pela crueldade e pela sedução erótica. Não apenas uma história de investigação criminal, O nome da rosa, sucesso mundial desde sua publicação original, em 1980, é também uma extraordinária crônica sobre a Idade Média.
Pronto, caro amico Eco. Os leitores brasileiros estão avisados da nova oportunidade de ler uma das obras fundamentais do cânone literário ocidental do século XX, apresentado com a grandeza digna de teu nome.
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