No terceiro e último volume do spin off de Liga Extraordinária, Nemo – Rio de Espíritos, Alan Moore apresenta uma trama mais devagar do que a do número anterior e menos interessante, sendo uma despedida melancólica para uma personagem tão fascinante como a filha do capitão Nemo.
Vamos ser diretos. Alan Moore é um dos maiores escritores de quadrinhos de todos os tempos. Alguns o consideram até mesmo o maior roteirista da nona arte. Sua fama é devido a trabalhos que mudaram a indústria das hqs, como Watchmen, Monstro do Pântano e Miracleman.
Sua paixão pelos detalhes e pela diversas fontes literárias que o inspiram podem ser melhor percebida no seu trabalho autoral Liga Extraordinária, que o inglês vem cuidando desde o final da década de 1990.
Porém, se a proposta inicial era juntar personagens da Era Vitoriana para compor uma grande história, Moore não se limitou apenas a isso, expandindo para a literatura e a cultura pop em geral em suas continuações e spin offs.
Como dito na crítica do volume anterior a esse, Nemo: As Rosas de Berlim:
“Mas Moore, hábil como é, não se limitou a ficar replicando a mesma fórmula de unir sempre a primeira Liga Extraordinária para combater algum mal em um período específico. O escritor decidiu seguir com alguns dos seus personagens e transpor as referências da Era Vitoriana, entrando no mundo da cultura pop e tratando do século XX. Foi dessa forma que Moore criou a trilogia do século (passando-se em 03 momentos, 1910, 1969 e 2009) e misturou história real com personagens do cinema, dos quadrinhos e da literatura. Foram dessas histórias que surgiram, mais precisamente em Liga Extraordinária 1910, a personagem Janni Dakkar, a filha do Capitão Nemo. E é com essa personagem que acompanhamos uma viagem pela Segunda Guerra Mundial no cenário criado por Moore na segunda parte da trilogia de Nemo.“
É assim que chegamos ao terceiro e último volume estrelado por essa fascinante personagem que apareceu pela primeira vez em Liga Extraordinária 1910, porém, infelizmente, não é tão bom como os volumes anteriores e não faz jus ao gênio de Moore.
Não me entenda mal. A história não é ruim ou mal contada. Ela apenas é lenta e desinteressante, cheia de referências (marca da saga) e vazia de emoções, tornando-se uma leitura fria, como os fantasmas que acompanham a personagem principal. Tudo isso fechado com um climax decepcionante.
Encontramos uma Capitã Nemo (Janni Dakkar) já idosa, com um império, uma filha e um neto. Atormentada por fantasmas do seu passado, entre eles, seu pai, Nemo ainda vive com uma obsessão: encontrar a rainha Ayesha, sua rival desde o primeiro volume (Coração de Gelo), que acreditávamos que tinha sito decapitada no volume anterior (As Rosas de Berlim).
Com todos contra sua decisão de seguir uma pista que leva à sua inimiga, Nemo ainda é uma figura impositiva, fazendo com que sigam suas ordens, ordenando que irão ao encontro de Ayesha em uma viagem que passará pelo rio Amazonas.
A ideia de acompanharmos Nemo em seus momentos finais é boa. A execução que é ruim. Moore falha ao criarmos empatia com Nemo e seus fantasmas, que só tem uma função na história, que é encarar a idosa personagem. Não cria o interesse necessário pela história de seu neto e futuro sucessor e dá um destino batido à Nemo, terminando tudo em uma explosão.
Nem os vilões da trama são interessantes, além do desenvolvimento lento da trama, por mais que a ideia de robôs sexuais seja visualmente uma festa para o desenhista Kevin O’Neill e a ideia dos clones de Adenoid Hykel (o personagem criado por Chaplin para satirizar o abominável ditador alemão Hitler) seja boa, mas porcamente desenvolvida.
Até Ayesha, principal objetivo de Nemo, passa quase em branco pela história toda.
O único personagem que parece bem a vontade é Hugo Coghlan (ou Hugo Hércules, personagem criado em 1902). Sempre em destaque e bem humorado, ele rouba a cena quando aparece.
Porém, até mesmo a presença dele é outro fator de preocupação que não tínhamos nos dois volumes anteriores.
Enquanto o primeiro volume (Coração de Gelo) se ocupava de trazer elementos inspirados em H.P. Lovecraft e o segundo (As Rosas de Berlim) era bem caracterizado pelo expressionismo alemão e a Segunda Guerra Mundial, em Nemo – Rio de Espíritos, temos uma trama cheia de difíceis referências, como o próprio Hugo Coghlan é, fazendo com que o leitor não saiba muito bem o que Moore quer contar.
De citações rápidas a vilões de 007, passando por vermos a tribo de o Monstro da Lagoa Negra, as inspirações do mago inglês se tornam bem mais ocultas aqui, precisando que o leitor saiba bastante informação prévia para apreciar o volume da Devir.
Para aqueles mais aficionados, aqui vai um link em inglês que mostra cada referência.
Quando aos desenhos, Kevin O’Neill está bem solto, com seu traço ao estilo cartoon e exagerado, não economizando ao trazer para o leitor páginas inteiras com um desenho só e poucos quadros ao lado.
Sai de cena o expressionismo alemão de As Rosas de Berlim e entram dinossauros, monstros do pântano e robôs sensuais. É daquelas trabalhos artísticos que o leitor pode até não gostar, mas passará vários momentos apreciando cada detalhe dos quadros.
A edição da editora Devir manteve o mesmo padrão da passada, ou seja:
“A edição da Devir é muito simples, não contando com um editorial que contextualize a obra. Se possível, pegue para ler a trilogia do século da Liga Extraordinária (também lançada pela Devir e que junta em um só volume as histórias de 1910, 1969 e 2009), onde há uma linha narrativa contando tudo o que aconteceu nos séculos XIX e XX com os personagens trabalhados por Moore”.
Enfim, nada de novo no trabalho editorial, faltando um belo glossário com todas as referências contidas aqui, sendo apenas uma edição protocolar.
Infelizmente, Alan Moore não mantém o padrão que o peso do seu nome tem, fechando a trilogia da filha do Capitão Nemo de forma deveras sem graça, com pouco desenvolvimento dos personagens e em uma trama lenta e cheia de difíceis referências. A arte de O’Neill está tão ou mais exagerada do que nos volumes passados e merece bons momentos passando lentamente as páginas. Tudo isso em uma edição simples pela editora Devir.
Vamos torcer para que a editora lance um encadernado com as três partes da saga de Janni Dakkar e encha de extras, já que é o que merece uma história proveniente de Liga Extraordinária, criada por um dos maiores escritores de todos os tempos.
Ficha Técnica:
- Capa dura, com 64 páginas
- Editora Devir
- Lançamento em março de 2019
- Preço de capa: R$ 58,00
- Tamanho: 27,6 x 20,8 x 1 cm
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