The Outsider não é uma série policial que usa o terror como muleta para mostrar como o sobrenatural é envolvido no assassinato de uma criança. A série da HBO é um drama pesado, mostrando os efeitos de uma morte na vida de várias pessoas e como a investigação vai se deparar com o inexplicável, adaptando muito bem mais uma história de Stephen King.
O texto abaixo contém spoilers.
Frank Peterson é morto. Seu corpo é encontrado com sinais de mutilação, como se tivesse sido devorado. Testemunhas, exames de DNA e indícios apontam que o autor do crime é Terry Maitland (Jason Bateman), professor muito querido da cidadezinha de Cherokee, no estado da Georgia, nos Estados Unidos.
Com o conjunto probatório, o detetive Ralph Anderson (Ben Mendelsohn) não tem dúvidas. Solicita a prisão, fazendo com que seja na frente de toda a cidade, enquanto Terry Maitland estava como treinador do time de basebol em um grande jogo do colégio.
A comoção é enorme. A condenação é certa, já que existem filmagens de Terry Maitland coberto de sangue e trocando de roupa.
Mas, e se não foi Terry Maitland? Surgem imagens verídicas do mesmo em um evento a 100 km do assassinato na mesma hora do crime! Podem existir duas pessoas com mesmo material genético, mesma face e digitais? E se a polícia de Cherokee se deparou com um caso inexplicável, condenando um inocente, mesmo com as provas dizendo que não? E se for algo que fuja a lógica, sendo um fenômeno paranormal?
E esse é apenas um resumo do primeiro episódio de The Outsider, série da HBO que estreou em janeiro de 2020 no mundo, adaptando um conto do mestre do terror Stephen King.
Nos dois primeiros episódios da série, que são dirigidos pelo próprio Bateman, que também é produtor aqui, o foco é a investigação e as consequências desse crime bárbaro. A tensão é palpável com o surgimento das evidências da culpa de Terry Maitland. Porém, o expectador já sabe que essa é uma série baseada na obra do mestre do terror Stephen King, então, o sobrenatural e o diferente se farão presentes na narrativa.
Porém, se quem assiste The Outsider pensa que essa série é uma obra de terror, esqueça. O foco aqui é o drama e os efeitos que esse caso sobrenatural trazem aos envolvidos.
Não que não haja momentos de sustos e apreensão. Porém, o “monstro” e seus atos são menores do que o sofrimento que ele causa, pois, matar é o alimento dele, mas o sofrimento dos sobreviventes é sua sobremesa.
Os momentos de sofrimento da família das vítimas são cruéis a um ponto que faria qualquer monstro de ficção emudecer. A destruição da família de Terry Maitland é gradual ao longo da série. O próprio detetive vivido por Ben Mendelsohn, que está em uma atuação tão boa quanto na primeira temporada de Bloodline, na Netflix, tem seus dramas para encarar, como o fato do assassinato ter mexido com uma criança, sendo que ele perdeu seu filho para o câncer e, até ali, não ter conseguido superar o trauma.
Tudo segue no caminho do inexplicável, até a investigadora Holly Gibney (Cynthia Erivo) ser contratada. A personagem, que é um dos destaques da trama, vai montar o quebra-cabeça e revelar quem é El Cuco, o ser que toma a forma e controla pessoas nas quais ele tem contato (um arranhão, por exemplo).
E é aqui que o título dessa matéria faz sentido, pois El Cuco não é Pennywise, que usa a figura de um palhaço e do medo para devorar suas vítimas. Não, El Cuco é um ser que usa do controle e do sofrimento para se alimentar, ficando por perto após um assassinato para que possa sorver a dor das mortes das crianças e o efeito sobre as famílias.
E esse sofrimento causado pelas ações de El Cuco, além da investigação que leva ao paradeiro do monstro, é o ponto alto de The Outsider, já que os sentimentos dos personagens fazem o seu elenco afiadíssimo brilhar.
A série tem seus defeitos? Sim, em especial, seu ritmo. Poderia ter uns 2 episódios a menos dos 10 lançados. Mas o ritmo lento é compensado pelos atores em tela. De Bateman, passando por Mendelsohn e Erivo, os conflitos estão estampados nos rostos de todos. Suas dores e seus conflitos lógicos, tudo sendo cozinhado para que, no momento final, haja o catarse.
O fim da série é tão emblemático que Mendelsohn e Erivo terão que descer à uma caverna para encarar El Cuco. Ou seja, a razão (Mendelsohn) e a crença (Erivo) descerão às profundezas para encarar o monstro que se alimenta de sofrimento. Não há nada mais apoteótico do que isso.
A série da HBO fez um ótimo trabalho ao adaptar o texto de Stephen King. The Outsider transpira elementos que o mestre do terror está acostumado a usar em suas obras. Bom desenvolvimento de personagens, momentos de choque entre a realidade e o inexplicável, além de um monstro que se alimenta dos vivos, assombrando-os, como fez outra vez em obras como It-A Coisa.
Porém, mesmo com vários elementos das obras de King, a série não se perder em easter eggs desnecessários. Os leitores perceberão que Holly Gibney é uma iluminada, como foi Danny Torrance, em O Iluminado. Que El cuco é mais um dos monstros provenientes do caos do mundo, como era Pennywise e o Rei Rubro (A Torre Negra). Porém, The Outsider não tem o foco nesses elementos, só os percebendo quem acompanha os trabalhos de Stephen King, já que o cerne da série é o drama. Mas é gratificante perceber esses elementos em tela.
Com um problema de ritmo, mas mantendo o foco no drama e nos efeitos que o sofrimento proveniente de uma morte causam aos seus personagens, e em seu elenco afiadíssimo, The Outsider da HBO é uma excelente adaptação do trabalho de Stephen King, tendo uma primeira temporada que não precisa de uma segunda, satisfazendo o expectador com uma trama instigante e muito bem produzida.
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