Dias atrás, um post de Fernando Costa, a mente por trás do perfil @hqbrasileiras, acendeu um pavio que há muito esperava uma faísca. Com a precisão de quem mapeia o nosso cenário diariamente, ele lançou a questão: por que, mesmo após furarem a bolha de forma impressionante, a grande imprensa mainstream e até mesmo os grandes canais de cultura nerd continuam ignorando o sucesso avassalador dos quadrinhos e mangás nacionais?
A pergunta de Fernando não era um lamento vago. Tinha nome, forma e endereço digital: o estopim era o sucesso de “Rei de Lata”, uma HQ digital de Jefferson Ferreira. Enquanto as redações se ocupam com a dança das cadeiras das celebridades e o próximo trailer de um blockbuster americano, uma obra de ação e fantasia, publicada gratuitamente na plataforma Tapas, acumula centena de milhares de visualizações. Um fenômeno de público, nascido e consolidado fora do sistema, movido pelo talento do autor e pela voracidade dos leitores.
O silêncio diante de um caso explícito como este é a prova cabal de que a “síndrome do vira-lata”, como bem apontou Fernando, sofreu uma mutação. Não se trata mais da crença de que “o de fora é melhor”, mas de uma condição mais perversa: a de que “o nosso só tem valor quando um estrangeiro nos dá permissão para celebrar.”
O sucesso de “Rei de Lata” não foi validado por um prêmio em Angoulême ou um selo da Image Comics. Sua validação veio do público, de forma direta, massiva e digital. E é precisamente essa validação popular, sem a chancela externa, que o sistema se recusa a enxergar. É mais fácil e seguro para um portal repercutir o prêmio de um brasileiro no exterior – um fato que não exige análise crítica, apenas aplausos protocolares – do que fazer o trabalho jornalístico de investigar por que um artista brasileiro está construindo um império de leitores com seus próprios pixels.
Este caso expõe a inércia e a obsolescência de um modelo de mídia. A recusa em cobrir “Rei de Lata” não é apenas um descaso cultural, é uma falha de mercado. É a incapacidade de ver que o ecossistema mudou, que o sucesso agora pode florescer à margem dos grandes conglomerados, nutrido diretamente pela relação entre criador e comunidade. Admitir o sucesso de Jefferson Ferreira seria admitir a própria irrelevância como “gatekeeper”, como o velho porteiro que define quem pode ou não entrar na festa.
Cada visualizações de “Rei de Lata” é mais um litro de água se acumulando contra a velha represa da indiferença. Cada novo leitor conquistado, cada compartilhamento, cada comentário apaixonado é mais uma rachadura se abrindo no concreto do cinismo editorial. A virada, quando vier – e ela virá –, não será um convite educado. Será o rompimento. A pauta não será “sugerida”, será imposta pela força de um fenômeno que se tornou grande demais para caber debaixo do tapete.
A pergunta do Fernando Costa, portanto, ecoa e perde seu tom de lamento, adquirindo a firmeza de uma contagem regressiva. A cada novo recorde de um projeto nacional, a cada artista que, como Jefferson, constrói seu público na raça, a resposta fica mais clara. A questão não é mais “se”, mas “quando”. E o relógio está correndo.
Por quanto tempo mais eles conseguirão, de fato, nos ignorar?














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