Não deixe de conferir nosso Podcast!

Crítica | A extraordinária e intensa minissérie La Casa de Papel

A Netflix vem dando para os fãs de séries é a oportunidade de acesso a produções fora do eixo USA-UK sem adaptações. Dark foi só o começo. Produção do canal Antena 3 da Espanha, La Casa de Papel foi uma minissérie espanhola que estreou no início de 2017 por lá e agora conquista o mundo graças aos pulsos do streaming internacional. Não, esta não é uma original da Netflix, registre-se.
Quem nunca fantasiou com a ideia de imprimir ilimitadamente seu próprio dinheiro quando descobriu o conceito de Casa da Moeda? A história de La Casa de Papel é absurda desde a sua concepção, exatamente por esse motivo: um grupo de delinquentes vestidos com máscaras de Salvador Dalí são liderados por um sujeito chamado “o Professor” que organizou, durante anos, um plano mirabolante para tomar a fábrica de dinheiro espanhola e produzir bilhões de Euros.
La Casa de Papel é uma minisérie em duas partes extraordinária e que faz você querer até aprender espanhol só pra sair dizendo Folla, Salva, Rehenes, Cojones e muito mais. É intensa, envolvente e eloquente desde o primeiro episódio em que vemos a perseguida assaltante Tóquio (Úrsula Corberó, maravilhosa) sendo recrutada pelo idealista organizador do maior assalto da história do mundo e se juntar a uma trupe de tipos, digamos, interessantes.
E de megalomaníaca, La Casa de Papel tem tudo e sua narrativa não faz o menor sentido. Isso, contudo, não é nenhum problema, como veremos.
A suspensão da descrença é um fenômeno necessário para a conexão humana com filmes, quadrinhos, peças de teatro e séries desde o início da cultura e isso não é novidade. O que difere uma boa produção das medíocres é aquela que consegue atingir o espectador A DESPEITO do que sua trama mirabolante sugere. Exemplos disso temos aos montes.
Você acha que Neo é o salvador do mundo na Matrix? Que Jack e Kate precisavam voltar à ilha? Ou que alguém tão incompetente como Michael Scott seria o gerente de uma empresa? Não importa. O que importa é a conexão com os personagens e El Professor(Álvaro Morte), Raquel Murillo (Itzar Ituño), Berlin (Pedro Alonso), Nairobi (Alba Flores), Rio (Miguel Herrán), Denver (Jaime Lorrente), Moscou (Paco Tous) garantem isso.

La Casa de Papel se ancora em excelentes e cativantes personagens para se tornar uma minissérie excelente, apesar do roteiro LOTADO de falhas, quebrando barreiras linguísticas e temáticas e estabelecendo uma conexão profunda com o espectador. Isso acontece justamente por que ela conta uma história sobre oprimidos que resolvem rebelar contra o sistema vigente.
Há que se fazer inúmeras concessões para acompanhar esta produção. Lembra quando, em Prison Break, os agentes penitenciários estavam pra abrir uma porta e encontrar Michael Scofield ou um dos Fox River 8, mas a montagem malandramente indicava que aquilo não estava ocorrendo em tempo real? Pois bem, este drama pega esse conceito e eleva à enésima potência, rindo na cara dos limites.
Limites? “Kkkkkk limites”: , diz La Casa de Papel em todos os episódios.
Semana após semana (para os espanhóis) e episódio por episódio (para nós assinantes da Netflix) acompanhamos esse grupo de assaltantes da Casa da Moeda driblarem a lógica narrativa na missão de imprimir seus Euros enquanto a polícia (e a pior inspetora da história) assiste inerte e impotente, graças às artimanhas do infalível Professor, que pensou em tudo. Bem, em quase tudo.
O fator imprevisível numa obra sobre “assalto a banco” é essencial e aqui eles bebem o improvável direto na fonte. Todos: os “bandidos”, os “herois” (sim, as aspas são propositais), os reféns e os colaterais são fundamentais para essa história e La Casa de Papel se preocupa com o desenvolvimento de cada um, fazendo com que nos importemos com cada um.
Ouso dizer que aqui não há vilões. Você não torce incondicionalmente pelos bandidos, nem odeia totalmente a polícia. É um jogo de gato e rato em que ora estamos torcendo para o caçador e para a presa, pois o conceito de “caçador” e “presa” muda a cada instante, às vezes de forma deveras volátil e inverossímil.
Mas pra quem busca verossimilhança, La Casa de Papel é a série errada. Vá ver um jornal (embora ultimamente isso também não se aplique tanto). Pois é no absurdo de suas situações que essa produção é eficaz e plena, pois seus roteiristas e idealizadores (que rapidamente serão recrutados por canais norte-americanos ou britânicos) não têm o menor medo, inclusive medo do ridículo.
Há cenas, sequências e passagens que não fazem o menor sentido, mas isso não importa. Por vezes eu quis pausar a reprodução para comentar no Twitter, apenas para ver depois que eles estavam o tempo todo cientes da reação que queriam causar, pois logo em seguira veríamos uma reviravolta que explicava ou compensava certas suposições.

La Casa de Papel é, antes de tudo, uma série completamente ciente de que é absurda, o que muda completamente as regras do jogo.
Eu não quero dar spoilers, pois quando terminei a primeira parte disponível na Netflix (a 2ª metade da história poderá ser acompanhada a partir de 6 de abril por nós) só quis vir correr aqui pra escrever, além de pesquisar mais sobre esse elenco maravilhoso.
A produção é impecável tecnicamente e deixa no chão diversas produções milionárias. As locações e cenários são magníficos e o esmero da fotografia, decupagem, montagem e direção é digno de nota, assim como também de outros departamentos artísticos como o de casting, iluminação e até mesmo de seleção da trilha sonora, que homenageia ritmos latinos e ibéricos.
Há uma razão pelo qual, numa partida entre Brasil e Camarões na Copa do Mundo, a maior parte do público não brasileiro torce para a seleção africana: o ser-humano adora uma história de perseverança e superação, como diz o Professor em determinado momento. La Casa de Papel sabe disso.
A primeira parte, com 13 episódios, segue disponível na Netflix e é digna de uma maratona que vai extrair, riso, tensão, ódio e uma incontrolável vontade de sempre passar para o próximo, tamanho envolvimento que desenvolvemos com aquelas pessoas, dos mais centrais aos mais coadjuvantes.
Não é, e nem de longe, a melhor minissérie do mundo como muitos fazem questão de bradar para cada novo lançamento da Netflix. É uma ÓTIMA série, cujo roteiro está repleto de buracos, mas que funciona em todos os sentidos justamente por cativar o seu público entregando surpresas, reviravoltas e momentos emocionantes em meio a galhofas novelescas, pitorescas e muita (mais muita( “forçação de barra’.
Esse é o zeitgeist desse começo de ano, sim, mas é bom demais!

LEIA TAMBÉM:  Quentin Tarantino confirma Once Upon a Time in Hollywood como seu novo filme
Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.