Quando eu era muito jovem, lembro da minha primeira experiência com os quadrinhos da Marvel.
Meu primo tinha uma caixa de gibis antigos, principalmente do Conan e revistas da DC Comics, durante algum tempo essas duas linhas autorais foram minha fonte de lazer. Passado algum tempo, eu conheci a Marvel propriamente dita, já conhecia os heróis, mas para uma criança de menos de seis anos de idade, tudo faz parte do mesmo universo criativo. Enquanto a DC ou Conan você tinha ícones, a Marvel tinha e tem os personagens que parece mais com você, eles são mais vivos, você se importa mais com eles. As vezes a editora acerta em arcos incríveis que marcará sua vida para sempre, as vezes se passará anos até que algum autor molde o universo novamente. O que importa é que sempre houve uma sensação de que a Marvel soube construir uma base forte o suficiente para que pudessem experimentar, ousar, até mesmo se atrapalhar para encontrar uma maneira de fazer tudo funcionar.
Cobrir dez anos de filmes da Marvel tem sido um desafio e um prazer. Eu não sou mais um fã, eu acabei virando o que mais odeio: crítico de cinema. Sou antes da internet, onde Batman e Robin e Spawn eram a referência de filmes de heróis, até que chegamos aqui; um universo cinematográfico onde a Marvel cria seu infinito de variações. E ela entendeu como funciona essa mídia: você precisa amar o que está fazendo. Você não pode fazer isso porque é legal, ou porque está na moda, ou porque você acha que pode ser comercial. Se você ama, você respeita.
Superman ‘O Filme’ de Richard Donner, O Homem-Aranha de Sam Raimi, Batman de Tim Burton deram certo porque existia amor nessas produções. Do Homem de Ferro (2008) em diante, os filmes da Marvel Studios foram feitos com uma paixão genuína e profundamente baseada em seu material original. Ao longo de 18 filmes que fizeram até agora, tiveram bons filmes, filmes ruins e, ocasionalmente, grandes filmes, mas uma coisa tem sido verdadeira em todos os filmes que fizeram até agora: eles se importam com os personagens e a maneira como eles se encaixam neste mundo que construíram.
E o que é esse mundo? Qual é o peso acumulado de 18 filmes que construíram o que estamos vendo em Guerra Infinita? Porque o mundo que apresentaram no Homem de Ferro (2008), dirigido por Jon Favreau, era praticamente nosso. Tony Stark era um negociante de armas, um bilionário e um grande imbecil. Steve Rogers estava congelado no gelo em algum lugar, Bruce Banner já estava em fuga e a nação de Wakanda era um segredo, cuidadosamente guardado do mundo exterior. Hank Pym tinha feito algum trabalho secreto do governo também, então, claramente, houve algumas travessuras superpoderosas em algum momento, e tenho certeza de que aprenderemos ainda mais sobre esse passado no filme da Capitã Marvel ano que vem, grande parte do filme vai se passar nos anos 90. Muita coisa mudou no Universo Marvel desde então. Houve um vice-presidente preso por tentativa de homicídio, por exemplo, e a maior parte do braço militar foi revelado comprometido com a Hydra, incluindo a polícia secreta com os couraçados de batalhas voadores. Alienígenas saíram de um buraco no céu sobre Nova York e robôs assassinos tentaram destruir o mundo. Existem Deuses reais, evidentemente, e eles as vezes vem a Terra e bagunçam nosso cotidiano. Tem todos esses supercaras que lutam em entre si as vezes por algum motivo. Wakanda saiu do disfarce, reformulando radicalmente o caráter socioeconômico do mundo. Nos não vimos ainda a última parte, previstas para 2019, mas a Marvel estabeleceu um palco incrível para Vingadores: Guerra Infinita, e minha única pergunta verdadeira ao entrar no cinema foi: “Como eles irão reunir tudo isso de uma forma que funcione como um filme real?”
Pois eles conseguiram. Os desgraçados conseguiram perfeitamente.
Em primeiro lugar, este é o Império Contra-Ataca do Universo Cinematográfico Marvel. Se você trata tudo o que eles fizeram até agora como uma franquia gigante, então este é o capítulo onde todos os heróis foram movidos até culminar nesses acontecimentos. Tudo foi construído para isso, e eles de alguma forma ainda fazem isso parecer uma história, não um monte fan service jogado na frente de uma câmera. Isso não foi uma conclusão precipitada, e uma das coisas que eu estou curioso é como os fãs de quadrinhos de longa data reagirão ao filme versus pessoas cujo amor por esses personagens vem principalmente do cinema. Suspeito que serão reações muito diferentes a princípio, porque os fãs de longa data vão entrar nesse filme sentindo que já sabem mais do que verão. Esse não é o caso. Este filme não está muito preocupado com a adaptação de quaisquer visões anteriores sobre Thanos ou sua busca pelas joias do infinito e qualquer um que espere um encontro com a Morte irá para casa desapontado. Thanos e suas razões para matar metade do universo (ainda muito seu objetivo) foram reimaginados, e está claro que a única coisa que importa é o mundo que foi criado para o cinema. Essas versões dos personagens. Esses relacionamentos. Esta história, estabelecida na última década.
Você verá que os escritores e revisores uniram os nós desse ponto da trama. Ou eles estragariam a coisa toda ou afirmariam que precisavam fazer dessa forma. Por quê? O enredo não é o que importa aqui. Se dividir o essencial, você já conhece o enredo. Existe um cara mau. Ele quer fazer alguma coisa. Os heróis não querem que ele faça a coisa. Então, todos partem em direções diferentes para fazer as coisas pararem, e precisam correr contra o relógio para se unirem e salvar o dia. Esse é o enredo de todos os filmes como este, e provavelmente continuará a ser o enredo de todos os filmes de super-heróis. Vingadores: Guerra Infinita simplesmente faz isso em uma escala maior.
O que eu achei mais interessante foi como o filme conseguiu fazer com que a maioria de seus 19 milhões de personagens parecessem essenciais. Vingadores: Guerra Infinita faz um trabalho notável de malabarismo com todos os diferentes tons e personagens que a Marvel introduziu. Quando estamos no Sanctum de Doutor Estranho, parece que estamos no filme do Doutor Estranho. Quando chegamos ao espaço, parece que você está assistindo Guardiões da Galáxia. O material dentro de Wakanda tem sua própria sensação, seu próprio estilo. Os diretores Joe e Anthony Russo não fizeram um filme da Marvel que respeite os vários personagens. Eles também fizeram um filme da Marvel que presta homenagem aos cineastas que os trouxeram aqui. É mais do que um grande sucesso ou outro crossover. É um filme que finalmente recua o suficiente para que possamos vislumbrar todo o universo Marvel que foi criado, mesmo quando tudo está sendo testado.
2018 será lembrado como o ano em que a Marvel acertou o vilão. Primeiro houve Killmonger em Pantera Negra, lindamente escrito e magistralmente interpretado por Michael B. Jordan. O que tornou Killmonger tão provocativo foi o quão claramente ele defendeu sua raiva. Sua fúria era justificada, mesmo que suas ações não fossem. Aqui, Thanos, de Josh Brolin, surge como o cara mau mais completo que qualquer um dos heróis da Marvel teve que enfrentar, e fiquei surpreso com a rapidez com que a criação da captura de movimento de Thanos parou de parecer um efeito e começou a parecer uma performance. Brolin faz um papel cativante para o Titã Louco acreditando que matar metade do universo levará a outra metade a um paraíso onde eles não terão mais que lutar pela sobrevivência. Como a luta dele é justa, Thanos é tão motivado por sua própria bússola moral quanto os Vingadores, e é isso que o torna especialmente perigoso. Thanos não quer governar. Ele não quer poder por causa disso. Ele não está procurando por louvor ou adoração. O que ele quer é simplesmente redistribuir a riqueza do universo através de um ato de pura força bruta.
É estranho pensar que houve uma época em que interpretar um super-herói era uma tolice, quando todo o gênero era abordado com um bom grau de ceticismo. A lista de atores que estão dando ao filme tudo o que eles têm é impressionante: Robert Downey Jr, Chris Evans, Elizabeth Olsen, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Chris Pratt, Tom Hiddleston, Benedict Cumberbatch, Zoe Saldana, Chadwick Boseman, Tom Holland, Paul Bettany… neste ponto, é quase impossível fazer um filme e não ter algum tipo de sobreposição com alguém do Universo Marvel. Johansson é um exemplo disso. No filme há um rápido aceno de cabeça para resolver alguns dos enredos da história pendentes entre ela e Bruce Banner, do Ruffalo, mas o fim do mundo dificilmente parece ser o tempo para eles esclarecerem se estão ou não namorando. Não ter poderes é uma das coisas que me faz gostar da Viúva-Negra em geral nesta franquia, porque ela está se colocando em perigo sabendo muito bem que ela é a pessoa ‘mais comum’ no campo de batalha, todas as vezes. Ela há muito tempo se estabeleceu como leal, corajosa e capaz, mas de certa forma, sua normalidade é o que a impede em termos de ser valiosa para os Russos e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely.
Isso é especialmente verdadeiro aqui, porque Vingadores: Guerra Infinita é o filme de quadrinhos mais cômico que a Marvel já fez, e não é um filme com o qual eles poderiam deixar isso de lado. Eles tiveram que usar uma década desses filmes para educar lentamente o público mainstream sobre que tipos de coisas poderiam acontecer. Uma boa parte da diversão simplesmente vem de ver esses personagens todos finalmente se encontrando. Algumas dessas reuniões dá superbem. Outros decididamente ficaram forçados. Mas como conhecemos todos, todos os encontros parecem verdadeiros. A honestidade das reações também se estende à maneira como eles fragmentam os vários grupos em novas alianças. Na maior parte, faz sentido que os personagens acabem divididos do jeito que foram divididos. Funciona porque empurra heróis conhecidos para novos contextos e cria novas personagens contra os antigos, de uma forma que os faz parecer novos.
Como alguém que se apaixonou pelo Homem-Aranha todos esses anos atrás, e que ainda considera Peter Parker a perfeita criação da Marvel, fiquei muito feliz em ver o quão bem o Homem-Aranha é usado no filme, e quão bem Tom Holland incorpora o personagem. Ele continua a ser um contraste perfeito para Robert Downey Jr. Tony Stark, e estou impressionado com o quão bem eles pagam a história sobre o TEPT que Tony está enfrentando desde a Batalha de Nova York no filme original dos Vingadores. Afinal, Stark foi o nosso caminho para este novo universo do cinema, e faz sentido manter sua jornada emocional no centro do enredo. O filme também explora agilmente os laços entre os Guardiões da Galáxia e Thanos, e enquanto os Guardiões fornecem algumas das maiores risadas do filme, a história deles também dão alguns dos materiais mais difíceis e emocionais. Eu tenho um carinho especial e único pelos Guardiões, já que eles são os Brinquedos Quebrados do universo Marvel, a equipe que não deveria trabalhar de jeito nenhum, e parece que os Russos sabem o quanto o bem-estar emocional daquele time importa para nós como espectadores.
Uma das melhores grandes cenas de ação do filme chega nos 30 primeiros minutos em Nova York, mas cada cena aqui oferece uma riqueza de coisas para se emocionar e ficar impressionado. Vendo as várias combinações trabalhando juntas, vendo como elas tentam solucionar problemas através das sequências, fica claro que foi um trabalho duro para justificar a inclusão de todos os personagens. O tamanho da sequência final em Wakanda é grande demais para mensurar. Mesmo assim, o filme continua dando socos do tamanho de uma manopla gigantesca até o final dos créditos finais. O final não foi uma escolha convencional, nem será uma escolha popular. Mas é a escolha certa e é uma grande provocação para os fãs antigos e novos fãs da Marvel.
A Marvel ainda está se aquecendo e esticando as pernas. Construindo este mundo do jeito que eles querem, e trazendo à vida estes incríveis e profundos personagens, eles construíram o maior playground da cultura pop e Guerra Infinita é isso: A mudança da maré. 2019 será ainda maior que 2018, você tem ideia disso?
O filme possui apenas uma cena pós-créditos. Recomenda-se que os espectadores esperem até o final.
Vale quantos Beijus: 4.5
Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War) – EUA, 2018
Direção: Anthony e Joe Russo
Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFeely
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Chris Hemsworth, Benedict Cumberbatch, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Chadwick Boseman, Tom Holland, Benedict Wong, Don Cheadle, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Josh Brolin, Tom Hiddleston, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Letitia Wright, Danai Gurira, Winston Duke, Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Pom Klementieff, Karen Gillan, Bradley Cooper, Vin Diesel, Carrie Coon, Peter Dinklage, Terry Notary, Benicio del Toro, Gwyneth Paltrow, Stan Lee, William Hurt, Idris Elba
Duração: 149 min.
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