Adrian Tomine era um ilustre desconhecido para boa parte dos leitores brasileiros até a publicação de “Intrusos” pela editora Nemo. A obra chegou a reboque da fama de autor sofisticado, ganhador de vários prêmios Eisner e cujo nome circulava entre as principais referências do quadrinho “alternativo” americano (na falta de um rótulo melhor), junto a Chris Wire e Daniel Clowes, por exemplo. “Intrusos” amealhou variados elogios por aqui e abriu o mercado para mais títulos de Tomine no Brasil.
Assim, temos agora a oportunidade de conhecer “A Solidão de um Quadrinho sem Fim“, seu mais recente lançamento; trabalho de cunho autobiográfico que se propõe, com esmero e eficácia, a desnudar qualquer fantasia que temos do gênio por trás da arte sequencial.
Com um formato que emula um Sketchbook (caderno de desboços), apresenta em ordem cronológica diversas passagens da vida de Tomine, responsáveis não só por forjarem o artista como também por o encherem de traumas e paranoias. A grade fixa de seis quadros por página permite uma esquematização anedótica dos fatos, ou como sua a memória os evoca.
Entretanto, que fique claro caber ao leitor a liberdade de enveredar por tais digressões analíticas: o quadrinhista aparenta unicamente relatar, em breves capítulos apresentados cronologicamente, as humilhações sofridas, os ataques de ansiedade e insegurança e os acontecimentos mais embaraçosos possíveis, tendo como gatilho a construção de sua carreira.
Assim, o vemos em sua tenra idade, sendo apresentado para sua turma nova pela professora, que o instiga a falar de seus hobbies. Mal suspeitava que a declarada paixão pelos quadrinhos o tornaria alvo de toda sorte de piadas e perseguições dos colegas (o famoso “bullying“).
O cipoal de lamentações e escrutínios da miséria diária em que se encontra (como a ambição artística que esbarra na falta de compreensão ou conhecimento do mundo a sua volta) é extenso e deliciosamente escancarado com doses de inaudito humor ácido, ainda que autoindulgente em alguns momentos.
Afinal, interação humana, logo percebemos, não é o forte de Adrian, e sua relação truncada seja com o público, com as mulheres, ou mesmo com outros artistas é esmiuçada nos episódios retratados. Quando percebemos, estamos enveredados no desejo de espiar e rir com pena dessa existência que antes nos chegava apenas como um nome na capa de uma publicação densa e “adulta”.
A epifania final, nascida de uma experiência-limite, transpira aceitação e complacência, completando um ciclo de alguém que vivia de quadrinhos e para os quadrinhos. Vemos uma vida passada a limpo, buscando entender-se melhor e aceitar as coisas como elas são. A melhor lição que um quadrinho poderia passar.
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