Devir acaba de anunciar um quadrinho do qual gosto muito chamado Estranhos no Paraíso. Há décadas o título merece ser lançado corretamente no Brasil, já que os trabalhos anteriores, apesar de bem intencionados, infelizmente, não encontraram longevidade.
Pois bem! Vem a Devir e, para nossa alegria, promete lançar TUDO em seis volumes (lá vem o golpe), cada edição custando a “bagatela” de R$105 (cento e cinco reais!). Segue a sinopse oficial no site da editora:
“Uma das histórias em quadrinhos independentes mais aclamadas da década de 90 está de volta, numa belíssima edição de luxo, tão atual e comovente agora no século XXI, quanto foi no passado. Vencedora do prêmio Eisner de melhor história seriada na sua estreia, Estranhos no Paraíso, tem uma legião de fãs ardorosos mundo afora e volta, finalmente, a ser publicada no Brasil. A Devir publicará a série completa em seis volumes de luxo. QUADRINHOS. Formato: 17 x 26cm, 224* páginas PB, capa dura, lombada quadrada”
Parabéns, Devir! Aparentemente, você conseguiu fazer pior que o Escalpo da Panini (18.5 x 27.5cm, 296 páginas por R$120).
Muitos vão dizer que é injusto fazer esse tipo de comparação: “são títulos diferentes, de editoras diferentes, os custos editorias são outros blá-blá-blá, mi-mi-mi”. No final, o que importa são nossos bolsos. Estamos falando de um título de 224 páginas, em preto e branco, por R$105.
Os dias estão obscuros para os colecionadores de quadrinhos, que estão virando cada vez mais caçadores de descontos on line. Pagar o título de capa dos gibis (que deveria ser o comum) está virando prática irreal e insensata. Cada vez fica mais óbvio a necessidade de criar um preço alto injustificável para contrabalancear os 30% de desconto que você conseguiria na Amazon, ou similar. Nesse esquema, Estranhos no Paraíso custaria uns R$73,5. Um preço justo. Como livreiro, já ouvi bastante clientes dizendo “não vou pegar esse agora. Vou esperar o desconto da Amazon”. Eu entendo! Porque, repito, R$73,5 por um gibi capa dura, 224 páginas, p&b, É um preço justo. R$105, não.
Recentemente, em um evento literário aqui em Teresina, levei minha livraria e estava lá no meu estande. Tentei me livrar dos encadernados de Escalpo que adquiri na distribuidora. Normalmente, compro com 30% de desconto no preço de capa, ou seja, paguei R$84 pelo quadrinho que custa R$120. Risquei uma promoção com marcador na capa do produto: “de R$120 por R$100”. Eu ganharia apenas R$16 naquela venda e provavelmente parcelaria em 2 ou 3x (perdendo uns bons 4% para o cartão) e ainda precisaria pagar os custos do estande e meu almoço. Uma cliente pegou a Escalpo. Meu coração bateu forte. Ela ficou curiosa com o gibi. Uma gota de suor desceu pela minha fronte. Ela viu a promoção que escrevi na capa… Ela sorriu de deboche, acenou negativamente com a cabeça e colocou o produto de volta na prateleira. Essa é a realidade editorial brasileira, não importa os argumentos dos editores ou de seus defensores.
O preço ideal para uma edição como Escalpo é justamente os R$84 que eu paguei nela, mas não posso vender por esse preço, senão eu não seria um capitalista dono de uma empresa e estaria fazendo caridade, oferecendo meus serviços de livreiro gratuitamente.
Passeando pelo facebook, certo dia, vi uma pessoa defendendo a Mythos na “questão Dylan Dog”. Se você não sabe do que estou falando, vou tentar resumir: Dylan Dog é um título italiano que estava há anos sem ter nada publicado no Brasil. Três amigos fundam uma pequena editora chamada Lorentz e lançaram, provavelmente, as três melhores edições que o personagem já teve no Brasil, pelo preço de R$16 cada. A série da Lorentz é “descontinuada” e a Mythos retoma a publicação, mantendo o mesmo formato anterior, mas custando R$26,9. O mesmo título, o mesmo formato, que saiu de uma iniciativa pequena e independente e migrou para uma das maiores editoras do ramo no Brasil, com tiragem, recursos e distribuição melhores, e o título aumentou R$10,90. Nem vou entrar no caso, se isso foi uma rasteira que a Mythos deu na Lorentz ou não, pois procurando o editor, ele disse-me apenas “sempre externamos nosso desejo em continuar nos 3 editoriais. Não iremos nos manifestar publicamente sobre o ocorrido.”
Pois bem, vi comentários no facebook criticando a Lorentz, chamando-os de “aventureiros”, reclamando que os preços praticados por ela são impraticáveis e que a editora precisaria vender 90% da tiragem para manter o título em banca. Pode até existir certa verdade aqui, afinal de contas os custos de distribuição no Brasil são enormes (quase 50% do preço de capa) e quase metade da impressão acaba encalhando. Então, se você só vende metade do que produz, e se metade do que você vende fica na mão da distribuidora, isso quer dizer 25% da sua tiragem precisa custear toda a publicação (e que os outros 75% são, ou encalhe, ou custos de distribuição), e não 90% (considerando aqui que a conta do detrator da Lorentz esteja correta).
Ou seja, se você gasta R$10mil pra fazer um título (considerando todos os custos editoriais e de impressão) e imprime 1mil unidades, você precisaria que 25% da tiragem (250 unidades) custeie esses R$10mil. Ou seja, o gibi precisaria custar R$40 e a editora precisa que, pelo menos 250 unidades sejam vendidos para pagar as contas de produção, mas o ideal é que venda pelo menos o dobro, 50%, para custear também a distribuição. Vendendo 500 unidades a R$40, você junta R$20mil, sendo que metade dessa grana vai para os custos editoriais e a outra metade para a distribuidora.
Mas estas contas são apenas especulações. Deixa eu falar de uma experiência própria, real. Meu próximo quadrinho a ser lançado, Foices e Facões, custará cerca de R$7,5, apenas o custo de impressão unitário na gráfica. Digamos que, se eu fosse uma grande editora que precisasse pagar todos os custos envolvendo direito aos autores (eu e meu irmão), editoração (que eu faço) e tudo mais (que eu faço também), isso provavelmente duplicaria esse preço unitário para uns R$15. Acredito que, com a qualidade final do produto, um preço justo não poderia ser maior que uns R$32,9. Ou seja, para eu juntar R$15mil para pagar todos os custos do Foices e Facões, eu preciso vender 456 unidades. Isso se eu vender diretamente para o comprador. Se eu terceirizar a venda e fizer minha própria distribuição nas bancas e livrarias da cidade oferecendo 30% para o livreiro ou jornaleiro, teria de vender cerca de 650 unidades do livro para pagar os autores, os custos editoriais, a impressão e o revendedor. Ou seja, apenas 35% da tiragem pode ser considerada lucro real (SE eu vender a tiragem completa, o que é muito improvável ou quase viável, considerando muitos anos na prateleira e promoções futuras).
Colocando tudo isso na balança, Escalpo, Estranhos no Paraíso ou o Dylan Dog da Mythos estão realmente caros ou é o nosso dinheiro que não vale nada? Será que o preço justo do Dylan Dog oferecido pela Lorentz é uma “aventura” irresponsável? Quanto tempo durará a atual necessidade de “esperar o desconto da Amazon”, uma realidade injustificável?
Novamente, são apenas especulações. A única coisa que livreiros como eu posso fazer, olhando a pilha crescente de títulos bonellianos encalhando que a Mythos lançou recentemente e que custam o assustador preço de R$26,9 (100 páginas, preto e branco). Só posso observar, esperançoso, para o cliente que tenta despertar curiosidade por aquelas novos títulos e dizer para ele, com um sorriso nervoso nos lábios: “Te dou 25% de desconto neles”.
O cliente calcula o preço na cabeça, “vai dar uns 20 conto, ainda tá caro”…
Essa é a realidade do quadrinho no Brasil.
* Errata! Pegamos esse release no site da distribuidora da própria Devir (o J4B, que é onde pedimos a maioria de nossas revistas). Hoje, dia 25/06, o release foi alterado e somos informados que a quantidade de páginas do livro de Estranhos no Paraíso não será 224 páginas, mas 360. Que bom! Mas isso muda, significativamente, o sentido de nosso texto. Afinal, são 136 páginas a mais. Infelizmente (para nós) não temos como mostrar uma imagem do site J4B mostrando o erro porque foi, justamente, corrigido lá e, não tínhamos porque ter feito um print da informação antes.
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