O lançamento de I Feel the Everblack Festering Within Me (IFTEFWM) chega num momento de importância monumental para o Lorna Shore. A banda norte-americana de Nova Jersey já não é apenas um nome respeitado no circuito de deathcore; é um fenômeno global.
Essa ascensão meteórica foi catalisada pelo sucesso viral de To The Hellfire, do EP de 2021 …And I Return To Nothingness, e consolidada pelo aclamado álbum de 2022, Pain Remains. A cada novo lançamento, a banda recria seu próprio estatuto — e este trouxe consigo um nível de escrutínio e expectativa sem precedentes, transformando o processo de criação do quinto álbum de estúdio em mais do que um teste musical: um ponto de virada para o futuro do deathcore.
O guitarrista Adam De Micco comentou em entrevistas que buscou recriar mais intensidade e atmosfera no novo álbum, baseado na pressão que a banda sofreu desde o anúncio de IFTEFWM. A questão pairava no estúdio: seriam eles capazes de manter o ímpeto ou seria apenas mais um disco de deathcore? É dentro desse cadinho de ansiedade artística que o álbum foi forjado, e suas escolhas devem ser vistas como resposta direta a esse desafio.
O tema central de I Feel the Everblack Festering Within Me reside na mudança mais significativa e corajosa: um pivô deliberado das narrativas épicas e ficcionais que marcaram os trabalhos anteriores do Lorna Shore para uma abordagem lírica crua, pessoal e autobiográfica, conduzida pelo vocalista Will Ramos. Essa guinada representa o passo evolutivo mais profundo do álbum, transformando a ferocidade técnica estabelecida num veículo para a vulnerabilidade humana. O título, retirado da faixa de abertura Prison of Flesh, descreve o estado de espírito da banda. A letra aborda o medo da demência, uma luta interna e aterrorizante. A frase encapsula também a pressão psicológica que o grupo sentia: o “Everblack Festering Within” — o negrume eterno que apodrece por dentro — funciona tanto como metáfora para a decadência pessoal narrada quanto para a ansiedade criativa que precisou ser externalizada em arte.
A mudança lírica em IFTEFWM é sísmica. Onde álbuns anteriores se deleitavam em narrativas fantásticas, este é o primeiro em que Ramos extrai material diretamente de sua própria vida, tornando-o mais urgente, necessário e devastador. Essa transição da fantasia para a autobiografia muda tudo.
A faixa de abertura, Prison of Flesh, é a fonte do título do álbum e um mergulho no terror pessoal. Ramos explicou que a canção confronta o histórico de demência de sua família, personificando o medo de perder a si mesmo como “demônios” que vêm para consumi-lo. O videoclipe visceral atua como extensão visual do tema, apresentando imagens que um crítico disse terem reorganizado sua “lista inteira de visuais de metal horripilantes”. Musicalmente, é uma descida à loucura, com os rosnados e guinchos de Ramos narrando a desintegração da realidade.
Em contraste, Glenwood é a faixa mais crua do ponto de vista emocional. Ramos contou que trata de sua reconexão com o pai ausente após anos afastado. A letra captura a realização agridoce do tempo perdido, a dor de ver um pai envelhecido e uma casa de infância transformada.
Mas o álbum não se afunda inteiramente na escuridão. Unbreakable surge como hino de resiliência, uma ode aos fãs e à importância deles. O tema ecoa em Oblivion, que aborda destruição ambiental pós-apocalíptica; em Death Can Take Me, sobre os efeitos entorpecentes do poder; e em A Nameless Hymn, uma declaração anti-religiosa.
Essa guinada lírica pode ser vista como fuga estratégica da “prisão vocal” em que Ramos se encontrava. Sua fama inicial foi construída sobre a técnica — os guinchos de porco e guturais de To The Hellfire — criando uma expectativa centrada apenas na performance. Para evoluir além do viral e garantir relevância duradoura, era preciso substância. Ao carregar as músicas de peso emocional real, Ramos obriga o ouvinte a lidar com o significado, não só com a execução. Essa vulnerabilidade não é apenas uma mudança temática; é uma evolução calculada para adicionar profundidade e consolidar o Lorna Shore como mais que um truque sonoro.
Musicalmente, I Feel the Everblack Festering Within Me mostra a banda no auge de suas capacidades. A bateria de Austin Archey foi descrita como “monolítica”: uma barricada de blast-beats e bumbo duplo, ao mesmo tempo avassaladora e controlada. Há mudanças perceptíveis de tempo e groove em relação a Pain Remains. As guitarras de De Micco e Andrew O’Connor transitam de riffs em tremolo duelando com piano em Prison of Flesh a injeções de thrash em War Machine, além de solos duplos “descaradamente indulgentes” em In Darkness. O baixo de Michael Yager fornece sustentação brutal, ainda que às vezes abafado pela produção densa. No centro, as orquestrações de O’Connor elevam o som a níveis cinematográficos.
A discussão mais recorrente em torno de IFTEFWM é se ele representa evolução ou repetição da fórmula já estabelecida. A fórmula ” Lorna Shore”, aperfeiçoada em Pain Remains, é clara: introdução sinfônica, blast beats, sintetizadores crescentes, vocais multifacetados, crescendo e breakdown devastador. Essa estrutura é a régua pela qual o novo disco é medido.
A crítica mais comum é a semelhança: muitos o descrevem como “lado B de Pain Remains” ou “Pain Remains com granulado”. Os singles pré-lançamento foram até considerados “Lorna Shore demais”.
No entanto, há refinamentos dignos de nota. Os refrões — ganchos quase ausentes antes — agora são centrais. Unbreakable, Glenwood e In Darkness trazem coros memoráveis, hinos das profundezas, e solos ascendentes e melódicos. Além disso, há espaço para experimentação: War Machine flerta com industrial e thrash, Unbreakable adota estrutura de metalcore mais tradicional e a épica final Forevermore rompe fórmulas previsíveis. O ritmo do álbum também foi elogiado como mais bem controlado, tornando-o menos cansativo que Pain Remains para alguns ouvintes.
No fim, o disco vive da tensão entre consolidação e inovação. Não é uma reinvenção radical, mas um refinamento estratégico. O debate sobre repetição vs. evolução reflete o cisma do metal moderno: uns buscam pureza e consistência, outros clamam por novidade constante. Como “a face indiscutível do deathcore”, o Lorna Shore tornou-se o pára-raios dessa discussão. A banda afirma buscar fidelidade à sua essência enquanto se torna mais acessível.
Produção e Atmosfera
A identidade sonora de IFTEFWM está ligada à produção de Josh Schroeder, responsável pelos últimos quatro lançamentos. Essa continuidade garante uma assinatura densa e em camadas. Muitos não gostam dessas camadas, mas há quem veja nisso uma escolha artística deliberada: a produção busca transmitir desconforto, inquietação e ansiedade. Uma falha técnica? Talvez. Mas também uma força temática. O som não é apenas barulho — é conceito.
Essa discussão ecoa o dilema do metal moderno: impacto máximo vs. clareza e dinâmica. No caso do Lorna Shore, a “mistura turva” é justificada como arma estética. Apesar disso, o escopo cinematográfico do álbum é inegável: os arranjos orquestrais de O’Connor são cruciais para criar a atmosfera épica.
Conclusão: Um Monumento de Vulnerabilidade
I Feel the Everblack Festering Within Me é um álbum de identidade dupla: evolução lírica profunda e refinamento musical calculado, ainda que previsível. A crítica à fórmula é válida, mas é superada pelo salto de maturidade nas letras. A verdadeira inovação está em expandir a capacidade emocional do deathcore.
Comparado por críticos a The Satanist, do Behemoth, o álbum é visto como obra que transcende seu gênero. Faixas melódicas como Unbreakable os posicionam para o metal mainstream e grandes festivais como o Download.
Em suma, IFTEFWM se destaca não tanto pelo que muda no som do Lorna Shore, mas pelo que revela sobre o coração humano por trás do turbilhão. É a consolidação, expansão e declaração definitiva de seu lugar no ápice do metal moderno. Mostra que os breakdowns mais pesados podem vir não de guitarras afinadas em tons baixos, mas da confissão crua da dor pessoal.















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