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Queda do Mercado brasileiro de quadrinhos em 3 atos

Há três dias que me pedem para escrever este texto. Eu disse que não pretendia fazê-lo porque a situação não era muito diferente do que quando escrevi, semanas atrás, um texto sobre um problema da editora Salvat que estava interrompendo sua distribuição em bancas. (você pode acessar aqui).

O que eu diria de novo? Meu argumento é que trata-se apenas de um agravamento de uma situação que qualquer pessoa mais atenta ao mercado de quadrinhos no Brasil perceberia: crise no mercado de impressos, a diminuição das bancas, o problema do sistema de distribuição de vendas, o monopólio da Abril neste setor, tudo isso agravado ao dumping nas vendas on line.

Entretanto, a sucessão de três fatos acontecendo em 3 dias seguidos me fizeram sentar e escrever. Vamos a eles.

Dia 06/07 – Editora abril encerra 10 publicações e demite 500 funcionários.

Sidney Gusman, editor do Mauricio de Sousa, disse: “Hoje é um dia triste demais para mim. Nunca trabalhei fixo na Abril, mas bati na trave em, pelo menos, quatro oportunidades. Mesmo assim, colaborei tantas vezes com publicações da editora, que nem sei quantificar. Ver tantos profissionais dedicados (muitos dos quais se tornaram meus amigos) perderem o emprego me entristece demais. certamente esqueci vários e, por isso, adianto minhas desculpas (…) Vou torcer demais para que quem perdeu o emprego hoje encontre rapidamente um novo caminho”.

 

Dia 07/07 – Editora Mythos suspende distribuição para livraria Saraiva, Geek, Cultura e Fnac.

Por meio do facebook, a editora Mythos anunciou: “Por problemas alheios à nossa vontade, que vêm ocorrendo com as livrarias Saraiva, Geek, Cultura e Fnac nos últimos meses, a distribuição de nossos títulos para essas empresas foi suspensa. Enquanto a situação não se normalizar, disponibilizamos novas ferramentas de compra em nosso site para que você não perca uma única edição da Mythos.”

 

Dia 08/07 – Livraria Empório HQ encerra suas atividades

Hoje, há pouco mais de uma hora, a livraria Empório HQ, de São Paulo, encerrou suas atividades por meio de um longo e emocionado anúncio nas redes sociais, do qual seleciono alguns trechos:  “E assim a última gota de sangue e suor se esvai.. Não sei por onde começar, nem o que escrever antes, passei por todos os estágios da aceitação e o resultado foi estar meio catatônico… Primeiro veio a negação, de que não era possível, depois de tanta luta, amor e dedicação… Em seguida, veio a raiva, tinha que culpar alguém, a Amazon, a economia, vocês…e vi o quanto estava sendo hipócrita: minha mãe é taxista e eu ando de Uber (…) A vcs meus amigos/clientes só posso dizer que tentamos de tudo mesmo , que nos doamos além do máximo para que isso não acontecesse, mas a Emporiohq terá de fechar suas portas”.

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(Vocês podem ler o texto da Empório na íntegra aqui)

Não há muito o que explicar. O quadro está montado e o bom entendedor compreende. Parece a queda do topo de uma pirâmide, percebem? A abril, praticamente ainda a dona do sistema de distribuição em bancas no Brasil (apesar de iniciativas como a da Panini, que passou a fazer o serviço por conta própria) e editora de um grande volume de revistas, anuncia o pináculo de sua queda. No dia seguinte, a Mythos, uma das maiores editoras de quadrinhos do país, anuncia que não está mais vendendo para as maiores livrarias do mercado brasileiro e fica latente o motivo não dito, que arrisco citar: falta de pagamento. As livrarias não devem estar honrando os débitos com seus fornecedores. Por fim, na base da pirâmide, mas não o centro do problema, uma livraria especializada em quadrinhos que funciona há anos (pelo menos, embrionariamente, desde 2007) em um mercado grande como o de São Paulo, fecha.

Não tenho como não ser passional diante dessas pequenas quedas que, juntas, apresentam o cenário maior da avalanche que é o atual mercado editorial brasileiro. Mas vou tentar fugir de desabafos parecidos com o do colega da Empório HQ (que já fiz antes, em outras ocasiões, inclusive em um vídeo no youtube) e ser mais preciso, apresentando uma realidade em números, pois estava fazendo um balanço das contas da minha livraria (caso você não saiba, a Quinta Capa, antes de ser um site, é também uma livraria especializada em quadrinhos, criada em 2010) e que posso compartilhar com vocês:

O valor total de vendas de 2017 representa apenas 62,6% do que vendi em 2016, uma queda de quase 38%. Fica pior se a gente compara 2017 com 2015, o valor vai para 55,27%, ou seja, uma queda de quase 45%. O que isso significa? Que o ano passado representa uma queda enorme no meu gráfico, mostrando o que a crise no Brasil (e as crises do setor livreiro) significou, especificamente, para meu negócio. Quantas pequenas empresas sobrevivem a uma queda contínua de quase quarenta por cento de sua receita bruta? Realmente, não é fácil!

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Entretanto, persistir neste mercado, fazendo todos os ajustes necessários, pode redesenhar a forma como se vendem livros e revistas no Brasil. Sabemos que o mercado de impressos encolhe exponencialmente, entretanto, também acreditamos que ele sempre existirá. Para embasar esta informação, apresento outro dado: o valor das vendas deste primeiro semestre de 2018 comparado ao mesmo período de 2017 representa um valor de 95,48%. Uma queda de quase 5%. O pessimista dirá que o mercado continua piorando. Eu diria que, agora, a proporção da queda está “menos ruim” que ano passado, quer dizer, caímos apenas 5% e não 38%. Aguardamos o próximo semestre cheios de expectativas.

Gostaria de concluir citando, novamente, os colegas donas da Empório HQ:

“A Emporio HQ terá de fechar suas portas, mas não deixará de existir, estaremos online e mais fortes nas mídias sociais e sempre com o propósito de um dia voltarmos. Sairemos de cabeça erguida e com uma queima de estoque imbatível, uma saída triunfal para marcar o fim de um ciclo e o recomeço de outro.”

 

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos