Algumas semanas atrás publiquei aqui uma matéria sobre uma pessoa que chamei de “o melhor dentre os mais desconhecidos quadrinistas do Brasil”. Trata-se de Amauri Pamplona, um gigante desconhecido, capaz de fazer centenas de páginas por mês… e deixá-las perdidas pelo tempo.
Infelizmente, por motivos que a gente pode apenas imaginar, Amauri Pamplona faleceu praticamente um inédito, tendo impresso apenas duas ou três curtas historinhas em revistas de cultura de pouca longevidade de Teresina-PI.
Tive o prazer de conhecer a obra dele no início dos anos 2000 quando preparava meu trabalho de conclusão de curso para a licenciatura em história. Li umas 500 páginas de seus quadrinhos, o que rendeu um capítulo inteiro no meu TCC , mas não toquei a ideia de publicá-lo para frente. Esse trabalho coube a outro historiador. Inclusive, o quadrinista Amaral (autor de Hipocampo) foi o responsável pela apresentação da obra de Amari Pamplona tanto para mim, quanto para Bruno Azevedo.
Bruno encantou-se pelos quadrinhos de Amauri Pamplona e começou sua própria pesquisa. Juntou material. Ajudei no que pude: visitamos a casa de pessoas que possuíam alguns originais e que foram prontamente oferecidas para ele (muito obrigado à Virgínia Lemos e ao Durvalino Couto).
Com mais de 3mil páginas de quadrinhos inéditos de Amauri Pamplona para trabalhar e com sua experiencia de editor independente, à frente da editora Pitomba (onde publicou livros como o Breganejo Blues, sobre um taxista detetive e fã de Tex), Bruno Azevedo promete publicar os quadrinhos deste desbundado quadrinista, que deitou e rolou todas as maravilhas dos anos 60, 70 e 80, e que estavam no fundo da gaveta, aguardando um sopro editorial.
Fiz uma pequena entrevista com Bruno Azevedo. Espero que leia e que fique tão empolgado na espera quanto eu por todo esse material.
5C: Qual a importância da obra do Amauri Pamplona, praticamente um inédito no Brasil?
Na real eu não tenho como dimensionar plenamente a importância do Amauri, mas posso apontar algumas singularidades: até onde me conste não existe no mundo um quadrinista recluso. Quadrinhos são uma mídia eminentemente industrial, não é como poesia. Quadrinistas adolescem, com os quadrinhos, querem publicar desde sempre, mas esse não era o caso do Amauri jovem. NO Rio, foi o pai que ensaiou publicá-lo. Não deu certo e ele se magoou. Não tentou mais. Só em Teresina ensaiou ver a obra impressa. Se isso não fosse pouco, a obra dele é gigantesca, só eu recuperei mais de 3000 páginas! Também há o contexto: Amauri era um cara fazendo quadrinhos na ditadura fora dos grandes ou pequenos círculos, a obra dele era “livre” nesse sentido, das censuras oficiais e da censura da esquerda, de maneira que temos um documento poderoso sobre um período importante. Acho que em alguns anos, com interesse acadêmico sobre o Amauri, vamos poder responder melhor essa pergunta.
5C: Como descobriu os quadrinhos dele?
Quem me apresentou o Amauri foi o Amaral, em Teresina. Amaral foi amigo dele, e ficou com um dos livros.
5C: O que te motivou a querer publicá-lo e como será essa edição? Que projeto editorial abarcaria um trabalho gigantesco como o dele?
Eu tenho essa coisa, sei lá, esse tipo de material cai na minha mão. Não sei explicar. E sou um fuçador. Acho que a formação de historiador, por mais que precária, me deu essa instiga. Se tem um mistério eu vou atrás. Um cara como o Amauri não pode ficar inédito, é simples assim. A ideia é começarmos pelo Laboratório do Cientista Louco, de 1969, depois publicar o restante da obra que consegui coletar, acho que serão uns 9 livros. Por ora estou ocupado em traçar um perfil biográfico dele, ainda não foquei muito na obra em si. Acho que o projeto editorial deve ter uma função dupla de mercado e pesquisa. Estamos lançando um gibi foda perdido, mas que também é um documento foda sobre os quadrinhos no Brasil e o Brasil mesmo naquela época! Por isso mesmo quero fazer tudo fac-similar.
5C: Foi difícil conseguir parceiros para publicar do Amauri?
Mais ou menos. Por ora tenho um diálogo muito bom com a editora do Sesi-Sp. Deve sair tudo por lá.
5C: Porque você acha que Amauri não foi reconhecido em seu tempo?
Na real, porque ele não queria. O Amauri era um sujeito arrogante e difícil na juventude. Tinha um círculo de amigos muito estreito, que o “aturavam” apesar de. Ele não queria muito reconhecimento, e se achava acima do que se produzia naquele momento, detestava o Pasquim. A esquizofrenia tinha um papel importante nessa relação dele com o mundo exterior. O Amauri produzia 500 páginas em dois meses, encadernava, dava pra dois amigos lerem e guardava o material sem fazer sequer uma cópia.
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