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Entrevista | Ruimar Batista, Imortal Da Academia Teresinense De Letras

RUIMAR BATISTA

O site Quinta Capa entrevista Ruimar Batista, Imortal de Academia Teresinense de Letras. Compositor, pesquisador sobre cultura brasileira e africana, Ruimar é militante do movimento negro e do movimento de reintegração das pessoas atingidas pela Hanseníase (MORHAN).

O autor encontra-se com campanha de financiamento coletivo para publicação de seu livro de contos “O Presente”. Você pode colaborar com a campanha aqui, disponível até dia 15/04/2020.

Nesta conversa, Ruimar nos conta sobe a própria pessoa, revelando suas inspirações na escrita a partir de sua militância política, seus posicionamentos e sua vivência, destacando como a participação na vida social impacta sua diversificada obra.

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Quinta CapaOlá, Ruimar! Muito obrigada por conversar conosco. Queria começar com uma apresentação. Como você se apresentaria para aqueles que não conhecem o seu trabalho?

Ruimar – O meu nome é Ruimar Batista da Costa, filho de Pedro Batista da Costa e Natalina Carneiro dos Santos Costa. Nasci no dia 27 de março de 1959. Sou membro da Academia Teresinense de Letras, Cadeira nº 15, Patrono: Júlio Romão da Silva. Tenho como formação Engenheiro Agrimensor, Especialista em Administração e Elaboração de Projetos Sociais. Sou ativista, intelectual, escritor, ensaísta, poeta, letrista,  pesquisador livre no campo de africanidades e afrodescendências, filosofia e religiões de matriz africana.

Escrevi o livro “Negridade” (1ª e 2ª edição). Já publiquei artigos científicos e não científicos em congressos, encontros e seminários de pesquisadores e pesquisadoras em nível nacional e internacional; publiquei artigos nos principais jornais de Teresina; participei de antologias como “Cadernos Negros” volumes 30, 31 e 40; participei do livro “Sertão quilombola: comunidades negras rurais do Piauí”, organizado por Solimar Lima e Adelmir Fiabani; participei do “Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência na luta por direito”, organizado por Maria Sueli Rodrigues de Sousa, através da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Piauí, da OAB-PI (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí). Idealizei o Projeto “Poesia Negra na Cesta” (última sexta-feira do mês), evento que acontece no Memorial Esperança Garcia, e que é coordenado por mim, juntamente com Isabel Monteiro, James Brito e Antonia Aguiar (a coordenadora Memorial).

QCComo surgiu o seu interesse pela escrita? Qual a sua relação com o ato de escrever, o que significa para você?

R – A minha relação com a escrita, com a literatura, aconteceu na adolescência/juventude. Aprendi a ler e escrever; pouco tempo depois o meu tio, compadre, amigo e parceiro Caetano Ribeiro da Silva me apresentou livros de cowboy e revistas em quadrinhos. Mais tarde é que eu me aventurei na literatura universal, brasileira; li dois livros que mudaram a minha forma de ser e de viver e até hoje, direta e indiretamente, sigo os seus passos: A mãe (autor: M.  Gorki, o livro me incentivou a lutar e a escrever de forma rebelde, revolucionária, engajada, ser sempre de esquerda) e Sidarta (autor: Herman Hesse, o livro que me encaminhou para a espiritualidade e para a ética). Os livros de brasileiros tais como Machado de Assis, Cruz e Souza e Lima Barreto mexeram bastante comigo.

Eu fui educado para não ser negro, os livros me afastaram da minha negritude; mas também me reeducaram, fizeram com que assumisse a minha negritude. Alguns livros que me reeducaram: um que me apresentou a Zumbi dos Palmares, outro que me apresentou a João Cândido como o Líder da Revolta da Chibata e um escrito por Júlio Romão da Silva, que me apresentou a Luís Gama; estes livros foram importantes para o meu processo de assumir a minha cor negra, a minha negritude e, a mais tarde, me dedicar à escritura que logo passaria a ser uma escrevivência; eles me demonstraram que negros e negras lutaram, agiram, tornaram-se protagonistas. Heróis negros e heroínas negras que me ajudaram a assumir a negritude.

Eu comecei a escrever na juventude, depois que me integrei aos movimentos sociais (tais como movimento ligados à  Igreja Católica, Morhan (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase -1985), Movimento Negro (assumi minha negritude em 1984/1985; ativismo no Movimento Negro 1985/1986). No tempo da ditadura, as pessoas geralmente principiavam a militância a partir da Igreja Católica; não fui uma exceção, entrei em movimentos ligados às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), movimentos sociais, etc. Nesse período, eu e outros homens negros e as mulheres negras notamos que a Igreja e os movimentos sociais não refletiam sobre as questões raciais, por isso foram criados os Agentes de Pastoral Negros (APNs), o Grupo União e Consciência Negra (ambos ligados à Igreja Católica) e o Movimento Negro (negros e negras ligados à Igreja e a partidos políticos, principalmente da esquerda. Até hoje os partidos de esquerda e de direita não assumem as problemáticas raciais). Movimentos sociais (que até hoje não assumem as questões raciais), ativistas, intelectuais criaram um Movimento  Negro de cunho social, político; eu decidi escrever para complementar o ativismo, lutar, conscientizar… A minha escritura, a minha escrevivência sempre foi engajada, militante; nunca me preocupei com floreios, metáforas… Não optei em seguir Cruz e Sousa e/ou Machado de Assis, sempre fui um contra-a-lei, sempre segui os passos de Luís Gama e depois descobri que também seguia os passos de Maria Firmina dos Reis. Luís Gama e Maria Firmina dos Reis são considerados criadores da Literatura Negra/Literatura Afro-Brasileira.

QCVocê é um autor muito versátil, escreve poesia e prosa. Como você pensa essa relação? Tem alguma preferência?

R – As minhas primeiras aventuras literárias foram com a poesia. Como seguia Luís Gama, os meus poemas jamais foram neutros; alguns poemas são antipoemas mas têm mensagem, dão um recado épico, social, político, romântico. Pouco tempo após começar a escrever resolvi que o tema central da minha escrevivência seria a questão negra. Não mais abandonei a literatura negra/afro-brasileira; fui, sou e serei um militante desta literatura.

O meu ativismo fez com que eu escrevesse sobre a hanseníase; escrevesse ensaios, contos, crônicas, em geral engajados, também sobre a questão negra, ecologia… A minha escrevivência é de cunho social, político, sonhadora, utópica; atualmente estou me desafiando a escrever romances. O meu principal ramo de atuação é a poesia, atualmente estou investindo nos contos, principalmente depois que descobri que em geral escrevo primeiro para mim, na realidade converso com a minha sombra. Escrever é um ato solitário, solidário, é manter uma conversa interna, é transformar-se, é transformar, é conversar com a sombra.

QCQuando você foi apresentado para mim, pela Professora Sueli, lembro que uma das primeiras coisas que ela me disse foi que você era compositor de músicas famosas no cenário piauiense. Você poderia falar um pouco dessa sua ligação com a música?

R – Assim como aconteceu com a literatura, investi na música por causa do meu ativismo, as minhas músicas são para advertir, divertir, dançar, cantar, parar, mas parar para pensar. Bastantes delas foram/são bem aceitas.

As minhas parcerias comprovam o que falo: Antonio Carlos, Saquá, Agostinho Ferraz, Assis Bezerra, Pizeca, Gilvano Quadros, Lourival, Gisnando Monteiro, Arnaldo Lima, Kleinha, Nivaldo,  Alcides Valeriano, Zé Rodrigues, Aurélio Melo, Edivaldo Nascimento, Dôga Oliveira, Neto Pimentel, Gilvan Santos, Dimas Bezera, James Brito,  Machado Junior, Humberto Barbosa, Paulo Goudinho, Cláudia Walleska (paulista) são nomes da música que fazem músicas rebuscadas, defenderam e defendem a música popular brasileira.

As primeiras músicas de minha autoria que fizeram sucesso foram interpretadas pelo Grupo Afro – Cultural Coisa de Nêgo: Coisa de Nêgo (Ruimar Batista/ Pizeca/Alcebíades Filho); Mater África (Ruimar Batista/Pizeca); Brasil quilombola (Ruimar Batista/ Assis Bezerra); O Traje (Ruimar/Batista/Gilvano Quadros/Lourival), Estrada de fé (Ruimar Batista/Antonio Carlos);  Eni Olorun (Ruimar Batista/Antonio Carlos).

Outras músicas: Passarão (Ruimar Batista/Antonio Carlos); Magia (Ruimar Batista/Agostinho Ferraz); Folhas vivas (Ruimar Batista/Saquá); Cotas (Ruimar Batista/James Brito); Engolir galinha voando (Ruimar Batista/Edivaldo Nascimento); Acontece que as rosas não falam (Ruimar Batista/ Alfredo Werney); Da janela do meu quarto (Ruimar Batista/Zé Rodrigues); Filhos da culpa (Ruimar Batista/Gisnando Monteiro); Janelas da alma, espelhos do mundo (Ruimar Batista/Humberto Barbosa); A vida não é um filme (Ruimar Batista/Aurélio Melo); Lendas e ruas (Ruimar Batista/Antonio carlos); Esperança Garcia (Ruimar Batista/Cláudia Walleska); Um rio, um ponto, um movimento (Ruimar Batista/Gilvan Santos); Malembe  (Ruimar Batista/Alcides Valeriano); Acorda gente (Ruimar Batista/Alcides Valeriano); Cafunge (Ruimar Batista/Alcides  Valriano): Luís Gama (Ruimar Batista/Cláudia Waleska).

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Todavia as mais conhecidas/tocadas são: Rua estrela (Ruimar Batista/Saquá); Esperança Garcia e Luís Gama, criadas em parceria com a poetisa paulista Cláudia Walleska e as mesmas são cantadas por ela em São Paulo; e Torquatonight (Dôga Oliveira/ Saquá/ Ruimar Batista/Neto Pimentel).

QCDentre a sua obra, você consegue citar alguma que lhe marcou de maneira especial?

R – Diversas, como por exemplo a canção “Rua estrela”, inscrita no I Festival Chapadão da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, com o título de “Estrela street”, interpretada por Aucinéa Valente, que ficou entre as dez finalíssimas; não ficou entre as primeiras, mas o maestro Aurélio Melo a considerou a melhor música do festival. “Lendas e ruas” conquistou o primeiro lugar num festival de música, senão me falha a memória, festival do Dirceu. Filhos da culpa conquistou o primeiro lugar no festival Sesc Ouro – Teresina; “Brasil quilombola” participou de um Canta Nordeste, organizado pela Rede Clube. A poesia Fetiche – transtorno do vício pela internet, concorrendo com artigos-livros, classificou-se entre os dez melhores trabalhos num concurso nacional – Prêmio Victor Valla. Citei músicas e poemas porque como bem disseram Milton Nascimento e Fernando Brant “Todo artista tem que ir aonde o povo está”, todo artista quer divulgar sua obra, quer que ela seja amada, conhecida, criticada, a música e a poesia são cridas para serem recitadas, cantadas, divulgadas; contudo, a obra que me define/traduz e diz quem sou é o livro “Negridade”, quem quiser me conhecer/saber quem sou/traduzir leia o livro, aliás, manifesto; tudo o que faço e escrevo são uma continuação do livro Negridade.

Além do sonho de escrever o livro “Negridade”, de ministrar o curso de Yorubá, mais tarde falaremos nesse assunto, existem alguns sonhos impossíveis da gente esquecer: o mapeamento dos quilombos no Piauí. No final da década de 1980, o meu ativismo e as minhas pesquisas me apresentaram a Dandara, a Zumbi dos Palmares, ou seja, aos Quilombos. Decidi fazer um trabalho sobre os quilombos piauienses; fui o pioneiro desse trabalho no Estado do Piauí, tornei-me a primeira pessoa de uma entidade negra piauiense a mapear quilombos, me uni a quilombolas e lideranças dos movimentos negros brasileiro, contribuímos para a organização e criação da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e para a criação da Coordenação Estadual das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Estado do Piauí; até hoje direta e indiretamente faço ações direcionadas aos quilombos piauienses/apoio os quilombos. Nos anos 1980/1990 vi que negros e negras apareciam em geral nas páginas policiais, então decidi escrever de forma sistemática nos jornais; fui o primeiro intelectual negro a escrever sistematicamente sobre a questão racial nos jornais de Teresina, consegui abrir espaço no jornal Diário do Povo em 1993, até hoje, de vez em quando escrevo artigos.

Publiquei no jornal O Dia e no jornal Diário do Povo, exemplos: O Pagode do Mimbó (jornal Diário do Povo s/d); Zumbi dos Palmares (Diário do Povo, 9 de maio, de 1998); A tenista norte americana Althea Gibson (Diário do Povo, 20 de setembro de 1998); Existe racismo ao contrário?(Jornal o dia, 03 de abril de 2001, fiz o artigo para provocar discussão sobre a questão negra e impulsionar a candidatura de Francisca Trindade, mas o artigo apenas foi publicado no ano seguinte, ou seja, após as eleições); Discriminação, racismo – Restrição de Direitos Individuais(jornal o Dia, 09 de abril de 2001); A África é a mãe da filosofia (desmascaramento da helenofilia sistemática, partes 1, 2, 3( artigos publicados no jornal O Dia , nos dias 24 e 31 de maio de 2005 e no dia 07 de junho de 2005); Paz Ciência(jornal O Dia, 18 de maio de 2014); A juventude negra está sendo exterminada(jornal O Dia, 21 de dezembro de2014); Laicidade (ou que laicidade é esta?)(jornal O Dia, 9 de novembro de 2017).

Nos anos 1990, idealizamos e produzimos o Programa Negritude, na Rádio Antares, que durou dois anos, tinha audiência, e foi retirado do ar por questões políticas. Sonho, sou um [terno e] eterno sonhador, aprendi que “os sonhos não envelhecem”, tentei e um dia hei de criar um grupo de teatro negro em Teresina e produzir filme negro. Escrevi o roteiro sobre Esperança Garcia e pretendo dirigir o mesmo, estou tentando captar recursos; é essencial se criar um grupo de homens e mulheres ativistas, intelectuais e estudantes que se dediquem a criar roteiros, produzir e divulgar o cinema negro, cinema negro autoral no Piauí.

QCVocê também é professor de Yorubá. Como se deu sua vivência com esse idioma? Você acha que essa habilidade com outro idioma, que tem uma influência muito importante no português brasileiro, influencia sua escrita?

R – Volto a dizer: tudo o que faço e vivo está ligado ao meu ativismo, à minha decisão de sempre ser da esquerda, sempre ser oposição, até quando a esquerda está no poder, ela necessita ser criticada, apenas elogios/apoio sem críticas pode fazer com que a esquerda passe a se  acomodar/ a estagnar, não importa quem está no comando político, a sua ação será melhor se for cotidianamente criticada. Quem está no comando aceita/compreende assim?

Antes de escrever o livro que me traduz, ou seja, o livro-manifesto “Negridade”, eu já me aventurava no Yorubá, que aprendi sozinho. É impossível discorrer sobre a língua Yorubá sem ressaltar a importância do candomblé para a sua preservação; sim, sem o candomblé, as línguas africanas não teriam sobrevivido.

Anos depois de publicar o livro Negridade que possui alguns poemas em Yorubá,   resolvi ministrar o curso de Yorubá e, por causa da Lei 10.639, atual 11.645, notei que o espaço ideal era numa universidade. Procurei a professora Sueli na Universidade Federal do Piauí (UFPI); tentamos implementar o curso, não deu certo. Anos depois a Universidade Estadual do Piauí (UESPI), devido ao empenho do movimento negro (numa reunião no Memorial Zumbi dos Palmares, atual Memorial Esperança Garcia: eu, Antonia Aguiar, Assunção Aguiar e Artenildes Silva) e dos professores da UESPI (Dutra e Oscar) colocamos o projeto no PARFOR, o mesmo foi aprovado;  mais tarde, o professor Noga (Reitor da UESPI) passou a apoiar. Na realidade, o curso Yorubá, que no começo era apenas um sonho meu, tornou-se um sonho do Movimento Negro. aconteceu em Teresina e em algumas cidades do estado; infelizmente não está mais acontecendo. Quem abre a apostila do curso nota que o mesmo reforça a Lei 10.639, bem como é uma crítica à academia: existem cursos de diversas línguas estrangeiras nas universidades, tais como inglesa, francesa, espanhola, grega, alemã, por que não existem cursos de línguas como por exemplo Yorubá, Bantu, Tupy?  Não será por causa da discriminação na academia, do racismo, do racismo estrutural? Cursos de línguas africanas e indígenas não devem ocorrer apenas em cursos de extensão e sim fazer parte do currículo das universidades públicas e particulares, dos currículos das escolas públicas e particulares, por que não?

QCRecentemente, você iniciou um projeto de financiamento coletivo de um livro de contos, por meio do Catarse. Poderia falar um pouco sobre essa obra?

R – O nome do livro que encontra-se no Catarse é “O presente – contos afro-brasileiros”; os títulos de todos os contos são em Yorubá, é um livro que se fundamenta no meu olhar, olhar para a minha vida, para o oralidade, para a história brasileira, para a história universal, para a sombra, para a minha sombra, como dizem homens e mulheres que pesquisam, escrevem contos porque se interligam, reencontram (ou querem se reencontrar), reconhecem (ou querem se conhecer, se reconhecer), conviver/aceitar a própria sombra, enfim, curar-se/salvar-se, curar, salvar.

O projeto tem prazo, o prazo final é o dia15 de abril. Como apoiar: procurando o projeto no Catarse, apoiando, incentivando o apoio. Você será um homem/uma mulher que vai contribuir para concretização desse projeto?

 

 

QCComo você visualiza a cena literária piauiense? Pode comentar um pouco sobre as dificuldades enfrentadas por escritores aqui?

R – A cultura piauiense, assim como o próprio estado, infelizmente é colocado à margem. Vivemos num estado rico que é empobrecido; a elite dominando, políticos e políticas não procuram fazer com que o nosso potencial apareça, cresça, se expanda. Nós também temos a nossa parcela de responsabilidade porque nos acomodamos, ou agimos de uma forma que alcança apenas a classe média, não chega na base, no porão, nos homens empobrecidos, nas mulheres empobrecidas.

O que acontece com a economia e política, acontece com a cultura (arte, música, dança, teatro, artesanato, cinema, ciência, literatura). O Piauí possui grandes nomes na literatura nacional que não são conhecidos, divulgados; existem novos autores, novas autoras de grande potencial que, por diversos fatores, a sociedade não conhece, reconhece. O grande problema, não apenas piauiense mas brasileiro, é que a escola e as grandes editoras investem apenas em grandes nomes, utilizam grandes nomes da literatura na sala de aula; isso é bom, porém, as escolas não investem em representantes locais, regionais…

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E esta ação é fundamental para a divulgação e reconhecimento de escritores e escritoras locais. Quanto à editoração, as editoras escolhem os mesmos autores, as mesmas autoras e as secretarias estaduais e municipais de educação e cultura não possuem política de publicar autores e autores locais e fazer com que alunos e alunas lhes estudem. Você notou (vocês notaram) que a solução existe, é fácil; o que acontece é que falta decisão, decisão política de se investir na cultura piauiense. Indagamos quando esse tempo chegará? Acordem, acordem, o tempo urge, o tempo é agora, hoje, ontem, acordem!

QCRecentemente, você teve um grande reconhecimento pelo seu trabalho, tornando-se Imortal da Academia de Letras de Teresina. O que isso significou, para você?

R – Como você disse, é um grande reconhecimento, mas também é uma grande responsabilidade. Quando fui convidado para integrar a Academia de Letras de Teresina (ALT), relutei, respondi sim alguns dias depois; conheço a história da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Academia Piauiense de Letras (APL), sei que ambas são eurocêntricas, que a maioria de seus integrantes são de cor branca, sei que Júlio Romão da Silva não foi  eleito para a ABL por racismo e que foi discriminado por racismo na APL, (você sabia que um membro da APL, Herculano Moraes escreveu o livro A nova literatura piauiense e não citou o nome de Júlio Romão da Silva?); Machado de Assis,  fundador da ABL era discriminado na mesma. Passei alguns dias pensando no assunto, consultei homens e mulheres intelectuais, integrantes do moimento negro e aceitei. A palavra que me convenceu foi “representação” (representividade). Como disse antes, participar da APL é uma grande responsabilidade. Aceitei, faço parte da ATL, fiz novas amizades, parcerias na ATL, espero contribuir para ações concretas (literárias, políticas e sociais) e dinamismo da Academia.

QCGostaria de deixar algum recado para os jovens escritores e admiradores?

R – Sim, como frisamos antes, a nossa vida e obra não é/ jamais será neutra, omissa, não poderíamos deixar de falar no Coronavírus e não podemos falar nesse assunto sem mencionar a natureza e a África, que é o berço da humanidade.

Sabemos que os primeiros homens e as primeiras mulheres nasceram na África, logo o continente africano é o ventre do mundo/o berço da humanidade, da civilização, da ciência, da tecnologia, das invenções, das universidades, dos livros, da filosofia, da religião… E por falar em religião, na África ela não está separada da filosofia. As religiões africanas não estão separadas da mãe natureza, as divindades sempre estiveram/estão e estarão interligadas aos quatro elementos: terra, fogo, água e ar. Não é por acaso que o continente que mais ama e respeita a natureza e a biodiversidade é o continente africano.

“Salve tu, Nilo

Que te manifesta nesta terra

E vem dar vida ao Egito”

(Oração do rio Nilo)

Esta oração era proferida na antiguidade e comprova o amor/respeito/veneração africana à natureza. A busca por sobrevivência fez com que os povos africanos da antiguidade, como por exemplo o egípcio amasse, respeitasse, defendesse/preservasse, fizesse a salvaguarda da mãe natureza e considerassem o rio Nilo como uma dádiva, como uma divindade provedora de água, animais, vegetação, alimentação.

Ao longo da história da humanidade a relação entre o homem/ a mulher e a mãe natureza foi/é e será fundamental na chamada “luta” por sobrevivência. Crescimento e progresso não significam desenvolvimento, em geral esquecemos desse detalhe, nem que a palavra desenvolvimento não necessita do complemento sustentável. O desenvolvimento da(s) ciência(s) e o(s) processo(s) de racionalização dos meios de produção, as sociedades passaram a extrair o que necessitava/necessitam da mãe natureza para o consumo, acontece que extrapolaram e as consequências foram/são repassadas para as futuras gerações.

A humanidade passou a dominar (dominar ou explorar demasiadamente) a mãe natureza, mas esqueceu dos seus ciclos. O progresso/o crescimento econômico não significa   desenvolvimento. O homem/ a mulher, que na universidade que se chama vida, demonstra que sabe o que é desenvolvimento quando extrai da mãe natureza o que é necessário (é essencial) para a sua necessidade básica. Em outras palavras, manipula a realidade/o meio ambiente, analisa as situações, pensa no hoje e No amanhã, simula o amanhã; quando isso não acontece, geramos caos no/para o futuro.

O desequilíbrio ambiental causado pelo homem/ pela mulher provocou/provoca/provocará a eliminação de espécies, até mesmo a eliminação humana. Este desequilíbrio pode ser classificado através das seguintes modalidades:

A – Destruição do habitat;

B – Caça, pesca ou matança deliberada em larga escala;

C – Introdução de predadores ou competidores;

D – Introdução de elementos patogênicos;

E – poluição;

F – Extermínio decorrente de extinções anteriores ou exteriores em cascata.

As degradações provocadas por nós (homens e mulheres do passado, do presente e do amanhã) à mãe natureza (à biodiversidade) colocou/coloca/colocará o planeta Terra em risco. O Coronavírus é uma prova concreta  do que acabamos de afirmar, mas ele é uma reação, não é uma resposta, vocês concordam?

Coronavírus e a população negra e indígena: O que tem realizado de concreto para as comunidades  indígenas, ciganas, ribeirinhas, terreiros, quilombos? Porque quase não se fala dos dados do Coronavírus na África? Será que é porque o continente africano foi empobrecido/explorado/fragilizado/tornado bastante vulnerável pelas nações da Europa? Será que esquecem que o continente africano é o mais vulnerável a endemias/pandemias e que a maioria dos seus países, além de serem os países do mundo mais vulneráveis a essa pandemia, são também os menos preparados para enfrentar o Coronavírus? Que solidariedade é esta? Tudo isso tem nome: Racismo estrutural, estamos diante de um racismo estrutural mundial.

Você sabia que em plena crise do Coronavírus o Governo Federal está cometendo um crime contra a população quilombola de Alcântara (Maranhão)? Você sabia que agora, em pleno auge do Coronavírus, os homens e mulheres quilombolas  estão sendo expulsos de sua terra pelo Governo Federal? Agora que você sabe, junte-se a nós, vamos lutar contra esse crime, contra este racismo, racismo estrutural.

Quanto ao Brasil, as ações do presidente inominável, se fosse num país sério ele já teria sido obrigado a renunciar, teria sofrido uma ação de impeachment, teria ido   deposto/expulso/ interditado.

No Brasil, foram os homens e mulheres da classe média e alta que introduziram a doença no país e essas pessoas têm mais condições de buscar apoio médico e de adquirir alimento. As pessoas enriquecidas transmitiram e estão transmitindo a doença, quanto ao isolamento, a periferia, a favela (que são constituídas quase majoritariamente por pessoas negras) têm condições concretas de se isolar, trabalhar, conseguir alimento? Não. Quando a periferia/favela for atingida, centena de vidas negras serão dizimadas, assim como está acontecendo no mundo, o racismo estrutural está sendo colocado em prática no Brasil e necessita ser denunciado com veemência?

O que dizer para a juventude? Sei que a nossa educação não é a que queremos mas sei que ela é essencial para a nossa formação, ascensão, invistam na educação, a educação liberta, abolição/libertação sem educação não é abolição/libertação. Invistam na educação, procurem  agir concretamente hoje e amanhã para a melhoria da educação brasileira.

Gostaria de deixar um pensamento e um provérbio africano para vocês meditarem.

“A construção democrática pressupõe demandas de longo prazo e enfrenta muitos desafios, por abarcar realidades complexas e diferentes dimensões. A questão política é central e perpassa todos os âmbitos da vida social, exigindo o combate às desigualdades econômicas e sociais, também existentes nos processos culturais. Neste sentido, a afirmação da democracia é incompatível com um tecido sociocultural impregnado de preconceitos, discriminações e intolerância, componentes configuradores de relações sociais assimétricas e desiguais, presentes, em geral, de forma difusa, mas na verdade fortemente internalizadas e sustentadas com maturidade nas sociedades latino-americanas.”

(Vera Maria Candau)

               

“No momento de crise, os sábios constroem pontes e os tolos constroem represas.”

(Provérbio africano)

 

Agbára dudú – força negra, poder negro.                                                      

Quer ser alguém importante na história do mundo, mas tem preguiça. Costuma ser do contra, gosta de coisas fofinhas, nasceu pras artes e foi trabalhar com coisas chatas pra não estragar os hobbies e nem passar fome.