Blue Period é um dos melhores animes da temporada e está disponível na Netflix.
Blue Period é aquele anime que você assiste e ao terminá-lo, tem que sentar e juntar os pedaços que sobraram do coração. O anime é uma lufada de ar deliciosa numa tarde quente. Ele conta a história de uma forma honesta da jornada artística de um delinquente que virou estudante de arte Yaguchi Yatora. É sem sombra de dúvidas, um dos melhores animes da temporada passada, se não um dos melhores títulos de slice of life lançados nos últimos anos.
Esta resenha contém spoiler. Mas valerá seu tempo de leitura.
https://youtu.be/LZFvZG8K97s
O diretor chefe de Blue Period é Koji Masunari (Magi: The Labyrinth of Magic) e Katsuya Asano (Yu-Gi-Oh! VRAINS) feito pelo estúdio Seven Arcs. O roteiro é escrito por Reiko Yoshida (K-ON!) e Tomoyuki Shitaya (Food Wars!) é o designer de personagens. Um anime original Netflix.
Este anime emotivo é baseado no famoso mangá de Tsubasa Yamaguchi, que conquistou o grande prêmio Manga Taisho em 2020.
Uma das maiores belezas de Blue Period é o nível de profundidade que ele tem para uma série curta de 12 episódios. Um dos melhores elementos do anime como dito acima, é sua abordagem honesta e realista da jornada de alguém que se expressa artisticamente. Neste caso, quero dizer a todos aqueles que desenham e pintam e vivem disso.
O anime consegue isso nos levando num enredo com personagens que são desenvolvidos de maneiras incrivelmente emocionais, envolventes e que nos permitem ter empatia.
Yaguchi Yatora, o protagonista, desenvolve um amor pela arte no decorrer do anime. Ele é incrivelmente complexo logo nas primeiras cenas do primeiro episódio, quando o vemos lidar com sua compreensão da realidade, seu lugar no mundo, sua aparente marginalização social ao lado de seus amigos e o peso da expectativa.
Isso tudo acontece quando ele vê pela primeira vez uma pintura de um anjo de sua colega de classe chamada Mori na sala de aula de arte, ele fica impressionado com a profundidade da cor, o gatilho que faz ele enxergar a arte e toda sua relação com a cor azul. Yatora percebe traços azuis na pele esverdeada do anjo no lado esquerdo da pintura e, com um pouco de persuasão da sua professora de arte, ele canaliza a inspiração para o que chama de “Meu Cenário Favorito” na sua aula.
Esta cena está ligada aos vários passeios de Yatora com seu grupo de amigos, vadiando na rua até a madrugada em Shibuya, enquanto os quatro autoproclamados delinquentes matavam o tempo e aula falando da seleção japonesa de futebol (também conhecida como Blue Samurai), fumando cigarro e bebendo álcool. A relação entre as coisas que um artista valoriza e a arte que ele cria é realmente importante, e quando a obra de arte de Yotora é concluída e pendurada para exibição entre os vários outros projetos dos alunos da turma ele se descobre como um ser social. Esse momento acontece quando seu amigo, Koi-chan, entende corretamente que a pintura é uma interpretação de Shibuya pela manhã. É tão forte para o jovem que ele chora. “Pela primeira vez, sinto que estou tendo uma conversa real com as pessoas.”
Ao longo dos episódios de Blue Period, Yatora é forçado também a compreender o que significa a justaposição de talento/genialidade versus esforço/persistência e aceitar que ele é apenas um ser humano normal. No entanto, frustrado por sua própria falta de habilidade, confiança e genialidade inerente, ele está determinado a trabalhar tão duro que o abismo entre ele e um gênio é reduzido à total insignificância.
Todos os artistas podem se relacionar com o sentimento de desapontamento ou até mesmo com raiva de sua percepção de falta de progresso ou habilidade, e o Blue Period tem essa habilidade em retratar essas várias neuroses artísticas, ao mesmo tempo em que o progresso de Yatora é realista. A gente entende de cara que ele não vai se tornar um gênio da pintura no decorrer dos episódios e isso é gratificante.
Blue Period não se destaca como apenas um anime sobre pessoas apaixonadas por arte, mas sobre as novas perspectivas sociais que estamos vivenciando na vida e na fantasia. O personagem de Yuka, por exemplo, serve como uma exploração de tópicos que envolvem gênero e orientação sexual, particularmente sobre como a sociedade atual enxerga sobre o como Yuka lida como ser percebida e também se expressar como uma menina enquanto foi designada como homem ao nascer, mas também como as pessoas que a usam como um objeto sexual.
À medida que Yatora continua lutando e melhorando artisticamente, ele continua descobrindo coisas sobre si mesmo e o mundo ao seu redor. Um dos momentos mais profundos é já no episódio 2, onde depois de se tornar membro do clube de arte da escola, ele precisa contar a seus pais sobre sua decisão de se matricular na Universidade de Artes de Tóquio.
Ele desenha um esboço de sua mãe enquanto ela passa o dia cozinhando, limpando e fazendo tudo em sua casa. No desenho, ele percebe pequenas peculiaridades, como ela sempre come as porções de pior aparência na hora das refeições e como suas mãos se tornaram grossas de tanto trabalho diário. Cenas como esta; ou o monólogo emocionante de Yuka sobre como ela se sente presa em seu próprio corpo; a confissão de um amigo de Yatora de que sua busca pela arte deu a este último a confiança para perseguir seus próprios sonhos e não se importar com a aparência; e muitos mais dão tanta vida, emoção e ternura ao anime e fazem dele uma história que vale a pena assistir até o final.
Um elemento que começou a tomar conta da narrativa de Blue Period foi o conjunto de habilidades e o nível artístico de Yatora. Ele se rebaixa como artista pelo simples fato de ser uma pessoa comum demais. Ele usa isso como uma habilidade para monitorar sua posição social; no entanto, uma coisa que ele aprende não apenas com a arte, mas com as interações com Mori e, mais significativamente, Yuka, é como ser mais honesto sobre seus próprios sentimentos, desejos ou expressões.
Existem diversas cenas no anime sobre a nudez física e a nudez como expressão artística. A mais incrível foi a viagem que Yatora faz com Yuka e os dois ficam nus em frente ao espelho para encontrar o eu interior que estava faltando em suas respectivas expressões artísticas. A nudez como subtexto para as várias interações e jornadas neste anime faz muito sentido, pois o conceito de expressão honesta (eu interior) surge repetidamente. No segundo episódio, quando Yatora leva sua mãe às lágrimas, é a sinceridade de suas palavras e o desenho que ele fez dela que indica uma vulnerabilidade que eles provavelmente nunca compartilharam até aquele momento. Vulnerabilidade é o conceito mais forte de Blue Period e faz isso de uma forma brilhante.
Existem diversas camadas que eu poderia falar da Yuka, mas acredito que é necessário assistir todo o background dela. É muito importante sentirem isso assistindo ao que lendo.
Uma personagem que causa grande impacto na vida de Yatora é a jovem talentosa Mori. Mesmo que Mori seja significativa no começo e só faça aparições intermitentes após sua formatura do ensino médio. Suas pinturas sempre abordam temas com anjos e símbolos religiosos, porque, para ela, o que ela quer comunicar é que suas pinturas são todas orações. É uma pintura de Mori que inspira a jornada artística de Yatora em primeiro lugar, mas também é seu incentivo que mantém Yatora em movimento, o mantém inspirado. Como uma espécie de anjo da guarda, Mori é como a deusa da arte de Yatora, a quem ele reverencia mais do que todos os outros.
Para poder passar nas provas – divididas em três etapas – e ingressar na Universidade de Arte de Tóquio, Yatora precisa fazer um cursinho para melhorar suas novas habilidades de pintura. Neste cursinho ele conhece Takahashi Yotasuke. Um jovem talentoso e inacessível, insociável, mas Yatora de alguma forma está sempre tentando estender a mão da amizade para ele. Yotasuke na verdade não gosta de Yatora porque ele o percebe do jeito que os nerds estereotipados costumavam olhar para “normies”, ou “riajuu”, já que estamos no contexto de anime. Então Yotasuke acha que Yatora é um garoto legal e um estudante honroso e esforçado que procura adicionar outro ponto à sua longa lista de “lugares para pertencer”. Ele sente que Yatora não deve querer a mesma coisa que ele, pois Yatosuke não é “deste mundo” e já tem tudo. É claro que isso vem da própria dificuldade de Yotasuke em ser sociável ou se destacar em qualquer outra coisa. Apesar de todas essas dificuldades sociais, Yotasuke não parece odiá-lo completamente, e Yatora é importante para ele porque ele é o primeiro contato não familiar que salvou em seu celular. =)
Yatora consegue passar nas provas e ingressar na Universidade de Arte de Tóquio? Só assistindo para descobrir.
Os únicos defeitos que achei em Blue Period são o ritmo aleatório do anime, que muitas vezes foi perdido em um borrão de grandes saltos de tempo. Talvez 24 episódios teriam sido um ajuste melhor para contar tudo que precisa. Porém, Blue Period é uma carta de amor à arte. É apaixonante e emocional. Vale a pena assistir.
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