Tem nosso crítica sem Spoiler Aqui.
Zona de Spoiler. Leia por sua conta e risco.
Personagens demais, dependência quase total de acontecimentos de outros filmes, duração inchada, CGI aos borbotões e expectativas extremadas. Em outras circunstâncias, estaria formada a tempestade perfeita para que Vingadores: Guerra Infinita desapontasse profundamente. Mas o cume da montanha de 19 filmes que a Marvel Studios não só construiu como escalou sozinha, mesmo que com alguns leves percalços aqui e ali, é o impossível cinematográfico acontecendo diante de nossos olhos, um filme que, se os fãs já estavam predispostos a gostar pouco importando qualquer coisa, é, de seu próprio modo, uma obra-prima da conversão de quadrinhos em Cinema, esse com “C” maiúsculo mesmo, além de também funcionar como uma obra que até um espectador casual poderia sentar para assistir sem perder o fio da meada básico tamanha é a familiaridade estrutural que o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely imprime e que a direção dos Irmãos Russo coloca na telona com maestria.
Mas, claro, Guerra Infinita é muito mais um filme para fãs; um presente, na verdade, para aqueles que investiram nesses 10 anos de Universo Cinematográfico Marvel – os primeiros 10 anos como o estúdio faz questão de frisar – tamanha é a costura de referências internas que é feita aqui. Se, habitualmente, os filmes do UCM eram ricos em referências ao material fonte, ou seja, aos quadrinhos, agora há material inter-filmes mais do que suficiente para que os pontos possam ser ligados desde a Fase Um até Pantera Negra, o mais recente da Fase Três. É, literalmente, como se uma gigantesca saga dos quadrinhos se materializasse em filme diante dos nossos olhos.
É curioso que, quando o filme foi anunciado, Guerra Infinita tinha duas partes para que, depois, o subtítulo da segunda parte fosse alterado e mantido em mistério. Digo curioso pois Guerra Infinita é, inescapavelmente, a parte um de dois de uma história só, independente do subtítulo que seja anunciado. Na verdade, mais do que o começo de alguma coisa, o filme é, mais propriamente falando, a parte do meio de uma história cuja primeira parte é composta por nada menos do que 18 filmes. São 18 prelúdios auto-contidos que contêm peças de um quebra-cabeças maior que começa a ser montado aqui e terá seu fim efetivo um ano depois. Portanto, olhando friamente, Guerra Infinita, assim como o próprio infinito, não tem começo e não tem fim, iniciando em meio à ação diretamente conectada com Thor: Ragnarok e acabando em um mega-über-cliffhanger que imediatamente dá vontade de correr atrás da Joia do Tempo somente para avançar meses no futuro para ver como é que o círculo será fechado.
Em circunstâncias normais, essa característica seria um aspecto negativo, mas, aqui, ela é da essência do filme e não pode ser construída como algo que detraia do todo, ainda que, como mencionei, esse todo funcione até mesmo para quem não viu as obras anteriores, já que a história, em sua camada mais externa, é simples e objetiva: vilão quer destruir metade do universo e, para isso, tenta recolher seis MacGuffins coloridos, com duas dúzias de super-heróis em seu encalço tentando impedi-lo. É muito mais fácil algum incauto entender Guerra Infinita de chofre do que, por exemplo, outros três célebres e magníficos “filmes do meio”, ou seja, O Império Contra-Ataca, De Volta para o Futuro Parte II e As Duas Torres. No entanto, como também afirmei, a característica de presente aos fãs e cume de uma antes inimaginável montanha só será verdadeiramente capturado por quem tiver acompanhado a jornada completa até a chegada definitiva de Thanos e seus minions à Terra.
Feito esse prelúdio, vamos conversar então sobre mais detalhes desse tour de force de fazer qualquer fã ter ataques cardíacos sucessivos na cadeira do cinema. Como fiz na crítica com spoilers de Pantera Negra, inseri meus quadros azuis de implicância que são só isso mesmo, “implicâncias” inconsequentes para a formação da avaliação final.
Thanos, Thanos, Thanos e mais Thanos
Visto apenas em cenas esparsas ao longo de alguns dos 18 prelúdios, Thanos manteve-se como uma figura misteriosa por 10 anos. O medo era que ele fosse apenas “mais um vilão” da Marvel Studios que, temos que convir, muito raramente trazia para as telonas encarnações realmente interessantes de seus antagonistas clássicos dos quadrinhos. E esse medo era plenamente justificado não só pelos exemplos pregressos, como também pelo fato óbvio que, com algo como 25 super-heróis zanzando pelo filme, não haveria espaço para o Titã Louco mostrar a que veio.
Mas esse receio é dissipado completamente em Guerra Infinita. Aliás, mais do que isso, diria que o jogo vira no filme desde seus minutos iniciais, quando Thanos, com sua famosa armadura dos quadrinhos, espanca o Hulk sem dó nem piedade ao ponto de, depois, o Gigante Esmeralda passar a ter medo de aparecer para um segundo round. E, nessa mesma toada, que transforma Thor: Ragnarok de uma comédia sci-fi em um filme sombrio, trágico mesmo, vemos que os asgardianos foram exterminados, com Loki (Tom Hiddleston) tendo seu pescoço quebrado e Heimdall (Idris Elba) seu ventre perfurado diante de nossos incrédulos olhos. Afinal, como assim o Hulk é nocauteado e Loki – LOKI! – é assassinado sem mais nem menos? Não havia, porém, melhor começo para Guerra Infinita e, especialmente, para Thanos. Esse é o ponto em que, com nem 10 minutos de filme, compramos a gravidade da situação e a imponência e seriedade do vilão.
Acontece, porém, que isso não era suficiente para a dupla de roteiristas. Thanos, na cabeça deles, precisava de mais espaço e é isso que eles dão ao personagem, impressionantemente reduzindo o brilho de absolutamente todos os super-heróis – alguns mais, outros menos – e enxertando camadas ao antagonista de maneira que sua empreitada de destruição em massa, por mais absurda que possa parecer, não consegue minar completamente a empatia que sentimos pelo personagem e nem parece tão absurda assim no final das contas. Faço, aqui, aquela comparação clássica entre os vilões do estilo que vemos nos filmes de James Bond com o Sr. Queixo Enrugado. Enquanto lá o vilão parece “maior do que a vida”, com aquele jeitão maquiavélico, com direito, às vezes, a risadas sinistras ou a gatos angorá brancos no colo, aqui Thanos é um personagem completo, talvez o único que efetivamente tenha desenvolvimento satisfatório em um filme em que, sinceramente, não esperava desenvolvimento de absolutamente nenhum personagem em razão da própria estrutura da obra. Não há, em Thanos, a vilania pela vilania. Ao contrário, seu objetivo é bem explicado, apesar de exagerado ao extremo (mas estamos falando de um filme que reúne duas dúzias de super-heróis, pelo que o objetivo não poderia ser apenas “dominar a Terra” como o Dr. Gori), tem um sentido que é puxado diretamente dos quadrinhos e que se relaciona com uma das mazelas que vivenciamos aqui: a superpopulação. Claro que a solução do problema não é exterminar metade, mas se Thanos estivesse sugerindo terraformar planetas desabitados para transferir metade da população para lá, ele não seria exatamente um vilão.
Implicância 1:
Cadê o Adam Warlock? Se teve um erro na estratégia da Marvel Studios ao longo desses 10 anos, foi sua hesitação em introduzir um de seus mais icônicos heróis cósmicos, Adam Warlock. É compreensível a hesitação, porém, dada a complexidade do personagem e seu total desconhecimento até de boa parte dos leitores de quadrinhos. No entanto, sua falta é ainda mais fortemente sentida aqui, já que, nos quadrinhos, não só ele é o principal nêmesis de Thanos, como, esporadicamente, é aliado do Titã Louco e isso sem contar com o fato de que é na testa de Warlock que reside a joia da alma, um presente de seu pai adotivo Alto Evolucionário. Era essencial que ele estivesse presente em Guerra Infinita? Certamente que não, pois a solução dada à joia da alma foi mais do que satisfatória, mas, como alguém que simplesmente adora o personagem, não pude deixar de detecta diversos – DIVERSOS! – momentos em que sua “entrada triunfal” teria sido tão perfeita que, receio, teria no mínimo tido uma arritmia.
Além disso, ele não é um genocida. Reparem como isso é diretamente abordado no filme por meio de um de seus confrontamentos com sua filha Gamora (Zoe Saldana). Seu plano não leva em consideração raça, religião, status social ou qualquer outro elemento que divida populações. Ele “trabalha” com absoluta aleatoriedade, criando um sistema justo. Mas calma antes que alguém arregale os olhos por eu estar afirmando isso de um cara que quer matar metade dos seres vivos do universo. É apenas um exercício e uma demonstração de que existe uma lógica nas ações de Thanos que o roteiro se dá ao trabalho de nos informar, o que automaticamente retira do plano assassino aquela pecha do “sou mau como o Pica-Pau e, portanto, quero matar todo mundo pelo prazer da coisa”. Mas, mais além ainda, o filme ainda tem tempo para focar na ligação pai e filha dele com Gamora, revelando o ponto fraco de Thanos e que ele, sim, tem sentimentos e nenhuma vergonha de mostrá-los. O que mais podemos esperar de um vilão de quadrinhos?
Aliás, só um parênteses: vejo nas motivações por trás do assassinato em massa que Thanos quer promover algo mais bem construído do que a motivação que o sensacional Jim Starlin criou para o personagem, ou seja, o presente que ele quer dar ao amor de sua vida, a Morte, representada, nos quadrinhos, por uma bela mulher de manto preto. Não que fosse impensável trazer esse elemento bizarramente romântico para o filme, mas tendo a acreditar que ele funciona melhor nos quadrinhos e só lá, pelo que a adaptação feita não só mantém o espírito original, mas efetivamente o encaixa de maneira fluida ao UCM.
Mas Thanos não seria Thanos sem outros dois elementos essenciais: Josh Brolin e o CGI. Brolin é Thanos. Não falo nem necessariamente na captura de performance, que é muito boa, mas especialmente em seu trabalho de voz. Sentimos o peso do que o personagem faz a cada sílaba que o ator profere, com pesar para o que ele acha que precisa fazer, desdém quando o super-herói que o ameaça não é mais do que uma mosca para ele, surpresa quando ele encontra seu par ou se depara com um ato de coragem extraordinário, comando absoluto em momentos-chave de ação e, finalmente, um estranhamente complexo sentimento de amor não apenas por Gamora, que é mais evidente, mas, antiteticamente, pela vida. Esse último aspecto é simplesmente uma maravilha, pois Brolin, apesar do tipo durão que sempre viveu no cinema, conseguiu passar um tipo de doçura que ele modula para fazer de seu Thanos um vilão mais filosófico, mais complexo pela forma como ele encara o mundo e, lógico, por defender a vida por meio de matança.
O CGI, que eu mesmo tanto reclamei quando o primeiro trailer saiu, era o fiel da balança aqui. Se não funcionasse, Thanos provavelmente não funcionaria. Mas foi alvissareiro notar que, tanto nas sequências em espaço confinado e mais escurecidas com a inicial no espaço, como quando em campo aberto e de dia, como na sequência em Wakanda ao final, o CGI manteve-se intacto, com o vilão mantendo sua poderosa presença por seu porte natural (espetacular o contraste do tamanho da mão de Thanos com o Ferroso e o Aranha tentando puxar a manopla em Titã) quanto por seu peso físico, algo tão problemático no CGI atual que, muitas vezes feito às pressas, faz monstros gigantes parecerem bailarinas do Bolshoi. Em Guerra Infinita, Thanos é tão personagem quanto o Capitão América em termos de presença em tela e esse aspecto fecha um inestimável conjunto que faz do personagem o melhor vilão do UCM até agora e, quiçá, um dos melhores vilões de filmes de super-heróis.
Dividir para Conquistar
Sei que foquei em Thanos, mas é que o personagem merecia. Além disso, é uma tarefa impossível abordar cada um dos demais, até porque o texto de Markus e Freely não pede isso, muito ao contrário até. Usando a única estratégia possível para lidar com tanta gente em tão pouco tempo, os dois promoveram a boa e velha divisão em grupos ou equipes usando, em seu favor, o treinamento que tiveram com Capitão América: Guerra Civil, chegando quase à perfeição aqui.
O aspecto mais interessante é a facilidade e a lógica com que a divisão acontece. Se o Hulk (Mark Ruffalo) é arremessado à Terra graças ao último suspiro de Heimdall e serve de arauto do Apocalipse (substituindo o Surfista Prateado na exata mesma função em Desafio Infinito, saga em quadrinhos que inspirou mais diretamente o filme) e acaba catalisando a reunião do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) com o Homem de Ferro (Robert Downey, Jr.) e, depois, com o Homem-Aranha (Tom Holland), Thor (Chris Hemsworth) é “explodido” no espaço e acaba estatelando-se na Milano, nave dos Guardiões da Galáxia, logo também gerando uma reunião e, em seguida, uma divisão, com Rocket (Bradley Cooper), Groot (Vin Diesel) e o Deus do Trovão seguindo para Nidavellir para forjar uma nova arma no coração de uma estrela de nêutron e o Senhor das Estrelas (Christ Pratt), Gamora, Mantis (Pom Klementieff) e Drax (Dave Bautista) partindo para Luganenhum para tentar impedir que Thanos abocanhe a joia que está com o Colecionador. Dessa estrutura, decorre um novo “embaralhamento” de cartas, com o encontro do Senhor das Estrelas e equipe com o Homem de Ferro e equipe em Titã, com Bruce Banner servindo de conexão, na Terra, para chamar o fugitivo Capitão América (Chris Evans) e seu grupo renegado formado pela Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Falcão (Anthony Mackie) que, por sua vez, salvam a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e o Visão (Paul Bettany) na Escócia e reúnem-se com o Máquina de Combate (Don Cheadle) na base dos Vingadores, confrontando, no processo, o Secretário de Estado Thunderbolt Ross (William Hurt) e, finalmente, usando os ferimentos no sintozoide como elemento de conexão com o Pantera Negra (Chadwick Boseman) e Wakanda. Ufa!
Todas essas interconexões permitem uma belíssima fluidez à narrativa, além de, claro, momentos épicos para fazer o fã bater palmas, como as entradas triunfais do Hulk como um foguete verde, Capitão América nas sombras e o Homem de Ferro com sua armadura Bleeding Edge baseada em nanotecnologia que “morfa” em foguetes, armas de envergadura avantajada e assim por diante. Aliás, entradas triunfais é o que não faltam no filme, com uma acontecendo a cada 10 minutos para que ninguém se atreva a fechar os olhos. É certamente um abuso do artifício, mas, aqui, ele é plenamente justificado.
Hulk com medinho, é sério? Quer dizer então que o peso-pesado da Marvel, o descerebrado Hulk é um bananão? Apanhou do queixudo roxo e não quis mais sair da casa do Banner? Fico pensando o quanto não teria sido mais épico ainda colocar Hulk e Thor novamente lado-a-lado contra o enxame de monstrinhos multi-braços em Wakanda. Certamente bem melhor do que Banner estabanado dentro da Hulkbuster de segunda mão de Stark. E isso sem contar que perdemos a chance de ver a Viúva Negra botar o grandalhão para dormir com sua canção de ninar…
Mas, além dos pareamentos inusitados das diversas pequenas equipes, temos o respeito absoluto das mitologias de cada personagem ou grupo de personagens, com um dilúvio de referências internas conectadas a cada um deles, além de um cuidado visual que mantém a identidade de cada um. O exemplo mais evidente disso é com a entrada (triunfal) dos Guardiões da Galáxia, que, claro, é precedida de música e um ambiente relaxado, mais colorido e cômico de verdade, no interior da Milano. Até mesmo Thor, que protagoniza o começo sombrio, não perde seu passado cômico recente, já que, claro, eles “têm um Hulk” e seus músculos espantam Drax, Gamora e deixam o Senhor das Estrelas furioso. Os dois metidos de cavanhaque colocados imediatamente em choque egocêntrico são hilários de sua própria maneira, especialmente ao opor ciência à magia. Aliás, a dupla formada pelo Doutor Estranho e Homem de Ferro ganham especial destaque no filme, o primeiro por servir de canal pelo qual aprendemos sobre as joias do infinito e por portar uma delas e, claro, por certamente ter visto, dentre as 14 milhões de futuros possíveis, que, aquele que levaria à vitória dos Vingadores, inclui a entrega de sua joia do tempo a Thanos e seu auto-sacrifício. Estaríamos testemunhando o início da formação dos Illuminati, já que, obviamente, Estranho não morreu de verdade?
Outro herói muito destacado é Thor que finalmente ganha aquilo que uma boa parcela dos fãs vinha pedindo: nobilidade e gravidade. Logo deixando seu lado cômico de lado diante da desgraça que viveu, o Deus do Trovão carrega quase que sozinho uma boa parte do filme, com os detalhes da fabricação de sua nova arma, a Rompe-Tormentas, originalmente usada nos quadrinhos pelo “Thor Cavalo Cibernético” Bill Raio Beta. Ajudado pelo anão gigante vivido por Peter Dinklage em uma ótima ponta (ok, é mais do que só uma ponta) e por Rocket e Groot, este último sem uma entrada triunfal, mas certamente com um momento triunfal ao usar uma parte de seu corpo como cabo do machado, o Deus do Trovão é encarado por lentes mais guturais, mais “sujas” e que abrem espaço para a demonstração de todo seu poder e fúria quando ele finalmente volta à Terra em, sim, você adivinhou, uma entrada triunfal. Toda a sequência de Thor no espaço seja talvez um pouco longa demais, ocupando mais tempo do que deveria dentro da engrenagem dos Irmãos Russo, mas ela funciona bem ao nos permitir ver esse Thor com dentes trincados e uma dor interna que só muita machadada alivia.
De todos os núcleos, aquele que ganha abordagem menos inspirada é o do Capitão América e Pantera Negra ou, para facilitar, o “grupo de Wakanda”. O objetivo dos Irmãos Russo, claro, foi de incluir uma sequência de guerra em larga escala para que o pessoal chato que reclamou que não teve guerra em Guerra Civil, parasse de encher a paciência deles. E, apesar de a pancadaria desenfreada contra os monstrengos genéricos da Ordem Negra (não falo – ainda – da Ordem Negra em si) ser bem coreografada, com belas tomadas aéreas e alguns travellings bem no meio da ação, há, ali, uma certa diluição da importância dos personagens. O Capitão não é mostrado em seu papel natural de liderança ou como estrategista constante e o Pantera Negra chega até mesmo a ter um papel de certa forma conflitante com o do Capitão. Não é que isso seja um grande problema, pois não é, mas é visível qual foi o elo mais fraco nessa divisão de grupo.
Buchas de Canhão
Ainda como parte da divisão de funções e de grupos, não poderia deixar de abordar o papel da tão falada e tão esperada Ordem Negra, ou os minions mais robustos de Thanos que são enviados para a Terra para recolher as joias do Doutor Estranho e do Visão. Se, de um lado, a importância desses personagens – Fauce de Ébano (Tom Vaughan-Lawlor), Próxima Meia-Noite (Carrie Coon), Corvus Glaive (Michael James Shaw) e Cull Obsidian (Terry Notary) – é reduzida em comparação ao que se esperava e à ameaça que representavam como devotos do deus Thanos (nos quadrinhos, filhos), por outro o enfoque dado pelos Irmãos Russo a eles impediu sua redução a meras buchas de canhão.
Afinal, as buchas de verdade, aqui, são as criaturas que morrem às arrobas na batalha de Wakanda. A Ordem Negra, dividida em frentes de ação, é de difícil eliminação, o que acaba valorizando cada um deles, com especial destaque para Fauce de Ébano, que segue para Nova York para obter a joia do tempo do Doutor Estranho e que mostra ter vastos poderes psiônicos que fazem Estranho, Wong, Stark e Parker cortarem um dobrado, só mesmo vindo a morrer depois que este último convence seu mentor a usar a “estratégia Aliens, o Resgate“.
Até mesmo o grandalhão Cull Obsidian é uma dificuldade para matar, considerando que os vilões maiores normalmente são os que vão primeiro e isso sem contar com o bom combate que Próxima Meia-Noite oferece à Viúva Negra e Okoye (Danai Gurira), em outro daqueles “momentos triunfais” talhados cuidadosamente para os fãs vibrarem. Mas, no final das contas, a tropa de elite de Thanos ainda é formada de buchas de canhão glorificadas que, porém, cumprem bem sua tarefa de estabelecer o nível de ameaça necessário para os heróis que ficam na Terra.
Uma Caixinha de Surpresas
Um filme da escala de Guerra Infinita não tinha espaço para detalhes. O que os roteiristas e os diretores fizeram poderia ser enquadrado no crime inafiançável de abuso de fã inocente. Não só vemos as já citadas auto-referências inter-UCM perfeitamente encaixadas em cada diálogo, em cada interação entre personagens, como eles conseguiram deixar espaço para algumas magníficas cartas na manga.
A presença de Peter Dinklage como o anão gigante Eitri é a primeira grande sacada, colocando o ator que notabilizou-se por seu Tyrion Lannister de Game of Thrones, em um papel de bom destaque e que ele vive muito eficientemente, misturando energia e amargura pelo acontecido em seu lar e com seus pares. Vê-se o cuidado em dar ênfase a todo e qualquer personagem, mesmo que seja o coadjuvante de função única e com escalação só para agradar um outro grupo de fãs. Tomara que Eitri volte em algum outro filme do UCM, talvez finalmente quando (e não “se”) Bill Raio Beta singrar as telonas.
Mas o melhor momento WTF é quando o Dementador (Stonekeeper, segundo os créditos) que serve de guardião para a joia da alma é revelado como sendo ninguém menos do que o Caveira Vermelha, desta vez vivido por Ross Marquand (o Aaron, de The Walking Dead). A volta do vilão era há muito especulada por todos, mas sua inclusão completamente de surpresa em meio ao mistério da única joia cujo paradeiro não conhecíamos é alvissareira e muito bem-vinda, já que abre as portas para a reinserção do personagem na mitologia do Capitão América, quiçá como grande vilão de um futuro filme dos Vingadores até. A presença do personagem, no filme, bebe diretamente de sua “morte” em Capitão América: O Primeiro Vingador, tornando-se circular e, por isso, facilmente comprável por quem acompanha o UCM desde seu começo, jamais parecendo aleatório ou apenas um fan service.
Se Loki tiver morrido de verdade, farei greve de UCM! Afinal, até o advento de Thanos, ele era o melhor e mais bem desenvolvido vilão do Universo Cinematográfico Marvel e um potencial candidato, na minha lista pessoal, a ganhar um filme solo (raios, se Venom pode ter filme solo, porque não Loki?). Espero que, com o inevitável restabelecimento dos mortos empoeirados no próximo filme, Loki volte também ou que ele tenha usado sua magia para enganar Thanos. Ou qualquer coisa. Afinal, personagens de quadrinhos que não se chamam Ben não morrem para sempre nunca! (ah, era mentira sobre a greve, ok?).
Ainda nesse diapasão, a própria mitologia da joia da alma é inserida à perfeição na narrativa. Ao apenas mencionar que a joia de Xandar já fora obtida por Thanos depois de ele arrasar o planeta, algo que realmente não precisávamos testemunhar e as outras terem seus paradeiros clara e explicitamente abordados, faltava uma explicação razoável para a joia mais importante. E ela vem dentro da estrutura de pai e filha entre Thanos e Gamora que ganha o único flashback da fita, dedicada ao momento em que o Titã adota a menina verde logo antes do massacre de metade da população de seu planeta. Claro que o roteiro toma algumas liberdades que substituem aquilo que não fora antes pensado, como a faca que Thanos presenteia sua filha e o conhecimento, por Gamora, da localização da última joia. No entanto, o preço é pequeno a se pagar por essas breves liberdades que não atravancam a narrativa, especialmente porque o resultado é trágico – mais uma morte importante pré-Manopla do Infinito completa – e reveladora da grande e, provavelmente, única fraqueza de Thanos.
Nem Tudo é Perfeito
Além dos pequenos probleminhas que fui mencionando ao longo da crítica, gostaria de aproveitar a oportunidade para falar de um que me incomodou bastante e que está bem no começo do filme: a morte dos asgardianos. Não sei se todo mundo morreu – nada leva a crer o contrário -, mas, mesmo assim, a aniquilação de quase todos (onde está Valquíria e, mais importante ainda, Korg?) esvazia Thor: Ragnarok quase que completamente. Logicamente, essa é mais uma situação que pode ser remediada com outro estalar de dedos com a manopla, mas, levando em consideração apenas as informações que tempos nessa primeira parte, considero uma escolha equivocada do roteiro para dar peso dramático ao início da obra, ainda que, no final das contas, ela funcione.
Aliás, falando em primeira parte, outro aspecto que me deixou incomodado foi toda a ginástica feita por Kevin Feige ao retirar o subtítulo Guerra Infinita – Parte 2 do quarto filme dos Vingadores, dando a entender que ele seria independente. Não só ficou evidente que ele não será independente, como essa escolha revelou-se como uma jogada marketeira boba e desnecessária. O tamanho do cliffhanger é tão gigantescamente descomunal – mas bem feito e não aquela coisa horrorosa que Peter Jackson fez ao “final” de O Hobbit: A Desolação de Smaug – que chega a ser uma trapaça não deixar logo evidente pelo título que Guerra Infinita tem duas partes. Afinal, ninguém realmente acha que o Homem-Aranha, o Doutor Estranho e os Guardiões da Galáxia morreram, não é mesmo?
Não adianta: sejam nos quadrinhos, seja no filme, EU SIMPLESMENTE ODEIO A ARMADURA DO ARANHA DE FERRO (até o nome é ridículo…). Preferiria acreditar que um dos poderes do Aracnídeo é respirar no vácuo do que ver aquela coisa horrorosa no filme. Espero fortemente que ela seja aposentada já!
Fora isso, há outras pequenas conveniências que eram completamente desnecessárias, além de preguiçosas, como o “olho mágico” que Thor ganha de presente de Rocket e a redução drástica – pela segunda vez! – do papel do Visão no UCM. O segundo caso, claro, é mais grave, pois o potencial do personagem é novamente deixado de lado, ainda que, aqui, haja uma construção mais lógica. No entanto, os Irmãos Russo definitivamente ainda nos devem uma cena épica encabeçada pelo personagem (e não, ele não morreu também não…).
O Futuro Infinito
Guerra Infinita é, sem dúvida alguma, um grande marco nos filmes de super-herói, uma prova que, com grandes planejamentos, vêm grandes filmes (sim, isso foi uma cutucada em vocês sabem quem…). É um filme “do meio”, sem dúvida alguma, mas é, mesmo assim, uma obra de relevância dentro de seu sub-gênero e uma prova do amadurecimento dos Irmãos Russo na direção, que conseguem segurar sua decupagem enlouquecida e suas tentativas de fazer uso de câmeras tremidas. Esses dois elementos ainda se fazem presentes, não tenham dúvida, mas a dupla os minimizou incrivelmente, entendendo que menos é mais, mesmo diante da escala quase inimaginável do que eles fizeram aqui. Aliás, o “menos” também provavelmente será o mote do Parte 2, pois voltamos à formação original dos Vingadores com o “empoeiramento” dos demais, mesmo que a Capitã Marvel venha para salvar o dia, como ficou evidente pela cena pós-crédito e que o time seja reforçado pelo aposentado Clint Barton e pela dupla em miniatura Homem-Formiga e Vespa.
Ao mesmo tempo, Guerra Infnita abre espaço para uma reformulação do UCM, algo que é inevitável assim como os reboots editoriais. A eliminação de boa parte dos heróis significa a oportunidade de eles serem trazidos de volta em contextos diferentes, expandindo os horizontes ainda mais para outros caminhos para a Fase 4 e além. E, claro, o filme mostra que não há limite para o que a Marvel Studios pode fazer agora em diante, ainda que isso seja algo que venha com um lado negativo: Guerra Infinita é tão impressionante em sua escala que qualquer coisa que vier pela frente será inevitavelmente comparado com o filme, o que pode levar a arroubos e delírios michaelbayanos se não houver freios pelas equipes de produção. Mas é aquilo: depois de 19 tentativas bem-sucedidas em sua maioria esmagadora, não há razão alguma para achar que o que vem por aí será menos impressionante.
Make Mine Marvel forever!
Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War, EUA – 2018)
Direção: Anthony Russo, Joe Russo (Irmãos Russo)
Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFeely
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Chris Hemsworth, Benedict Cumberbatch, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Chadwick Boseman, Tom Holland, Benedict Wong, Don Cheadle, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Josh Brolin, Tom Hiddleston, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Letitia Wright, Danai Gurira, Winston Duke, Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Pom Klementieff, Karen Gillan, Bradley Cooper, Vin Diesel, Carrie Coon, Peter Dinklage, Terry Notary, Benicio del Toro, Gwyneth Paltrow, Stan Lee, Idris Elba, William Hurt, Tom Vaughan-Lawlor, Michael James Shaw, Ross Marquand
Duração: 149 min.
Texto do Ritten Fan
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