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Machado de Assis Prova Que Nunca Fomos Tão Modernos

Outro dia papeava com o doutor Sérgio Alcântara Monteiro Nunes, ilibado causídico que aprecia sem moderação cigarros de palha, uísque, mulheres e  boa literatura. Era deste último assunto que nos ocupávamos na ocasião. Doutor Sérgio relia Esaú e Jacó, do grande Machado, em busca de um espelho para o momento que vivemos.

Talvez seja descabido ou um exagero fazer paralelos entre a transição política que o romance explora e as mudanças que nossa última eleição simboliza”, dizia, “Mas, que diabos, tudo serve de desculpa para reencontrar o gênio!”, arrematou aos risos.

Havia, de fato, uma grande verdade nisso. Depois, já em casa, enquanto procurava o meu exemplar do livro, deparei-me com outro na estante, que reacendeu as reflexões acerca do assunto: Por que ler os clássicos, do Ítalo Calvino, reúne diversos ensaios onde o italiano discorre sobre os grandes nomes da história literária mundial e a importância de lê-los… E relê-los.

Fonte primária de inspiração, personalidades como Homero, Balzac, Dickens, Tolstói, entre outros, não apenas aperfeiçoaram a vocação humana para contar histórias, como também a fizeram de maneira relevante, profunda, complexa, servindo de base e referência para tudo que surgiu à sua volta e depois. Os clássicos são livros que servem de bússola para os caminhos da ficção, que reorientam não apenas a nossa maneira de ver o mundo, mas o próprio mundo.

Em terras tupiniquins, o nome primevo que nos ocorre é sem dúvida Machado de Assis. Ourives da palavra, cultor da língua de maneira inteligente e instigante, mente criativa que transitou do espectro romântico para o realismo de maneira sagaz e definitiva, Machado é um farol que sempre nos guiará, de uma maneira ou de outra. Em que sentido?, pode o caríssimo leitor desta coluna se indagar nesse instante. Ora, em tudo aquilo que faz de um autor, um clássico.

Deixemos as abstrações de lado. Evoco o conto Fulano como amostra viva do que digo. Publicado inicialmente no jornal Gazeta de Notícias em janeiro de 1884 e compilado posteriormente em Histórias Sem Data, a narrativa se faz num tom informal, em que o narrador-personagem expõe a um ouvinte silencioso (papel que cabe a nós, leitores) pego em trânsito, a vida de Fulano Beltrão, morto recentemente.

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É para a leitura de seu testamento que se encaminham, e no trajeto conhecemos a figura régia que se manteve no anonimato por grande parte de seus anos, até o dia em que, aniversariando, ganhou de um amigo matéria elogiosa no jornal. Foi o que bastou para que sua vida mudasse para sempre. Fulano sentiu-se alguém importante, falado e lembrado pelos outros. E imbuído na necessidade de manter-se assim, figura pública por razão nenhuma, decide se meter nas mais diversas causas e ações, sempre em vista de uma nota no jornal que o mencionasse.

Fulano (a genialidade do nome fala por si) promove doações à Igreja; se envolve na libertação de escravos; tenta cargo político e vira maçon. Sempre em busca da relevância social. E mesmo na morte não se faz ausente: lega sua herança para construção de uma estátua de Pedro Álvares Cabral, figura pouco reconhecida pela população, segundo afirma.

Se trocarmos os jornais pelas redes sociais e as causas que mobilizam o personagem por outras mais estúpidas, podemos ver quanto do enredo continua atual. A busca pela fama, por curtidas, muitas vezes pelas razões mais absurdas ou degradantes é a marca dos nossos dias, registrados que são em milhões de selfies ao redor do mundo. A efemeridade não só da aceitação e simpatia, mas da admiração constantemente alimentada, por vezes de modo fútil.

Como Calvino afirma em seu texto, o clássico é aquele livro ou autor ao qual sempre recorremos para entender melhor as coisas. E justamente por se fazerem tão perspicazes da realidade que procuram emoldurar, os clássicos nos pertencem sem percebermos claramente. O que os torna ainda mais essenciais.

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Há mais de um século Machado de Assis extrapolou seu próprio tempo ao discorrer sobre a vaidade e as ânsias do ser humano. O que mais teria a nos oferecer? Fica o conselho de nosso simpático advogado: tudo é desculpa; arranje, pois, uma e mergulhe na leitura de algo que provavelmente mudará sua compreensão da vida para sempre. Quer algo mais instigante?

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br