Conheça a história real que o novo sucesso da Netflix, Bárbaros, se baseou para fazer sua série.
A nova série “Barbaren”, produção alemã que estreou no Netflix, tem como tema central a célebre batalha da floresta de Teutoburgo, na atual Alemanha, envolvendo tribos germânicas e o exército romano no ano 9 d. C. A produção tem influências de séries anteriores, como Roma da HBO e Vikings. A cultura material foi bem reconstituida, especialmente das comunidades germânicas da Idade do Ferro, baseando-se em estudos dinamarqueses e alemãs.
A série apresenta os germanos como tendo um passado linear e uniforme – exemplo é com o resgate dos mitos antigos via fontes medievais, da área escandinava (uma tradição que foi popularizada na academia com Georges Dumézil). O Ragnarok é apresentado em diversos momentos, referindo-se ao momento em que o lobo atacaria os principais astros celestes. O problema é que não existem referências literárias e iconográficas desta cena que seja anterior ao século X d.C. Apesar da figura do lobo ser bem mais antiga e importantes no simbolismo e religiosidade dos povos germânicos, não existem referências objetivas do Ragnarok no período que vai do século I ao X d.C., nem mesmo nas bracteatas durante o período das migrações (apesar de um canídeo aparecer em Trollhättan, SHM 1164). Possivelmente a imagem do Ragnarok foi influenciada por catástrofes ambientais, vulcanismo, eclipses totais do Sol e passagens de cometas após o século VIII (ver Langer, 2018).
A identificação do lobo com o deus Wotan é correta – isso é confirmado pela bracteata de Skydstrup (Dinamarca), onde um figura masculina surge junto a dois pássaros, um cervídeo, duas serpentes entrelaçadas e um canídeo feroz, datada do século V-VI d.C. Mas uma ressalva – a série somente destaca o deus Wotan, que não era a única deidade importante para este período (além de Tiwaz, deuses gêmeos e da fertilidade, etc), algo bem diferente do que vai ocorrer depois com Odin – o mais celebrado deus dos guerreiros e aristocratas durante a Era Viking.
Essa equalização genérica entre germanos antigos e medievais, na realidade, foi um processo seguido desde o século XVIII pelos artistas, sempre em consonância com ideais nacionalistas modernos – cujo maior exemplo são as óperas wagnerianas. E o personagem principal da série, Arminius, foi considerado no Oitocentos como “o pai original dos alemães”, sendo erigida em 1875 a sua famosa estátua em Detmold. Ou ainda, a pintura de outra personagem desta série, “Thusnelda im Triumphzug des Germanicus” (Carl Theodor von Piloty), de 1873. Aqui recordamos a análise do professor Sandro Teixeira durante o VII CEVE (link no final do texto) em 2019 (A presença feminina na guerra do mundo germânico) para esta última pintura comentada, onde o feminino marcial adquire novos sentidos para a modernidade, em busca de seus valores ideológicos para as nações que se formavam naquele momento. E obviamente, Thusnelda é uma contrapartida da personagem Lagertha nesta nova série alemã.
Certamente a série Barbarians ainda via render muita discussão e análise por partes dos germanistas, escandinavístas e acadêmicos em geral. A relação entre Arte e História é algo necessário a ser estudado constantemente pelas ciências humanas.
Esse texto faz parte da Comunidade NEVE: Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos
Para saber mais:
Guia da Dinamarca Viking: http://neve2012.blogspot.com/…/guia-da-dinamarca-viking…
Guia da da Alemanha Viking: http://neve2012.blogspot.com/…/guia-da-alemanha-viking…
LANGER, Johnni. The Wolf’s Jaw: an Astronomical Interpretation of Ragnarok. ARCHAEOASTRONOMY AND ANCIENT TECHNOLOGIES 6(1), 2018. https://www.academia.edu/35853957
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