Comecei o ano redescobrindo o porquê de Hellblazer ser um marco nas Histórias em Quadrinhos. Por um acaso uma edição de Hellblazer Origens chegou às minhas mãos naquela hiato de nossas vidas entre o Natal e o Réveillon. Acabou se tornando minha prioridade de leitura. O texto inebriante de Jamie Delano com o traço super expressivo de Richard Piers Rayner (Estrada Para Perdição) não poderia ter tido opção melhor para fazer a transição de 2019 para 2020.
Trata-se de uma história estranha do Constantine. Chama-se “Na Praia” e foi publicada em Hellblazer Origens volume 3, saindo, originalmente, na edição 13 do título do personagem, em 1988.
O que mais me chamou atenção no que li em “Na Praia” é o estranhamento que ela causa. Uma narrativa muito incomum, na linha do que se constituiu como a basa de um estilo Vertigo: uma temática mais “adulta”, “sugerida para leitores maduros”. Certamente que “adulto” não é o melhor dos adjetivos quando se avalia uma obra, mas é uma questão que me faz questionar quem lê Constantine hoje em dia e como uma história como “Na Praia” pode ser recebida pelos leitores modernos ou mesmo pelos atuais escritores do personagem.
“Na Praia” dificilmente entraria em qualquer lista de melhores histórias do Constantine. Provavelmente, nem em seu Top 100, principalmente por causa de seu final banal e previsível do tipo “era tudo um sonho”. Entretanto, ao terminar de lê-la, não pude deixar de pensar sobre ela.
Nesta hq, temos Constantine com um óculos de sol ridículo, delirando sobre um futuro apocalíptico radioativo. Um medo contemporâneo a Chernobyl. Essa história me lembra o quanto o bruxo de Londres é um lamuriento defensor da natureza e da humanidade, um romântico ao mesmo tempo que um pessimista, duas faces que não cabem na mesma moeda. Assim é John Constantine de Jamie Delane, seu verdadeiro criador.
Historias como “Na Praia” mostram que, mesmo nas baixas curvas de qualidade do título (sempre acima da média), podemos nos encontrar com algo maduro, com um drama humano que foge dos fogos de artifícios e bolas de fogo dos magos adolescentes e coloridos que temos nos gibis.
O personagem possui suas particularidades, habilmente moldadas por Jamie Delano ao longo de quase 4 anos. Lendo esses gibis, percebo que Constantine sempre preocupou-se em chutar traseiros de demônios, mas ele possui, lá no fundo, uma personalidade narcisistica e melancólica além da superficial e escrota rabugice.
Existe certa poética intimista nessas histórias antigas assinadas por Delano que hoje não consigo encontrar paralelo, não só em Constantine, mas no universo pop dos quadrinhos. Imagino que não seja apenas nostalgia, já que só vim ler, esparsadamente, o personagem a partir dos anos 2000. São contos urbanos tristes, porém agridoces, como as melhores histórias de nossa vida.
É evidente, contudo, que a Vertigo realmente acabou e que eu sou um velho de quase 40 anos, mas o melhor Constantine que há será sempre uma versão podre do Sting, usando um sobretudo amarelo e desgastado, mesmo que numa beira da praia e que acredita no poder da vida crescendo, mesmo que esta seja seu filho: uma foca de duas cabeças mutante restejando na areia radioativa como uma tartaruga marinha sendo devorada por esqueletos de gaivotas carniceiras.
Leave a Reply