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COSAC NAIFY: Garimpando o catálogo em busca de tesouros

A questão me surgiu enquanto separava alguns livros na estante: uma amiga pedira dicas de leitura e costumo sempre repassar sugestões de títulos curtos para não assustar o leitor casual. Então lá estava eu, olhando para os volumes empilhados em busca estritamente daqueles que tivessem o menor número de páginas. Calhou de alguns deles serem publicados pela Cosac Naify e me peguei pensando “esses não, vai que ela perde ou danifica e não seria nada fácil arranjar outro igual”.

O motivo? A editora encerrou suas atividades em 2015 e seu catálogo desde então se tornou o grande fetiche para qualquer bibliófilo ou simples amante do papel impresso. Não que suas edições não chamassem atenção antes: a Cosac sempre se notabilizou pelo capricho gráfico e bom gosto na seleção de suas publicações. Mas pagou o preço pelo ineditismo de sua atuação, praticando preços que, embora justos frente à qualidade que ofereciam, estavam longe da realidade do mercado e apresentando autores muitas vezes sem grande apelo comercial. Ocasionalmente emplacavam algo entre os mais vendidos da semana, mas esses sucessos esparsos não conseguiram sustentá-la.

Quando seu fundador Charles Cosac anunciou o fim das atividades da editora, a notícia caiu como uma bomba entre os leitores. Iniciou-se uma corrida pelos títulos mais famosos antes que esgotassem de vez e simultaneamente nasceu um mercado paralelo de obras raras como o clássico russo Oblómov, de Ivan Goncharov, que chega a ser vendido por mais de 500 reais os exemplares de sua primeira tiragem. Infelizmente, a editora saiu de cena justamente quando o cenário começou a se tornar economicamente viável para edições que primassem tanto pelo conteúdo quanto pelo luxo da encadernação, vide o surgimento da Darkside Books e o destaque que ela alcança.

Aos poucos, alguns impasses foram se resolvendo. O estoque da Cosac Naify, que corria risco de ser destruído por falta de recursos para sua manutenção, veio a ser adquirido pela Amazon para venda exclusiva no seu site. Enquanto isso, vários autores outrora publicados por ela encontraram novo “lar”: seja Samuel Beckett ou William Faulkner pela Companhia das Letras; Alejandro Zambra pela Tusquets ou Valter Hugo Mãe pela editora Globo. No entanto, não acredito que todos terão a mesma sorte. Diante de um catálogo bastante diversificado, é possível se deparar com certa frequência diante de autores completamente desconhecidos, mesmo para quem procura se manter informado sobre a cena literária.

É pensando no quanto seria lamentável que tantos livros caíssem no esquecimento ou tivessem o seu valor reconhecido apenas entre um pequeno grupo de iniciados que decidi fazer duas listas com indicações de títulos que valem muito a busca, podendo se revelar ao desbravador que os garimpar – seja na Amazon se ainda estiverem disponíveis, seja nos sebos da vida – verdadeiros exercícios de estilo e refinamento narrativo, imbuídos de um maravilhamento que por vezes transposta para outra cultura, outro tempo, deixando sua marca ao fim da leitura.

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Nesta postagem deixo 5 sugestões de literatura estrangeira publicada pela Cosac Naify. Posteriormente farei outra lista com 5 sugestões de literatura brasileira. Bem, vamos lá. Seguem então os títulos com a sinopse de cada um, lembrando que alguns deles ganharão resenha individual.

.Adam e Evelyn, de Ingo Schulze: Agosto de 1989. Numa pequena cidade da Alemanha Oriental, o designer de roupas Adam vive com a namorada Evelyn numa casa antiga que é também o ateliê em que ele trabalha e recebe as clientes. Num dia fatídico, porém, Evelyn descobre que a relação dele com as mulheres para quem costura extrapola os limites profissionais. A sonhada viagem de férias do casal ao paradisíaco lago Ballaton, na Hungria, cai por terra, e eles acabam empreendendo a jornada para o país vizinho separadamente. Evelyn pega carona no Passat vermelho de um amigo da Alemanha Ocidental, enquanto Adam os segue em seu velho carro. A empreitada acaba tomando dimensões maiores quando as fronteiras da Hungria se abrem para o Ocidente e o muro de Berlim parece estar com os dias contados. Ingo Schulze realiza aqui uma bela história de amor encenada nos últimos suspiros da República Democrática Alemã e acompanha a entrada traumática deste casal em crise num mundo totalmente novo.

.Coração Apertado, de Marie Ndiaye: Com uma linguagem e atmosfera que lembram o melhor de Kafka, Coração apertado é um romance perturbador, narrado em primeira pessoa pela protagonista Nadia. Ela e Ange são um casal de professores de escola primária no interior da França, extremamente dedicado a seu ofício. De uma hora para outra, começam a notar que seus vizinhos, alunos, colegas e desconhecidos passam a olhá-los e tratá-los de modo diferente e violento, sem um motivo aparente. Já no início da narrativa, Ange é ferido e seu corpo passa por metamorfoses visíveis – outro acento kafkiano. Com uma escrita sóbria e densa, Marie NDiaye cria um suspense apavorante, com toque de humor ferino e dilacerante, que não se desvia das tensões sociais da França de hoje.

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.No Mar, de Toine Heijmans: Em meio a uma imensa crise pessoal e profissional, Donald, um homem de 40 anos, sai numa viagem de três meses pelo Mar do Norte, a bordo do veleiro Ishmael. Nos últimos dias do trajeto, terá a companhia de sua filha de sete anos, Maria. Será a primeira vez que os dois ficarão sozinhos, sem os cuidados da mãe, Hagar. Quase chegando a seu destino final, ele perde a filha de vista e as coisas começam a sair de seu controle. Esse narrador, nada confiável, escreve a experiência num diário de bordo, numa clara referência a Donald Crowhurst, navegador amador que morreu durante uma competição ao redor do mundo, em 1969, depois de mandar uma série de falsos relatórios afirmando que estaria na rota correta e muito perto de cumprir o trajeto. Ao longo de No mar, aspectos importantes da vida do narrador vão sendo revelados: eis um homem que oscila entre a autoconfiança absoluta e uma grande insegurança, fragilizado e cindido entre a vida que deseja ter e a que tem de fato.

.Noturno Indiano, de Antonio Tabucchi: Neste trabalho instigante, acompanhamos o narrador que, em busca de um amigo que não vê há anos, aventura-se numa Índia cada vez mais misteriosa e intrigante. A jornada, que começa na tumultuada Bombaim e termina no litoral de Goa, é composta por doze capítulos que retratam eventos de doze diferentes noites em doze distintos lugares da Índia. Relato de viagem e romance policial se misturam e, pairando sobre a história, está a pergunta: quem está em busca de quem?

.Sangue no Olho, de Lina Meruane: Estreia da autora chilena no Brasil, este romance narrado em primeira pessoa conta a história de uma mulher que vê tudo ao seu redor se modificar quando se dá conta que está quase cega. A enfermidade – seus olhos se encharcam de sangue –é tratada por Leks, o médico russo que a submete a um extenuante périplo de exames, sem nunca chegar a um diagnóstico. Enquanto espera por uma definição, Lina passa a viver entre Nova York e Santiago do Chile – cidades que também são como personagens do livro – e reconfigura todas as suas relações pessoais: os velhos fantasmas familiares saem à luz e a relação com o namorado, Ignácio, ganha traços perversos.

 

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br