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Opinião| E3 2018 e o porquê de eu odiar vídeo games

Eu não realmente odeio vídeo-games, mas qualquer um que converse comigo sobre o assunto pode acreditar piamente que sim.

Estive postergando a escrita deste texto por muito tempo; em parte por não saber exatamente como pôr todos estes sentimentos em palavras, e em parte por prostração de fazê-lo.

Mas aqui está.

Boa parte dessas reflexões eu tive durante as poucas conversas que tive girando em torno da conferência da E3 2018, com todos os seus anúncios de Jump Force, Halo, Resident Evil 2, etc.

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“O público não sabe o que quer. Se eles soubessem, seriam o artista, não o público.”

É nessa citação de Alan Moore que devo começar a explicar o que eu consigo ver dentro da E3: Ninguém ali quer te dizer nada. Esse é o resumo em uma frase do pensamento, mas irei desenvolver em mais algumas linhas para que vocês consigam compreender exatamente o que eu digo:

Não dá pra agradar todo mundo. E em um meio artístico, você precisa se concentrar em dizer o que você quer, em passar uma experiência para o público. Utilizando-me de uma longa analogia: quando você vai em um restaurante de comida mexicana, você quer comer comida mexicana. Você quer essa experiência, que pode ser bem diferente, e o restaurante se especializa nisso. Veja bem: O restaurante provém algo, e VOCÊ vai atrás. Você é o público, e o chefe de cozinha é o artista.

Existem também as franquias que querem agradar todo mundo, como o Subway: Eles botam vários ingredientes aleatórios e você escolhe. O público escolhe, enquanto o restaurante em si não se foca em nenhum tipo de experiência única, e o resultado é que todo sanduíche tem o mesmo gosto de fazendinha radioativa. Isso é a experiência que tive com a E3.

Absolutamente tudo parece ter seguido o gosto do freguês. Devil May Cry novo? Toma aí DMC 5 com os mesmos personagens de antes! Novo Resident Evil? Bem, você pode ficar com este “novo jogo velho”! Quer jogo de samurais ou de barcos? Que tal um anúncio novo desses a cada 5 minutos?

São franquias requentadas, escolhidas pelo público. E embora eu entenda que, como uma indústria gigante, não tenha objetivamente nada de errado com isso, é também necessário reconhecer que ao manter esse conservadorismo exacerbado, também pode estar dificultando a inclusão de novas pessoas no meio; por estar perpetuando a fala de um “código” que nem todos compreendem.

Mesmo anúncios “novos” (exceto um, que mais na frente falarei sobre) como o Jump Force me deixaram pensativo se essa mídia é algo pra mim. Poxa, tanta gente mais velha que eu vendo tudo e pirando, e eu que fico ranzinza sobre tudo? O que está acontecendo com o Mundo?

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Jump Force é uma bagunça.

Jump Force é uma bait. Só pode ser. E eu mordi sem dó.

O trailer de anúncio do jogo é o cúmulo do fetichismo gráfico: Um jogo focado na luta de personagens da revista de mangá “Shonen Jump!” com gráficos ultra-realistas. MANGÁS esses que são conhecidos justamente por seus exageros e estilos peculiares de retratar a realidade em que seus personagens estão inseridos; dentro de um jogo com gráficos e texturas extremamente realistas, que mostram um cenário urbano em alguma megalópole.

Não precisa ser assim para ser bom. O realismo gráfico que muitos jogos de grandes desenvolvedoras parecem correr atrás é algo muito surreal para que eu consiga entender. Talvez seja para mostrar a potência do console? Talvez seja algo realmente proposital e que eu não tenha entendido? De todo modo, vou deixar as palavras do artista David Mazzucchelli sobre realismo e super heróis falar por mim sobre este tópico, uma vez que se encaixa perfeitamente no que eu quero dizer:

“Uma vez que uma representação [de heróis e seus fantásticos poderes] envereda para o realismo, cada novo detalhe que surge desencadeia uma série de perguntas que expõem o absurdo no coração do gênero. Quanto mais realistas eles [os heróis] ficam, menos críveis eles se tornam”

É exatamente essa suspensão da descrença que eu vejo se encaixando não somente em Jump Force, embora seja o exemplo mais gritante disso; como também de várias outras franquias.

Death Stranding

“Death Stranding em uma corda: Para subir ou para enforcar?”

O fato de Death Stranding ser tão estranho e fazer com que tantas pessoas saiam “sem entender nada” é o que mais me fascina sobre o jogo. Não por ser feito pelo Hideo Kojima, não para pagar de cult ou qualquer coisa do gênero. Mas sim porque é um jogo que tem uma linguagem própria, uma forma própria e teoricamente única. É uma experiência diferente, e justamente pelo fato de ser uma experiência tão fora do comum, ela é tão importante.

Em uma indústria onde eu vejo os mesmos jogos, mecânicas e personagens sendo requentados durante anos, e em um lugar onde até franquias novas (como The Last of Us) parecem absurdamente familiares; uma experiência nova é mais do que bem vinda em meu coração.

Pena que pros meus amigos eu virei só o cara que disse que tava tudo uma merda.

 

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