Uma pequena cidade dentro do coração do nordeste se torna uma terra sem lei e palco de um cenário muito sangue, armas e um povo lutando por liberdade, água, comida e caçando que estiver contra isso.
Esta resenha conterá apenas breves análises do filme, já que eu consegui um entrevista com os diretores Kléber Mendonça e Juliano Dornelles. Então alguns detalhes precisos da obra Bacurau, ficará nessa entrevista que sairá logo e exclusivo no meu blog Balaio Cultural.
A ideia do filme Bacurau surgiu em meados de 2009, segundos os diretores, mas em seu terceiro longa-metragem, o crítico de cinema que virou diretor Kleber Mendonça Filho, nunca foi tão atual em seu novo trabalho em parceria com Juliano Dornelles, se falarmos das conjecturas políticas que nosso país vive neste momento. Como em seu filme anterior, Aquarius, o fascismo trabalha de maneiras misteriosas e por causa disso, Bacurau é ansioso e ameaçador. Os dois mantém o verdadeiro inimigo tentadoramente fora de foco. Bacurau é sobre exploração, quem importa e quem é descartável.
Bacurau é uma pequena e pobre cidade no árido sertão nordestino do Brasil; mas também é uma espécie de utopia com sua comunidade unida que se mantém firme contra ameaças externas, sejam elas as autoridades que estão tentando cortar o suprimento de água ou um major corrupto que tenta trocar comida vencida por votos. A primeira metade do filme mostra como os moradores dessa singular cidade são excêntricos, como a médica delirante de Sônia Braga, e os ritmos e tradições que acontecem numa terra empoeirada estão cheias de referências e com uma lógica que o telespectador precisa prestar atenção para não se perder.
Kléber Mendonça e Juliano Dornelles nos manipula numa narrativa e montagem que beira ao exagero, mas que nunca perde o foco da mensagem que está passando. É apenas uma falsa confusão para mascarar as intenções dos personagens.
A cidade desaparece estranhamente do mapa, não existe mais sinal de comunicação e externamente, parece esqueceram a cidade completamente, além disso, e os cadáveres se acumulam. Agora junte um drone que parece um disco voador e assombra a população, assassinos com trajes de motoqueiros neon e uma legião de mercenários estrangeiros sedentos de sangue, e o que surge é um filme de terror B que se não fosse pelo drone, poderia ser ambientado sem dificuldades nos anos 50.
Bacurau tem diversos tons, oscilando alegremente entre tragédia, comédia, surrealismo e, mais tarde, um banho de sangue delirante, você entende que pela perspectiva dos moradores a barbárie é a única solução. Enquanto amigos e familiares são abatidos, o realismo assume o controle e o horror do massacre de vidas inocentes permanece, mesmo quando o filme parece que quer se exibir. Os diretores são apaixonados por truques visuais e referências afetuosas a filmes antigos. O nome John Carpenter apareceu enorme e em neon enquanto assistia o Bacurau.
Udo Kier como seu demônio volátil de um líder compensa. Ele obtém as melhores falas do filme e sabe como ficar do lado certo de desequilibrado, enquanto seus colegas assassinos discutem desajeitadamente seus motivos e superioridade racial.
É uma pena que Sônia Braga não tenha espaço para vagar como Udo Kier. A cena em que os dois personagens se encontram faz com que você deseje mais isso. Aliás, esse é um ponto importante ao refletir sobre Bacurau, os diretores evitaram dar ênfase em protagonistas singularizados, mas criar no filme uma representação coletiva, sustentada por seu ótimo conjunto de atores: Barbara Colen, Carlos Francisco, Thomas Aquino e Wilson Rabelo entre outros criam uma intensa empatia com o público e nos fazem torcer para que eles resistam ao massacre dos invasores americanos.
Felizmente, o próprio Bacurau volta ao foco e o conflito não é uma organização pura de vítima / agressor. Reza a lenda que, muito antes de Pedro Álvares Cabral descobrir o Brasil, os fenícios (povo de origem semita canaanita que se estabeleceu no país de Canaã por volta do século XXVIII a.C) já haviam visitado o nosso país. Certa vez, uma embarcação fenícia desembarcou em terras brasileiras e, dentre eles, havia um escriba que vivia escrevendo em rochas e em pergaminhos. Em um belo dia, esse jovem rapaz se perdeu na mata e foi parar em uma tribo indígena. Quando chegou ao local, ele foi confundido com uma espécie de Deus Pássaro. Então, os índios vestiram este homem branco com uma roupa coberta de penas. Porém, o deus Tupã se zangou e transformou o escriba em um pássaro que foi batizado de bacurau. Apesar de tantos acontecimentos, o escriba não parava de fazer anotações em seu pergaminho e daí surgiu o ditado: “É dizendo e bacurau escrevendo!”. Mesmo após séculos, o escriba continuou em forma de bacurau.
Agora pegue o que estamos vivendo em nossa política e façam a alegoria.
No final, o filme é consumido num banho de sangue, mas ainda equilibra a diversão do gênero (ação, terror, suspense, faroeste e ficção científica) que nos remete à época do cangaço.
Veredito
Bacurau é poderoso. A força do filme está justamente em mostrar essa explosão de violência, sem perder, no entanto, a empatia pela transformadora forma de convivência na diferença que o filme apresenta. Essa sociedade dos que se tornaram nos últimos anos párias (professores, médicos comunitários, travestis, putas, pequenos bandidos, cantadores, consumidores de psicotrópicos, curandeiros, bêbados etc…), um universo de pessoas não brancas e não integradas, forma a comunidade do filme que buscará reagir à violência a que são submetidos.
Simplesmente uma festa ao cinema brasileiro. E está em cartaz em Brasília (DF), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Recife (PE), Salvador (BA), Fortaleza (CE), Aracaju (SE), João Pessoa (PB), Maceió (AL), São Luis (MA), Teresina (PI), Poto Alegre (RS), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Belém (PA), Manaus (AM), Boa Vista (RR), Macapá (AP), Palmas (TO), Ri o Branco (AC), Porto Velho (RO), Campina Grande (PB), Caruaru (PE), Guarulhos (SP), Campinas (SP) e mais 50 cidades.
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