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Crítica | Conheça Wolfwalkers, o melhor filme de animação de 2020

Resenha crítica de Wolfwalkers, uma das animações mais fascinantes de 2020

Wolfwalkers
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Resenha crítica de Wolfwalkers, uma das animações mais fascinantes a que assisti em anos. Então aqui teremos um texto muito mais coração do que razão. Espero que gostem.

O fascínio de um mito ou de um conto de fadas não está apenas em sua história, já que, para vários povos, essa forma de narrativa é, de alguma forma, uma verdade maior transmitida por meio de sentimento e forma. As lendas são verdadeiras em um sentido profundo, mesmo que os eventos descritos nelas nunca tenham acontecido.

Essas verdades profundas, escondidas em contos fantásticos, e as imagens que as transmitem são o que torna Wolfwalkers tão fascinante. O filme é uma releitura animada de uma lenda sobre criaturas parte humanas e parte lobos, chamadas Wolfwalkers. Na versão disponível no Brasil, o título continuou como o original, já que o nome faz parte do folclore oficial dos irlandeses.

 O filme foi todo feito à mão pelo famoso, querido e irlandês estúdio de animação Cartoon Saloon, que já é aclamado pelas animações The Secret of Kells (2009) e Song of the Sea (2014). É fácil perceber a origem das produções do estúdio, porque, embora o estilo varie ligeiramente de filme para filme, há uma qualidade incorporada na arte. Além disso, quando assistimos a essas animações, sentimos o artista por trás daquilo.

O Cartoon Saloon está sediado na cidade medieval Kilkenny, ou seja, eles só precisavam olhar pela janela do prédio para produzirem Wolfwalkers

Wolfwalkers acontece em 1650, quando (segundo a lenda) a cidade foi ocupada pelos ingleses, chefiados por um homem devoto e cruel, a quem todos chamam de Lorde Protetor.

Claro, na animação, eles não precisam falar a origem da lenda, mas eu precisei pesquisar. Para quem é amante de história medieval, Wolfwalkers é baseado também na história de um Lorde Protetor, chamado Oliver Cromwell, que sitiou Kilkenny, forçou a população a se ajoelhar e assumiu como governante em 1650. Cromwell, um inglês puritano, era famoso por sua tolerância com vários grupos religiosos – desde que fossem seitas protestantes. Os irlandeses eram católicos, e essa linhagem do cristianismo, combinada com a rica herança de magia e cultura antiga da Irlanda, representava uma ameaça à ordem social inglesa.

Wolfwalkers brinca com essa história, enquanto conta uma história que a transcende. Dirigido por Tomm Moore e Ross Stewart, é a história de Robyn Goodfellowe (dublada originalmente por Honor Kneafse), uma jovem inglesa que foi para Kilkenny com seu pai, Bill (dublado originalmente pelo famoso Sean Bean), um caçador de lobos. O Lorde Protetor (Simon McBurney) é inflexível no posicionamento de que os lobos que vivem nas florestas perto das muralhas da cidade devem ser caçados e destruídos, para que a floresta possa ser derrubada para prepará-la para o cultivo pelos habitantes da cidade.

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Robyn adora seu pai, um homem de ombros largos e coração bondoso, que acredita em obedecer ordens e manter segura sua filha sem mãe. Ela, entretanto, também está curiosa sobre o que está além dos portões da cidade e implora ao pai que a leve com ele para caçar lobos. Ele se recusa. Um dia, Robyn sai de fininho e conhece uma garotinha com cabelos ruivos flamejantes, chamada Mebh (dublada originalmente por Eva Whittaker).

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Acontece que Mebh é uma wolfwalker, um ser mítico que é humano quando está acordado, mas se transforma em um lobo quando seu corpo humano adormece e fica livre para vagar pela floresta. A mãe de Mebh também é uma wolfwalker, mas sua forma humana está adormecida há anos em sua toca, onde vive toda a sua matilha. Mebh não tem certeza para onde o espírito lobo de sua mãe foi, ou quando ela retornará. Robyn se torna amiga de Mebh e promete ajudá-la, mas o que ela descobre ameaça mudar totalmente a ordem social.

“Mebh” é uma palavra que vem do céltico e, em português, pode ser traduzida mais ou menos como “Mulher de Cabelos de Mel”, mas também pode significar “Mulher Venenosa”.

Voltemos ao filme. Assistir a Wolfwalkers é mergulhar no esplendor visual. Na maior parte do filme, a animação é renderizada em formas geométricas, com curvas suaves e linhas retas, com características exageradas do tipo que você pode encontrar esculpidas em uma parede de uma caverna. E é proposital.

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Da mesma forma, a perspectiva e o uso da câmera são ocasionalmente distorcidos, quando se observa tudo se movimentando, para que tenhamos profundidade. Quando olhamos por cima da cidade de Kilkenny, vemos fileiras de telhados, pontuados por grandes igrejas e castelos, que são girados ou deslocados para que possamos ver suas fachadas.

Esses detalhes técnicos parecem feitos apenas para olhos treinados, mas, na verdade, uma criança de cinco anos vai conseguir vislumbrá-los.

Como dito acima, tudo é intencional, o que faz com que toda a história pareça mais antiga, como se as pessoas do passado a tivessem desenhado para nós a encontrarmos no futuro. Esse estilo se mistura com outros no filme – flashes assustadores de dentes à mostra, fotos cortadas que destacam olhos assustados, trípticos que nos mostram vários quadros do que está acontecendo em uma praça inteira à primeira vista e fogo que parece desenhado com tons pastéis e carvão. Na verdade, foram desenhados com carvão mesmo. Às vezes, o primeiro plano é colocado sobre fundos que parecem não estar totalmente preenchidos com cores ou acabados, com as marcas de rascunho ainda visíveis, como se os artistas quisessem nos lembrar das raízes narrativas desses contos populares.

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Isso é de uma profundidade e delicadeza sem igual. Por isso, Wolfwalkers me emocionou tanto. 

A história que eles têm para contar é importante. O Senhor Protetor, devemos entender, está sempre falando sobre “o Senhor”, mas é um jogo astuto de palavras. Visualmente, começamos a perceber que ele se vê como árbitro do que o Senhor deseja. Ele diz que o povo irlandês não terá nada a temer se “confiar na vontade do Senhor”. Quando ele ora, ele não pergunta qual é a vontade do Senhor – ele diz ao Senhor: “é a sua vontade”. Ele olha para seu próprio reflexo em sua espada e declara: “Senhor Deus Todo-Poderoso, proteja-me”. Em sua própria mente, ele criou um deus à sua própria imagem para substituir qualquer divindade ou força real que possa ter um plano diferente daquele do próprio Lorde Protetor.

Uma crítica sobre como usam a imagem de Deus para se promover? Sempre. E isso vale em qualquer época da história humana.

A maneira como ele executa esse plano é restringindo severamente o movimento do povo, erradicando sua religião e destruindo os lobos – que representam poderes demoníacos – para que a cidade possa ser colocada para trabalhar pelos fins do Lorde Protetor. Bill Goodfellowe, ao tentar fazer o que é certo com sua filha, involuntariamente se torna parte do sufocante jogo final do Lorde Protetor, eliminando a cultura do povo que os ingleses conquistaram.

Portanto, a história dos Wolfwalkers é, por um lado, sobre os poderosos perdendo o controle nas mãos das pessoas mais improváveis ​​- neste caso, uma garotinha e sua amiga meio lobo. É também uma história sobre o que o medo faz às pessoas: faz com que elas desejem ser cúmplices do mal, enquanto se convencem de que estão agindo certo. A única coisa que pode vencer o medo é o amor, e Wolfwalkers ama seus personagens, seu mundo e a beleza estonteante da vida humana. Acima de tudo, ama a verdade que está enterrada no mito.

Assistam com seus filhos, se tiverem. Será uma experiência sem precedentes. Talvez seja o vencedor do Oscar de melhor animação em 2020.

Wolfwalkers foi lançado mundialmente pelo serviço de streaming Apple TV.

Revisão: Professora Leila Rachel

Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.