A política no Brasil parece um circo que funciona 24 horas por dia e sem pausa para o descanso. Circo nos faz lembrar de diversão, sorrisos e palhaços. No Brasil, a nossa política transformou palhaços dentro de um show de aberrações dramáticas e perturbadoras no documentário Democracia em Vertigem.
Pela primeira vez em sua história, o Brasil tem a chance real de vencer um Oscar, o maior prêmio do cinema internacional. Se estivéssemos vivendo uma situação de normalidade democrática, a indicação do documentário seria comemorada por toda a sociedade.
Dirigido por Petra Costa, este documentário completamente fascinante fornece uma visão inesperadamente convincente dos terremotos políticos que assolam o Brasil há vários anos.
Democracia em Vertigem é um ensaio reflexivo e triste sobre o quão chocante é nossa política e como, nós, brasileiros, eleitores, simplesmente estamos fora dessa tempestade. É sobre uma presidente que sofre impeachment, um presidente preso e um terceiro eleito apesar de ser um defensor da tortura e ditadura.
“Esta não é apenas uma história de traição”, diz Petra Costa na narração sofisticada e arrependida e angustiada da diretora, que é um dos pontos fortes do filme. “Esta é uma história da própria democracia em ruínas.”
Democracia em Vertigem é uma história contada pela visão de Petra, ela descreve-se como “aproximadamente a mesma idade da democracia brasileira”, que começou em 1985 após negro e duro período de ditadura militar, ela se posiciona de forma convincente como a pessoa ideal para contar essa história, isso é comprovado com a pergunta em voz alta que faz “a democracia era apenas um sonho de curta duração?” ela ainda completa, “A história desta crise, passa diretamente pela minha família”.
Sua família tem relacionamento com o ex-presidente Lula há décadas. Coisa que em nenhum momento, Petra Costa tenta esconder, na verdade, faz parte de sua narrativa. Seus pais eram radicais políticos que lhe deram esse nome em homenagem a um colega assassinado pelo Estado e passaram uma década se escondendo do regime militar, sua mãe já foi presa pelo mesmo regime.
Essa dualidade lhe faz ter acesso excepcional aos principais atores, especialmente dois ex-presidentes, Luiz Inácio Lula da Silva, chamado de “o político mais popular do mundo” por Barack Obama, e sua sucessora, Dilma Rousseff.
Dilma é uma sobrevivente da tortura. Ela esteve na mesma prisão que abrigara a mãe de Petra Costa e, ouvindo as duas conversarem casualmente sobre isso é uma das muitas sequências fascinantes do filme.
Mas, de longe, o maior patrimônio do filme é a sensibilidade de Petra Costa. Ouvir a narração é o equivalente a sentar ao lado da pessoa mais fascinante em um jantar, alguém capaz de conhecê-lo com conhecimento sobre coisas que você tinha pouca ou nenhuma ideia.
A proposta do título “Democracia em Vertigem” vem da observação da diretora sobre a figura carismática de Lula, a realização dos sonhos democráticos do Brasil e alguém cuja carreira inicial permitiu a ela esperar que “o Brasil finalmente tivesse quebrado sua maldição”.
Lula serviu pela primeira vez há 40 anos nos jornais como o jovem e vibrante chefe de 33 anos do sindicato dos metalúrgicos do Brasil, formou o Partido dos Trabalhadores em 1980 e concorreu à presidência em 1988. Lula perdeu várias vezes antes de moderar pragmaticamente suas posições e ganhar o primeiro de seus dois mandatos em 2002.
Essa mudança de postura é nítida quando é perguntado se terá mais abertura com o PSDB (Talvez o partido político que mais recebeu críticas duras do ex-Presidente) e Lula responde: “Se Jesus viesse ao Brasil, ele teria que fazer uma aliança mesmo com Judas”.
Durante os oito anos de mandato de Lula, os programas de seu governo, especialmente os programas sociais como o Bolsa Família, foram o catalisador de uma enorme mudança social no Brasil. Mas quase uma década no poder havia distanciado o Partido dos Trabalhadores das pessoas, isso foi um dos motivos que culminou com as manifestações antigovernamentais em 2013.
Depois veio a Operação Lava-Jato, uma investigação sobre suborno e corrupção liderada pelo juiz Sérgio Moro e envolvendo políticos e a Petrobras, a maior empresa e mais importante cartão-postal do governo do PT no Brasil.
Inicialmente, a investigação parecia bipartidária e logo ficou claro que a corrupção no Brasil era tão endêmica que os membros de baixo escalão do Partido dos Trabalhadores haviam recebido subornos.
Democracia em Vertigem trabalha essa narrativa detalhada, como Petra Costa começa gradualmente a ver as coisas de maneira diferente, a ver a investigação de corrupção como uma tentativa da oligarquia de se reafirmar, de assumir o poder através de uma espécie de golpe legislativo / judicial. Já que essa mesma não conseguia isso pelo voto popular.
O impeachment da Dilma, foi não por aceitar subornos, mas por autorizar o que é descrito como uma prática contábil governamental ilegal, aconteceu em 2016. Logo o golpe, Lula, cada vez mais divisivo, mas ainda extremamente popular, foi condenado a 12 anos de prisão pelo que pareciam ser acusações de suborno forjadas pelas quais nenhuma evidência sólida foi produzida.
Democracia em Vertigem foi lançado em janeiro de 2019 no festival Sundance, mas ganhou maior visibilidade fora e dentro do Brasil após as matérias reveladoras do site The Intercept sobre como agora Ministro da Justiça, Sérgio Moro estava de conluio antiético com os promotores de acusação de Lula.
Onde isso vai acabar? Ninguém sabe, mas Democracia em Vertigem e sua cineasta oferecem um pouco de esperança para o Brasil. “A oposição pode matar 1.000 rosas”, diz alguém, “mas não pode impedir a chegada da primavera”.
Democracia em Vertigem está disponível na Netflix.
Democracia em Vertigem fez história e pode ser a primeira produção brasileira a ganhar um Oscar.
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