Vou ter que confessar: não estava preparado para a proposta de Dementia 21! O mangá de Shintaro Kago que a editora Todavia trouxe ao Brasil tem a seguinte sinopse:
“Um dos mais cultuados artistas do mangá da atualidade, Shintaro Kago é um dos expoentes do gênero ero guro nansensu, tradição nascida nos anos 1930 e que usa o humor, o grotesco e o nonsense para falar de forma ácida da sociedade japonesa e de suas normas e tabus. Neste que é um de seus mais celebrados trabalhos, Kago-san criou uma obra-prima cômica sobre os percalços de uma dedicada cuidadora de idosos. As aventuras da jovem Yukie Sakai — que envolvem alienígenas, monstros, idosos psicóticos e dentaduras possuídas pelo demônio — dão a medida do talento desse artista extraordinário e são uma janela para uma das mentes mais divertidas e perturbadoras do quadrinho mundial.”
Ou seja, o leitor desavisado pode pensar que vamos acompanhar a história de uma garota que é cuidadora de idosos enquanto ela vive aventuras surreais. E não é que esse leitor acertou! Só que ele, assim como eu, pode não estar preparado para o grau de humor negro que nos é apresentado neste que é um dos mangás mais engraçados e afiados, com tiradas ácidas sobre velhice e cultura japonesa, lançado nos últimos tempos.
Em Dementia 21, dividido em 17 capítulos que não se conectam, mas tem uma personagem principal em comum, a jovem e dedicada cuidadora de idosos Iukie Sakai, o leitor vai se deparar com contos bizarros envolvendo idosos e bizarrices bem fora da casinha.
Esqueça o terror de Junji Ito, aclamado autor de mangás do gênero que tem ganho boas publicações no Brasil, como Uzumaki pela editora Devir e Fragmentos do Horror da Darkside. As histórias de Dementia 21 envolvem o bizarro usando como tema a velhice e a forma como a sociedade japonesa trata seus idosos. Tudo com muito humor negro e situações pra lá de exageradas.
Como Dementia 21 é um mangá episódico, o melhor seria apontar alguns capítulos para que o leitor saiba do grau de bizarrice que estamos falando.
O meu preferido é o 7. Aqui, após a sociedade japonesa construir quartinhos para idosos que são auto suficientes e empilha-los, criando verdadeiras torres, Iukie terá que subir até as nuvens para localizar um quarto de um idoso que foi contratado para cuidar, já que o sistema deu pane e apresentada problemas.
Porém, quanto mais sobe, mais descobre que essas torres que chegam até o céu lotadas de idosos, que as famílias os largaram lá, tem todo uma vida em sociedade. Trocando mercadorias, mensagens de namoro e até atentados a bomba, os prédios tecnológicos de idosos chegam até a criar um sistema político, com eleições e tudo.
Imagine isso misturado com várias piadas visuais e críticas sociais e verá o tom que Dementia 21 se propõe, tornando esse mangá divertidíssimo de ler, pois, apesar de bizarro, as piadas transformam a leitura muito leve.
Claro que a obra de Shintaro Kago fará piadas e citações tiradas diretamente do Japão. Mas aqui entra o bom trabalho da editora Todavia. A editora responsável por finalizar Bone no Brasil fez um excelente trabalho editorial no mangá, sempre contextualizando os nomes satirizados pelo autor ao pé das páginas.
O autor, expoente do gênero ero guro nansensu, tradição nascida nos anos 1930 e que usa o humor, o grotesco e o nonsense para falar de forma ácida da sociedade japonesa e de suas normas e tabus, faz muitas citações a atores e personagens do Japão, mas a edição brasileira da Todavia deixa bem claro a brincadeira e quem são os homenageados.
Mas essas citações a personagens do Japão podem até passar em branco para o leitor de Dementia 21, pois não farão falta. As situações bizarras e a sacadas sobre a condição dos idosos apresentados no mangá tem uma abrangência universal, como a figura da sogra com mania de limpeza que já matou várias noras pelo percurso, mostrada no capítulo 10.
Dementia 21 é um dos mangás mais bizarros lançados recentemente. É engraçado, ácido e bate pesado em várias situações envolvendo a velhice, mesmo com a leveza trazida por sua personagem principal. As criticas e brincadeiras trazidas pelo Autor, e bem contextualizadas na edição da Todavia, fazem com que Dementia 21 seja uma excelente leitura, devendo ser conhecido pelo público brasileiro. Na expectativa pelos futuros lançamentos envolvendo Shintaro Kago e suas bizarrices no Brasil.
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