É sempre difícil dar continuidade a uma passagem de um roteiristas e desenhistas que tenham imprimido sua marca em um título. Seja pela enorme pressão dos fãs, seja pela avaliação severa que a crítica julgará a nova abordagem da dupla criativa que está chegando.
A pressão só tende a aumentar quando se trata de um personagem menor, que nunca teve passagens marcantes que ganhassem o coração do grande público. Esse é o caso da dupla Jeff Lemire e Ramón Perez, substituindo a famosa equipe Matt Fraction, David Aja e Annie Wu, no título do Gavião Arqueiro.
É inegável que Fraction e, em especial, Aja transformaram as história do herói em um sucesso de crítica. Contando com uma abordagem rápida, mostrando o cotidiano de Clint Barton, um herói que de super não tem nada, já que perto de deuses, soldados com soro de super força e bilionários com roupas tecnológicas ele é apenas um ser humano comum que dispara flechas e tem sérios problemas com relacionamentos, a dupla de criadores trouxe ao personagem uma popularidade no mundo dos quadrinhos que ele até então desconhecia, mesmo em seus melhores momento como quando foi morto em Vingadores A queda ou liderou os Thunderbolts.
Após a saída da dupla, o roteirista Jeff Lemire e o desenhista Ramón Perez assumiram o título do Gavião Arqueiro em um arco publicado pela editora Panini Comics em dois volumes: Gavião Arqueiro – Legado do arco (116 páginas, formato americano, 17 x 26 cm, capa cartão, R$ 18,90, lombada quadrada) e Gavião Arqueiro – Gaviões ((132 páginas, formato americano, 17 x 26 cm, capa cartão, R$ 19,90, lombada quadrada)
Lemire é um hábil contador de histórias que envolvam personagens mais humanos e seus dramas, vide seu trabalho em Sweet Tooth, Condado de Essex e o Soldador Subaquático. E é aí que ele acerta ao trazer mais elementos dramáticos à continuação da história que já vinha sendo contada pro Fraction e Aja. Usando muitos elementos da dupla anterior, Lemire explora a fundo a relação entre Kate Bishop, a gaviã arqueira, e Clint Barton. Basicamente, os dois volumes da saga de Lemire envolvem o relacionamento dos dois, com um pano de fundo envolvendo crianças que foram usadas como experimentos.
Porém, a narrativa da história não é desenvolvida de forma linear, já que o autor divide a trama entre o passado de Clint (no volume O legado do arco) e Kate (no volume Gaviões), o presente, mostrando a história das crianças poderosas, e o futuro, lidando com as decisões do passado dos personagens e suas consequências.
É inegável o teor dramático da narrativa, em especial quando trata o passado de Barton, contando a história de sua infância órfã ao lado de seu irmão Barney, do encontro dos dois com o Espadachim, e a vida no circo, onde passou a aprender sobre o arco e flecha. Nessas passagens, Lemire está totalmente confortável com a história que quer contar, mostrando como foi moldado o caráter dos dois irmãos e como isso se refletiu na vida adulta de Clint.
Porém, um bom roteiro sem um bom desenhista pode cair apenas em um dramalhão, já que não basta ter conteúdo nos quadrinhos, a forma como ela se apresenta ao leitor nos desenhos é essencial. E Ramón Perez foi a escolha certa para desenhar a história que Lemire se propõe a contar.
Estabelecendo não só uma forma de desenho para cada passagem do tempo (traço saudosista com colorização que remonta a um sentimento de nostalgia nas cenas do passado; traço ágil e mais parecido com o de Aja nas sequencias de ação do presente; E um traço com linhas pesadas e cores desbotadas mostrando um futuro nada alegre para os gaviões) o desenhista estabelece uma forma de colorização, ao lado de Ian Herring, para cada passagem histórica da narrativa, fazendo o leitor identificar perfeitamente onde cada sequencia narrativa está ocorrendo.
Infelizmente, as passagens que se passam no futuro são as menos interessantes no segundo volume (Gaviões).
Porém, nem tudo funciona na história contada por Lemire e Perez.
ALERTA DE SPOILER
A conclusão do primeiro volume (Legado do arco) tem um erro gritante que não faz sentido na narrativa. Pois o Gavião Arqueiro aparece devolvendo as crianças super poderosas para a Hidra. Primeiro, não faz sentido um herói colaborar com uma organização criminosa, e, em segundo lugar, mais para a frente da trama, na passagem de tempo do futuro, é especificado que o herói devolveu as crianças para a Shield, não para a Hidra. Ou o roteirista se enganou ao contar a história ou o desenhista errou ao desenhar a Hidra ao final do primeiro volume levando as crianças. Faltou um editor com bom olho para o desenvolvimento da história interferir para alinhar o que estava sendo contato.
Mas esse não é o único erro presente na narrativa. Ao abordar a passagem no futuro dos personagens, Lemire interrompe a história que estava contando até ali, desconsiderando toda essa passagem. Como se a atitude de Clint procurar Kate e tentar consertar a amizade abalada dos dois mudasse toda a linha temporal. Poderia ter funcionado, mas torna um desperdício toda a história elaborada no futuro até ali. É como se o roteirista não quisesse se comprometer em criar um futuro possível para o personagem, apagando-o imediatamente.
FIM DO SPOILER
Contando com um roteiro que aprofunda o sentimento de amizade entre os protagonistas, além de alimentar a carga dramática que carregam ambos os gaviões arqueiros, Lemire faz uma história acessível e que é a porta de entrada perfeita para quem está conhecendo os personagens agora. E isso é muito ajudado pela arte de Perez nos dois volume publicados no Brasil pela Panini. Para falar a verdade, por serem apenas dois volumes, facilita mais ainda jovens leitores conhecerem os personagens.
Em período em que os grandes heróis da editora Marvel estão sendo criticados pelas suas tramas ruins e descaracterização, Legado do arco e Gaviões são dois bons encadernados para que o leitor seja apresentado ao universo de Clint Barton e Kate Bishop, pois, por maior que sejam os erros citados acima, a história dos dois gaviões conquistam o leitor, não fazendo feio para o trabalho tão amado pela crítica de Fraction e Aja.
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