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Resenha | Lennon, de Foenkinos, Corbeyran e Horne (Editora Nemo)

Em meio à oferta cada vez maior de material europeu no Brasil, às vezes certas bandas desenhadas passam em branco. Seja por não trazerem nomes reconhecíveis nos créditos ou não serem devidamente divulgados pelas editoras, esses quadrinhos, entretanto, podem se revelar gratas surpresas ao leitor que apostar na sua leitura.

É o caso de Lennon, lançado ano passado pela editora Nemo, escrita por David Foenkinos, premiado romancista francês, e desenhada por seus conterrâneos Eric Corbeyran e Horne Perreard. O álbum retrata um John Lennon que, após conhecer ocasionalmente uma terapeuta que morava no mesmo edifício Dakota onde residia em Nova York, decide iniciar sessões com ela.

Temos a partir desse ponto a construção de um retrato visceral e convincente de um dos maiores nomes da música do século XX, o fundador dos Beatles, visto por muitos como um gênio, e que nunca se furtou a se expor ao longo da vida.

A narrativa se faz como um extenso monólogo de Lennon para a terapeuta, com raros balões de fala; um fluxo de consciência que perpassa sua vida desde a infância até o nascimento de seu filho Sean (um epílogo trata de forma impessoal do fim trágico que John teria em 1980).

Os capítulos se organizam conforme as sessões se sucedem, cada uma tratando mais ou menos de cada fase de sua vida. Essa estrutura poderia se esvair para um endeusamento do personagem: uma visão pretensamente pessoal que colocasse por fim Lennon num pedestal. Mas felizmente não é o que ocorre. Temos uma voz extremamente sincera e franca sobre o trajeto que percorre em busca da fama; as traições que comete; os vícios; as vicissitudes; as inspirações que o movia e as pessoas que deixa para trás.

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O talento de Foenkinos brilha nas reminiscências de Lennon que colocam a história em movimento. Ele cria um personagem com camadas, refletindo alguém complexo por natureza; que combatia o próprio ego com baixa auto-estima e carregava problemas freudianos da relação com os pais por toda vida, influenciando muito de seu comportamento.

Os tempos da juventude solitária na casa da tia Mimi, o encontro com Paul McCartney e a formação dos Beatles, as temporadas em Hamburgo antes da fama, o estouro do sucesso, a entrada de Yoko em sua vida… Está tudo lá, de forma fluída e espontânea, sem um caráter documental.

Por se aproximar muito da tradução literal do formato de graphic novel, ou seja, um romance gráfico, a arte mais se aproxima de painéis que acompanham o texto. Ou seja, desenhos que representem as passagens mencionadas ou as divagações sobre os demônios interiores de John, e não necessariamente uma arte sequencial, havendo inclusive ao longo das páginas a repetição de poses e enquadramentos, quando certos assuntos são retomados.

Ao final da leitura, fica marcado no leitor a dor por uma perda já antiga, mas que nos deixa perplexos por uma vida ceifada ainda na sua plenitude. Fica também a imagem de um ser humano contraditório, porém demasiadamente brilhante; alguém que encontrou na arte o meio de se comunicar e traduzir a própria dor. Uma experiência muito válida, tanto para os fãs de longa data como para aqueles que procuram conhecer melhor a pessoa por trás do mito.

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br