Pesada é a cabeça de quem usa a coroa. Tal ditado popular não poderia ser mais verdadeiro quando se trata do reinado de T’Challa, o atual Pantera Negra e rei do país africano de Wakanda.
Após ser criado por Stan Lee e Jack Kirby nas páginas do Quarteto Fantástico na década de 60, sendo o primeiro herói negro da editora Marvel, o personagem nunca teve uma vida fácil, já que: ingressou no Vingadores como espião contra a equipe; sempre teve que defender sua nação da ameaça dos países estrangeiros, já que o reino fictício de Wakanda é a única nação africana que não foi colonizada em nenhum momento da história; casou-se com a mutante Tempestade; viu seu reino ser atacado pelo poderoso vilão Doutor Destino; teve a capital do país literalmente afogada pelo príncipe Namor; teve que se divorciar de sua esposa; perdeu a coroa para sua irmã; transformou-se no rei dos mortos e guardião dos espíritos de seu povo; se viu obrigado a ingressar nos Illuminati, dando as costas assim para Wakanda em seu momento de maior necessidade visando salvar todo o universo.
São muitas cicatrizes que T’Challa carrega. E cada cicatriz dessa nos leva à atual fase do personagem, escrita pelo autor americano Ta-Nehisi Coates, publicada em 03 volumes pela editora Panini Comics. Contando a saga com o melhor título dos últimos tempos: UMA NAÇÃO SOB NOSSOS PÉS.
Primeiramente, e isso é essencial informar, a história que temos em mãos não é um bom ponto de partida para o leitor que quer ter um bom panorama do que está acontecendo com o Pantera Negra. Para entendermos o que está acontecendo até ali, precisamos saber que: O rei T’Challa foi substituído pela sua irmã Shuri como regente e dono do título Pantera Negra (um título régio que vem com o merecimento e a capacidade de ser o representante físico do deus pantera); T’Challa teve que salvar o universo junto com o Senhor Fantásticos, Homem de Ferro, Doutor Estranho, Fera e o Hulk (os illuminati), porém, ao fazer isso, teve que sacrificar Wakanda e sua irmã Shuri, que foram atacados pela Ordem Negra do vilão Thanos; e, com a morte de Shuri, T’Challa voltou a ser rei, mas com a desconfiança do povo, que o vê mais como um herói americano, não o rei que deve comandar uma nação.
Há um breve resumo disso no primeiro volume lançado pela Panini Comics (148 páginas, capa dura,formato americano 17 x 26 cm, preço de capa: R$ 29,90), porém, é muito breve para entendermos todos os fatos que levaram a história de Coates.
Quando começamos a história em si, vemos que Wakanda está em ebulição: os súditos desconfiam de seu rei, agentes querem a queda da dinastia do Pantera Negra para que possam assumir o controle, as Dora Milaje (guardas pessoais dos reis wakandanos) se rebelaram contra a corrupção do país e saem derrubando tribos que são dominadas por homens corruptos, com o seguinte lema HOMEM ALGUM (deixando claro que pessoa nenhuma pode ter tanto para si mesma).
Ou seja, não estamos diante de um quadrinho comum, onde tudo é bem detalhado sobre quem é do bem e quem é o vilão da história. Coates aqui não se preocupa em fazer um quadrinho político, ele se ocupa em debater a política e a forma de poder de um herói, situação pouca vista em títulos voltados ao grande público. E quando o Autor quer debater política, ele acerta como ninguém. Temos debates aprofundados e usados na prática sobre a ineficiência do campo das ideias no mundo real, assim como a brutalidade da realidade quando desprovida de ideias. Debate-se formas de governo, uso de cidadãos comuns em revoltas sangrentas, o peso que é ser rei e as péssimas companhias que o regente tem que conhecer para que possa governar.
O leitor que pega apenas essa resenha para se informar pode pensar que é uma história onde a ação é inexistente. Está errado. O clima de tensão é constante, tornando palpável o esgotamento de T’Challa e há muitas cenas de ação. Talvez, aí está o fraco da publicação.
Contando com os desenhos de Brian Stelfreeze e do veterano Chris Sprouse (criador de Tom Strong ao lado de Alan Moore), os dois desenhistas se revezam de forma satisfatória visando manter a unidade narrativa da obra. Mas isso não é suficiente. Enquanto a caracterização dos personagens é ótima, o desenho dos dois falha miseravelmente nas cenas de ação. Sejam nas mais simples, como nas mais complexas. Quando chegamos no volume 03, onde a revolta contra T’Challa se transforma em um exército às portas de Wakanda, as cenas de guerra são as mais decepcionantes possíveis, transformando o que seria um momento de catarse para a trama em apenas mais um conflito sem peso. Decepcionante.
Porém, os problemas no desenho da saga não são os únicos. Há momentos onde parece haver uma forte imposição editorial da editora, principalmente, no momento que Luke Cage, Misty Night e Tempestade aparecem para fazer um salvamento de T’Challa. São participações gratuitas que diminuem a história.
Outro ponto fraco está na forma como foi publicada, seguindo o modelo dos encadernados americanos. Infelizmente, por volume de 148 páginas de cada 03 edições, apenas 100 páginas são voltadas para a história de Ta-Nehisi Coates. Muito pouco para uma trama que demanda sua conclusão o mais breve possível. Por sorte, a editora Panini lançou os 03 volumes que preenchem a primeira fase no segundo semestre de 2017, tornando de fácil acesso ao leitor. Falando em trabalho editorial, a Panini, muito para preencher espaço em mais um encadernado de capa dura, utiliza páginas para republicar histórias importantes do Pantera Negra, como a sua origem com o Quarteto Fantástico, dois capítulos da fase Jungle Action, e, por último, a fase do Pantera Negra nos Novos Vingadores pro Jonathan Hickmann.
Contando com um roteiro político eficiente em sua maior parte, com desenhistas que infelizmente não ajudam nas cenas de ação e com a necessidade de repaginar o personagem para futuras adaptações no cinema, PANTERA NEGRA UMA NAÇÃO SOB NOSSOS PÉS é uma leitura essencial para os leitores da Marvel.
PS: A fase de Ta-Nahisi Coates é boa, mas não chega aos pés da reinterpretação do personagem promovida por Reginald Hudlin e John Romita Jr em 2005. Essa, sim, a verdadeira reinterpretação que o personagem precisava.
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