A SALVAT acaba de anunciar que “por motivos alheios à editora, a distribuição dos nossos títulos de bancas será pausada temporariamente’’.
Procuro sempre ser um otimista naquilo que me importa, entretanto, quando o assunto envolve revistas em quadrinhos e bancas de jornais, ser otimista significa lavrar um atestado de inocência.
Se você é leitor de gibis, tem mais de 10 anos e costuma olhar por onde anda, deve ter percebido que o número de bancas de revistas diminuíram drasticamente no país. Uma manchete de 2012 já dizia: “SP perde uma banca ao dia. Editoras lamentam”.
Vivi minha infância, nos anos 90, numa cidade com cerca de 60 mil habitantes e uma única banca. Esse final de semana fui até lá para matar a saudade e, pelo que avaliei, eles vivem mais como papelaria e de uma máquina fotocopiadora do que de publicações. Sim, os gibis continuam lá. Esparsos, mas estão na prateleira. Essa não é uma realidade que assusta. Lemos pouco. Parece que sempre foi assim.
Em 1994 me mudei para uma cidade maior, com mais de 800 mil habitantes. Não sei quantas bancas existiam quando cheguei, mas era uma boa quantidade. No meu bairro, perto da minha casa, existiam duas. Hoje, consigo lembrar facilmente de uma dúzia de banca que frequentei e que não existe mais. Segundo o amigo Ribamar Rodrigues, dono de banca e membro do sindicato dos jornaleiros, pelo menos 90 delas fecharam no Piauí nos últimos 10 anos.
E o que toda essa história tem a ver com a SALVAT ter parado temporariamente sua distribuição? Talvez nada, mas, particularmente, acredito que tudo. Antes de escrever qualquer especulação, procurei a SALVAT e fiz algumas perguntas. Infelizmente, não obtive respostas, mas tenho alguma lógica nos meus pensamentos que me apresentam um cenário pessimista e que gostaria de compartilhar com vocês.
Sabemos que existe um mercado de banca vertiginosamente em declínio. Sabemos que o serviço de distribuição no Brasil também enfrenta problemas desde antes da criação do monopólio da Abril comprando a Fernando Chinaglia. Sabemos que a Abril está em crise e sabemos que a Panini criou sua própria distribuição para burlar esse problema no mercado editorial brasileiro. Tudo isso é inquestionável.
Além disso, existem indícios de que outras grandes distribuidoras no país também passam por situações complicadas de inadimplência com seus fornecedores. Definitivamente, o cenário não é bom. Quando a situação está nestes termos e uma editora apenas informa o interrompimento de sua distribuição e que “estamos trabalhando arduamente para solucionar essa questão”, o vermelho do alerta acende!
Como leitor, adoro as coleções da Salvat. Se pudesse, faria todas. Como livreiro, tenho um problema que talvez não seja apenas meu e possa contribuir de alguma maneira neste horizonte problemático das coisas. O problema é: a SALVAT não vende para livreiros. “Ah, mas na livraria tal tem a coleção da Salvat, sim”. Pode ser que tenha, mas neste caso, esta livraria é também, com certeza, cadastrada como banca. Deixa eu explicar.
Em dezembro de 2016 procurei a Salvat querendo vender seus produtos. Expliquei que em minha cidade exite um atraso enorme com a distribuição dos seus títulos em relação a outros Estados do país e que eu desejava começar a comprar para revenda todos os títulos de todas as coleções da Salvat. A resposta, que consigo ler de forma robótica e monotônica, foi: “Informamos que neste caso você deve verificar com o distribuidor da sua cidade, não fazemos envios diretos”.
Simples assim. A Salvat enclausura-se nas bancas, a sete palmos do chão.
“Ah, mas você pode se cadastrar como banca e receber a Salvat normalmente”. Poderia, mas só para você ter uma ideia, a coleção Tex da Salvat, que até o momento já teve 18 edições impressas, NUNCA chegou às bancas do Piauí. Você pagaria um calção absurdo (investimento a perder de vista) para receber essa excelência de qualidade de distribuição?
Além disso, pode ser apenas uma questão de princípios, mas nós nos tornamos uma livraria especializada em quadrinhos para trabalhar exclusivamente com esse produto, e os pacotes de títulos que a distribuidora local nos obriga a levar, o esquema de buscar os produtos diariamente na sede da empresa e a porcentagem muito pequena (25%) não nos estimula a buscar esse tipo de serviço.
Então, quando a Salvat diz que por motivos alheios estão interrompendo o fornecimento de seus produtos nas bancas, eu apenas penso que minha livraria poderia estar cheia deles.
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