Não deixe de conferir nosso Podcast!

Sexta Macabra | Confissões do Crematório, de Caitlin Doughty

          Para inaugurar esse cantinho macabro do site, onde a cada 15 dias falarei sobre literatura de terror e afins, escolhi um dos meus livros favoritos da editora mais trevosa desse país, a Darkside Books. Confissões do Crematório, da autora Caitlin Doughty, definitivamente, está na lista dos livros que todo mundo deveria ler e dedicarei este post a lhe contar o porquê.

          Este é um livro de não ficção, escrito por uma pessoa que mesmo antes de entender bem o que era a morte, já tinha uma grande curiosidade a respeito dessa que é nossa única certeza na vida. O teor do livro não é o mais alegre ou agradável, mas é extremamente necessário, afinal, este é um livro para quem pretende morrer um dia”. E sendo bem sinceros, pretendendo ou não… Todos nós morreremos.

          O livro é narrado em primeira pessoa, partindo de quando e porquê Caitlin decidiu procurar emprego em um crematório e caminhando para a parte prática dos processos tão logo ela consegue um emprego como operadora de forno no crematório Westwind Cremation & Burial, um grande crematório da Califórnia. A autora nos guia por sua rotina de trabalho, que envolve desde barbear defuntos a ir buscar alguns em casa, preparar os corpos, conduzí-los aos fornos cremadores e, depois, acomodar suas cinzas devidamente.

Capa da edição nacional.

          A curiosidade mórbida de saber o que acontece com os corpos desde quando são entregues a funerária até os recebermos de volta não é exclusividade de Caitlin. Por isso, ela nos revela aqui alguns dos processos práticos que acontecem numa funerária/crematório. No entanto, ela vai bem além disso, falando também da indústria da morte, das pessoas e corporações que lucram com o luto e que, às vezes, até agem de maneiras não muito dignas para aumentar seus proventos, nos fazendo ver além da superfície.

LEIA TAMBÉM:  Romance de J. M. Coetzee Ganha Adaptação Protagonizada Por Johnny Depp

          Acompanhamos a vida e o amadurecimento da autora, desde quando conseguiu a vaga na Westwind, passando por sua decisão de se especializar como agente funerária, até depois de formada quando decidiu escrever o livro e falar do que a grande maioria evita até o último momento. Por trazer várias de suas lembranças e vivências, o livro é bem intimista, nos mostrando como a autora mesma teve suas ideias e pensamentos moldados com as visões e experiências que o emprego proporcionou e tornando Caitlin quase uma amiga para o leitor ao longo da narrativa.

          Certamente, esta é uma obra que poderia muito bem se perder em divagações mórbidas acerca da morte, mas se destaca pelas reflexões filosóficas, pela riqueza de informações (tanto práticas como históricas) desde os procedimentos enfrentados por um cadáver até suas representações e significados em diferentes culturas ao longo do tempo. Tudo isso com toques de humor (negro, na maioria das vezes porquê, né?) e sarcasmo que tornam a leitura não só mais fluída como prazerosa, mesmo com o tema inusitado.

          Este livro me proporcionou uma experiência de leitura incrível e fora do habitual. Não porque já sofri perdas muito íntimas ou porque temesse a morte ou a considerasse algo ‘distante’, mas porque me fez refletir sobre vários assuntos envolvidos em morrer, tanto intrínsecos ao momento (como a forma de sepultamento), quanto filosóficos, como as consequências disso para os vivos.

          Me surpreendi particularmente por ter o mesmo pensamento da autora quanto ao meu próprio enterro. Pode ser um pensamento meio mórbido, mas como a autora mesma diz: “nunca é cedo demais para pensar na morte”, afinal, estamos morrendo desde o dia que nascemos e começamos a respirar.

Como Gauguin, eu queria que animais devorassem meu corpo. Afinal, existe uma diferença mínima entre um corpo e uma carcaça. Eu era tão animal quanto as outras criaturas da floresta de sequoias. Um cervo não precisa de embalsamamento, de caixões fechados ou de lápides. Ele é livre para ficar no lugar em que morrer. Durante toda a minha vida, comi outros animais, e agora me ofereceria a eles. A natureza enfim, teria sua oportunidade comigo.❞

          Porém, outra coisa que o livro me ensinou é que o enterro não é para nós. Ou melhor, não é para o defunto. A cerimônia do enterro é para os familiares, amigos, entes queridos que, mesmo sabendo, em seu íntimo, que a pessoa não está mais ali, desejam se despedir.

Detalhe do corte vermelho

          Confissões do Crematório deixa bem claro o quanto nossa cultura prefere manter a morte ‘escondida’, mas o livro também cumpre habilmente o papel a que se propõe: tratar da morte com a naturalidade que ela deve ser tratada, sem tabus, sem medo de dizer o que todos nós sabemos, mas que preferimos evitar pensar. Assim, nos traz informações e proporciona reflexões sobre a vida e a morte, que podem ser verdadeiras lições na forma como encaramos nossa mortalidade.  

Olhar diretamente nos olhos da mortalidade não é fácil. Para evitar isso, nós escolhemos continuar vendados, no escuro em relação às realidades da morte. No entanto, a ignorância não é uma benção — é só um tipo mais profundo de pavor.❞

          A edição nacional, como tudo que tem o selo da Darkside Books, tem um trabalho de diagramação, corte e acabamento lindíssimos e, mesmo como a já habitual fitinha para marcar páginas, ainda traz uma carta da Morte no tarô que pode servir para o mesmo fim. Além disso, o livro ainda tem a capa dura com detalhes de textura similar ao emborrachado e algumas ilustrações bem bonitas, entregando um livro de teor necessário e com o acabamento luxuoso.

Headbanger, prolixa e apaixonada por literatura, com preferência pelos temas mais macabros da ficção.