Montevidéu, 1868. O francês Pierre Duprat aporta no país sul-americano após longa viagem com uma missão: registrar índias guaranis que vivam isoladas nas florestas da região, da forma mais natural possível. Duprat é fotógrafo e alimenta com suas imagens uma demanda na Europa por “fotografias antropológicas”; apresentando nativas de lugares exóticos ou distantes em trajes mínimos. Ele só não imaginava o horror que encontraria pelo caminho, conforme acompanhamos em “Guarani – Terra Sem Mal“, de Diego Agrimbau e Gabriel Ippóliti (Editora Comix Zone, 128 páginas, R$ 84,90).
Afinal, não haveria pior momento para sua vinda. Pois estava em curso a guerra do Paraguai contra Brasil, Argentina e Uruguai, de modo que, para chegar ao seu destino, será preciso atravessar os campos de batalha. E assim inicia seu périplo, deslocando-se a bordo de navios com as tropas da Tríplice Aliança. Como se não bastassem os próprios perigos da selva, como a febre amarela, Duprat vê-se presenciando a barbárie de uma guerra incompreensível aos seus olhos, onde as piores atrocidades acontecem sem que haja testemunhos para a posteridade.
Após meses esquivando-se da carnificina militar, Dupret penetra o idílio preservado dos guaranis, que o aceitam em sua presença e o batizam com um novo nome: Pytá Angirü. Uma experiência que o marcará fortemente e que o fará rever sua crença que a guerra “não lhe diz respeito”. Quanto mais diante de um episódio deprimente da Humanidade: a batalha derradeira de Acosta Ñu, quando três mil crianças paraguaias foram forçadas a lutar pelo país, numa tentativa desesperada de manter “a honra” paraguaia, sendo massacrados pelo exército rival.
Como se vê, este romance gráfico tem como ambientação a Guerra do Paraguai, um fato histórico pouco conhecido por nós, brasileiros. Usualmente atribuído à ambição do Marechal López, que teria levado com sua postura o próprio país à ruína, o conflito foi responsável por praticamente dizimar a população masculina adulta do país. E afetou a parcela indígena da população, usualmente escanteada pela historiografia. Muitos foram os curumins arrancados de suas tribos e enfiados em uniformes militares, sendo despachados para a guerra sem qualquer noção do que se passava.
A Tríplice Aliança, com seu poderio combinado, impôs sucessivas derrotas militares ao Paraguai; episódios seguidos por violência desmedida contra os população nativa e os mais diversos abusos, como estupro e assassinato, sob a alegação de tomada dos espólios. Uma bestialidade que toma forma na narrativa através do diário mantido por Duprat, que nos oferece, a princípio, um olhar estrangeiro e, por isso, frio e displicente com os fatos retratados. Mas conforme o tempo passa, suas andanças pela região o aproxima de tipos e crenças como “a terra sem mal”, uma espécie de Paraíso no imaginário guarani, levando-o adotar outra postura, mais aguerrida e apaixonada pelas gentes.
No fim, Duprat carrega a consciência que os verdadeiros selvagens são aqueles que vestem fardas e portam armas de fogo, em nome da honra e do progresso.
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