Não deixe de conferir nosso Podcast!

Mulher Maravilha I Triangulo amoroso e psicologia por trás de sua criação

Conheça a história da Mulher Maravilha, do triangulo amoroso e de muita psicologia que originou a maior de todas as super-heroínas.

Conheça a história da Mulher Maravilha, do triangulo amoroso e de muita psicologia que originou a maior de todas as super-heroínas.

Já faz um bom tempo que me devia assistir ao filme “Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas“, mas, por algum motivo inexplicável, havia adiado esse compromisso até a noite passada.

O que encontramos ao longo de pouco mais de 100 minutos de exibição é uma bem detalhada construção das reais inspirações e os bastidores da história da criação da Mulher Maravilha.

Enquanto assistia, impressionado com a história, pensava sobre como é incrível que nunca tinha ouvido falar dessa história até assistir ao trailler do filme. De fato, é surpreendente! Durante muitos anos ouvimos falar sobre a briga de Joe Shuster e Jerry Siegel contra a DC, ou sobre as polêmicas envolvendo Bob Kane e Bill Finger, ou sobre qualquer coisa envolvendo Stan Lee e seu exército de desenhistas, mas sobre a vida do criador da Mulher Maravilha só conhecíamos um ou dois detalhes: que ele era um psicólogo criador do detector de mentiras.

Somente quando vamos imergindo na história do filme é que podemos observar os detalhes que montam o quebra-cabeças que é toda essa história que envolve o “Professor Marston” do título, que é William Moulton Marston (mais conhecido pelo pseudônimo Charles Moulton), o criador da super-heroína mais famosa de todos os tempos.

Ele vive um triângulo amoroso com sua esposa, Elizabeth Marston, e sua aluna, Olive Byrne. Apenas isso já era um escândalo monumental, pois trata-se de uma relação amorosa professor-aluna, além do fato de que estamos falando de um relacionamento lésbico entre Olive e Elizabeth. O que ainda é certa afronta para a “moral e os bons costumes” dos dias de hoje, imagine para a época, no final dos anos 30 e início dos 40.

O casal Marston trabalhava em Radcliffe, instituição vinculada a Harvard. Ele era professor e desenvolvia pesquisas sobre comportamento humano e sobre a criação de uma máquina de detecção de mentiras. Sim! Aquelas máquinas que monitoram o corpo das pessoas e que aparecem em filmes policiais foi inventado pelo casal Marston e tem tudo a ver com a Mulher Maravilha e seu laço mágico que obriga as pessoas a falarem a verdade, entretanto, as semelhanças e influencias da realidade na criação da Mulher Maravilha vão bem além desse detalhe superficial que, normalmente, é o único conhecido pela maioria dos aficionados na história dos super-heróis.

Mulher Maravilha usando seu laço da verdade
Mulher Maravilha usando seu laço da verdade.

É perceptível que o laço da Mulher Maravilha é uma representação da busca pela verdade à qual William Marston ansiava, entretanto, a personagem dos quadrinhos também simboliza muito do que trata a pesquisa que o psicólogo desenvolvia na academia, conhecida como teoria DISC (Dominance -dominância; Inducement – influência; Submission – submissão; e Compliance – conformidade).

LEIA TAMBÉM:  Duas obras que foram muito além do público dos quadrinhos estão em pré-venda

A teoria DISC aborda características observáveis na forma como se apresenta e se dão os diferentes vieses do relacionamento humano. Algumas pessoas são mais dominantes, outras mais influentes, submissos ou “conformados”(controlados, receptivos). Não vou correr o risco de entrar em detalhes e tentar explicar a teoria DISC porque não li os livros, apenas assisti ao filme, que aborda a questão de forma não tão didática, apesar do roteiro se utilizar do esquema da teoria DISC como uma forma de narrativa para contar a história dos personagens.

É curioso perceber quando esses protagonistas dialogam e se expressam de acordo com essas características da teoria desenvolvida por Marston, chegando ao clímax quando no filme (não se preocupe, não darei nenhum spoiller que estrague seu prazer de ver o longa), praticamente, assistimos ao psicólogo colocar sua teoria em prática, como se o filme se revelasse um grande experimento da teoria DISC.

teoria disc william marston wonder woman
A teoria DISC, de William Marston.

Ao longo do filme, as personagens vão enfrentando dificuldades que se relacionam com a teoria criada por Marston e aprendendo a se relacionar com esses elementos  que condicionam os relacionamentos humanos, como, por exemplo, na cena em que Elizabeth Marston precisa se submeter a um trabalho como secretária, serviço abaixo de suas qualificações, ou quando o próprio William decide se tornar “apenas” um escritor de quadrinhos, já que seus livros teóricos sobre psicologia não se tornam sucesso de vendas… e não pagam as contas.

Lembrando que o fato de Elizabeth Marston trabalhar como secretária, sendo que ela é melhor preparada para outros tipos de atividades, também nos leva a traçar outro paralelo com a história dos protagonistas e da criação da Mulher Maravilha. É como se a secretária escondesse uma mulher muito mais forte, como na relação da Mulher Maravilha e sua identidade secreta como a secretária Diana Prince.

Elizabeth Marston como secretária. A identidade secreta da Mulher Maravilha
Elizabeth Marston como secretária. Uma das identidades secreta da Mulher Maravilha.

Outros elementos da vida dos protagonistas que “inspiram” a Mulher Maravilha, como esse, estão no filme. Em determinada cena, quase despercebida, Elizabeth comenta que seus pais são de um local chamado Isle of Man (“uma pedra adorável entre a irlanda e a Inglaterra”, segundo a própria Elizabeth Marston). É bem improvável que essa informação esteja de forma gratuita no filme e, portanto, não pude deixar de fazer um paralelo entre essa “ilha dos homens” com Themyscira, a Ilha Paraíso, lar de Diana e de todas as demais amazonas.

Outra curiosidade citada no filme é que Olive é sobrinha de Margaret Sanger, que foi uma enfermeira, sexóloga, escritora e ativista do controle de natalidade norte americana. Ela também é filha de Ethel Byrne, uma feminista radical estadunidense e, segundo o William Marston do filme, tanto ele quanto sua esposa ajudaram e encamparam a luta feminista junto com a família de Olive. O posicionamento feminista dos três personagens é muito importante para não confundirmos sobre o que trata o filme quando nos aprofundamos no ménage à trois e na sensualidade do filme.

LEIA TAMBÉM:  Devir relançará Tarzan de Joe Kubert

O sexo entre os três é consentido e as cenas são elaboradas sem vulgaridade e ainda com toques de fetiche e referências que qualquer fã da Mulher Maravilha perceberia de imediato: William Marston usa uma roupa de militar numa clara alusão ao Steve Trevor, Elizabeth Martson usa uma roupa de pele que lembra a Mulher-Leopardo e Olive Byrne veste uma provocante roupa grega, com braceletes e tudo…

Essa e outras provocantes cena de sexo (ou sensuais) do filme nos leva a outro ponto no processo de elaboração da Mulher Maravilha. É sabido, pela maioria dos conhecedores da personagem, que os seus gibis da era de ouro eram carregados de fortes imagens sexuais, envolvendo palmadas no bumbum e pessoas amarradas ao melhor estilo bondage.

wonder woman olive byrne bondage
Cena do filme onde os casal Marston assiste Olive Byrne “iniciando” uma caloura em um dos trotes de fraternidades nos campos universitários. Cenas do cotidiano que foram transfigurados para os quadrinhos.

Acontece que o filme mostra que esses elementos eróticos em Mulher Maravilha estão em plena conformidade com as relações de dominância e submissão teorizados por Marston, ou seja, ele sabe o que está fazendo! Em determinado momento do filme, o professor afirma que essas relações estão no seu gibi justamente porque entende como funciona a mente humana, motivo pelo qual sempre soube que a Mulher Maravilha seria um quadrinho de sucesso. Além do quê, achava necessário que tanto homens quanto mulheres aprendessem, desde criança, que a submissão é um elemento importante na construção de relacionamentos humanos saudáveis.

Cena em que William Marston tenta convencer suas esposas de que "pornografia" e "bondage" fazem parte da teoria DISC.
Cena em que William Marston tenta convencer suas esposas de que “pornografia” e “bondage” fazem parte da teoria DISC.

No filme, temos uma relação direta entre o sexo, as relações abordadas da teoria DISC, o fetichismo (principalmente o bondage: o ato de amarrar e subjugar o amante) e a criação da Mulher Maravilha. Ao longo da história, o professor Marston aprende sobre esse tipo de prática e vai influenciando as amantes para que elas se permitam experimentar uma vida sexual diferente, que vai muito além do que pode parecer uma tara masculina, e que significa a felicidade do trio.

Elizabeth Marston e Olive Byron (vestida quase como uma proto Mulher Maravilha) descobrindo os prazeres de serem amaradas!

É importante perceber que tudo isso é dirigido com uma sensibilidade feminina, orquestrada por Angela Robinson, que mostra, além de tudo isso, como foi a repercussão desse quadrinho “subversivo” na sociedade antes mesmo dos caretas anos 50, com seu macarthismo e famoso “caça às bruxas”. A primeira cena do filme é uma fogueira de gibis.

E, para não me alongar mais, caso ainda não tenha percebido, Olive Byrne e Elizabeth Marton são a influência direta para a construção da personalidade e visual da Mulher Maravilha. Tudo fica claro nessa sequência de conversa entre o casal. Fica a dica! Se ainda não viu, assista logo!

Mulher Maravilha descrita em adjetivos das duas amantes de William Marston: linda, sincera, gentil, pura (Olivia), brilhante, feroz, hilária (Elizabeth)… Quanto à “vadia”, bem, isso fica guardado entre quatro paredes.
Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos