O Eternauta é um clássico dos quadrinhos argentinos e será adaptado pela Netflix. Confira na matéria, que será a segunda parte de três, um pouco da adaptação de 1969, os períodos de ditadura na Argentina e como se deu a publicação do personagem.
Como mostramos na primeira parte dessas matérias especiais sobre O Eternauta, o quadrinho argentino criado por Héctor Oesterheld e Solano López é um clássico da nona arte, mostrando um futuro apocalíptico onde, após uma invasão alienígena, os seres humanos foram mortos por uma arma biológica que parece com neve. Cabe a Juan Salvo, O Eternauta, que aparece para o autor nos primeiros momentos da história, sobreviver nesse mundo.
A primeira publicação de O Eternauta se deu entre em 1957, na revista Hora Cero Semanal, com roteiros de Héctor Oesterheld e arte Solano López, sendo publicadas 3 páginas por semana, chegando ao fim em 1959. Mas, uma década após o fim das histórias originais, Oesterheld lançaria:
O ETERNAUTA 1969
Uma nova publicação de O Eternauta se deu em 1969, a qual recontava a história desse mundo apocalíptico, mas com arte de Alberto Breccia. Publicação essa que elevou os traços políticos presentes na trama.
A história foi publicada entre junho e setembro de 1969 na revista Gente, uma revista de fofocas da época, com 3 páginas por edição, como anteriormente na Hora Cero Semanal.
O Eternauta 1969 não é só a mesma história, mas com desenhista diferente. É a inquietação de seu criador, Héctor Oesterheld, com o sistema ditatorial argentino.
Verdade que a trama é uma condensação das ideias iniciais de O Eternauta, mas, em 1969, saem os traumas da década de 1950, como o medo da guerra nuclear e invasões alienígenas, para dar palco para o abandono das grandes potencias aos países periféricos do conflito da Guerra Fria e a figura das ditaduras militares que afligiam a América Latina nesse período.
Tanto é que o roteiro suga do original o que mais lhe convém, como a ideia das grandes potências terem abandonado a América Latina como forma de se livrarem da invasão alienígena e o fato dos primeiros seres extraterrestres que os humanos encontram no conflito, na verdade, não serem os inimigos, apenas estão sendo controlados por seres que não mostram o rosto (alfinetada maior aos governos patrocinados por Washington é impossível!)
Mas se nos roteiros ocorreram mudanças e supressões que foram essenciais para mudar o tom de O Eternauta, os desenhos são o ponto chave para percebermos tudo isso.
Saem de cena os desenhos detalhados e mais palpáveis ao grande público de Solano López e entra o traço de Alberto Breccia, que é propositalmente claustrofóbico, com seus tons onipresentes de preto e cinza. A narrativa passa a ser mais sensorial, já que o momento que os personagens estão vivendo, em conjunto com o traço de Breccia, reforça a ideia de opressão.
Infelizmente, O ETERNAUTA 1969 não logrou sucesso como a história original conseguiu. Publicado em uma revista de fofocas, a revista Gente, era claro que a história sobre a invasão alienígena que tem alegorias com o momento de repressão em que a Argentina vivia não iria fazer sucesso entre os leitores.
Como bem afirmam Guillermo Saccomonno, jornalista, e Carlos Trillo, escritor argentino de quadrinhos, em um texto sobre O ETERNAUTA 1969, publicado na edição brasileira lançada pela editora Comix Zone, a revista Gente e O ETERNAUTA 1969 eram “Uma revista fresca e uma história de quadrinhos podre“.
O próprio editor da revista, através de um pseudônimo, chegou a enviar cartas para a Gente criticando o trabalho de Alberto Breccia, afirmando que desenhava rostos iguais, dificultando para o leitor compreender a história.
Os problemas foram tais que a história teve que ser interrompida drasticamente, finalizando tudo, em forma de um texto corrido nos dois últimos capítulos.
É como Saccomonno e Trillo afirmam: “O Eternauta de Osterheld e Breccia É uma obra maldita. É um relato lúcido que traça, lenta e meticulosamente, uma metáfora: invasão.”
Definitivamente, não era uma história para ser publicada em uma revista de fofocas!
OS GOVERNOS DITATORIAIS NA ARGENTINA E O ETERNAUTA
Marcado pelo começo conflituoso, devido aos efeitos do imperialismo do século XIX, o século XX abre com a Primeira Guerra Mundial, que tem como herança a destruição da Europa, a ascensão americana no cenário econômico como uma potência e a humilhação alemã. Humilhação essa que plantaria as sementes do nazismo que daria origem à Segunda Guerra Mundial.
Após a morte de milhões, e novamente varrendo a Europa do mapa, a Segunda Guerra Mundial dá vida à Guerra Fria. Um conflito entre as duas potências mundiais, com modelos econômicos diferentes, que se sagraram como as grandes vitoriosas sobre a Alemanha nazista de Hitler e as tropas do Eixo. De um lado, os Estados Unidos da América (capitalista) e, do outro, a URSS (socialista).
Porém, ao contrário das guerras anteriores, a Guerra Fria foi um conflito que mais envolveu espionagem e ameaças de destruição mútua, a famosa guerra nuclear, do que a invasão do território alheio pelos países em si. Não, os conflitos que ocorreram na Guerra Fria não foram lutados por EUA e URSS diretamente, quem realmente foi a campo, com ajuda das potências, foi a população de países periféricos. A instauração de ditaduras e as revoluções com queda de governos marcou essa época, em especial, na América Latina.
Para citar exemplos, houveram ditaduras (tomada do poder por militares) no Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985), Chile (1973-1990) e na Argentina, que foi uma das mais duradouras e brutais.
Então, podemos concluir que na primeira publicação de O Eternauta (1957-1959) o governo argentino passava por um golpe, a chamada Revolução Libertadora, que foi uma ditadura militar originada no golpe de estado que derrocou o Presidente Juan Domingo Perón, em 1955.
Quando Oesterheld e Breccia lançam O ETERNAUTA 1969, o país está novamente em um período de ditadura, dessa vez chamada de Revolução Argentina, que só iria acabar em 1973, com a eleição de Héctor J. Cámpora, representante do peronismo, que é o conjunto das ideias políticas de Juan Domingo Perón (1895-1974), presidente da Argentina por três vezes: em 1946 (eleito), 1949 (como ditador) e 1951 (eleito), envolvendo ideias populistas.
Porém, em 1976, quando a continuação de O Eternauta é lançada, com traço novamente de Solano López, o país atravessa o seu mais terrível período de repressão militar, com um governo sanguinário que vai até 1983.
E foram suas histórias e seu engajamento político que selaram o destino de Héctor Oesterheld, que nós vamos tratar na terceira parte dessa matéria especial sobre O Eternauta, além das nossas expectativas para a série da Netflix.
O texto acima tem a proposta de apresentar o personagem criado por Osterheld e López, os quadrinhos onde se originou e o contexto histórico de suas publicações para o grande público que conhecerá o personagem através de uma adaptação da Netflix.
Nós da Quinta Capa aconselhamos os leitores a buscarem outras fontes de pesquisa, em especial, sobre a ditadura Argentina. Conhecer a história, seus personagens e a produção cultural da época é essencial para descobrir as inspirações e aflições de um povo que vivia um período de opressão.
Seguem abaixo alguns links sobre o Eternauta e a ditadura argentina:
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