Assassinos seriais costumam render histórias instigantes na ficção. Geralmente os facínoras são marcados por traumas, obsessões e empenhados no preciosismo da execução, elaborada, cenográfica; transformando a barbárie em assinatura do ato. Em “Miséria e crueldade“, o perfil não é diferente. Afora, é óbvio, o toque sobrenatural do caso investigado pelo nosso detetive do pesadelo, uma vez que paire a suspeita sobre o assassino que tem atacado os mendigos e sem-teto de Londres ser um fantasma.
Gigi Simeoni constrói um roteiro cuja proposta de entrelaçar o clima de thriller investigativo com discussão “filosófica” sobre pobreza e miséria falha por vezes, mas é contundente em sua execução. Distinguir a pobreza, vista como fruto da desigualdade e por conseguinte sob a perspectiva social, da miséria, no entendimento de ruína de valores, é interessante e provocador, mas acaba desaguando numa narrativa mal conduzida em alguns pontos, uma vez que a investigação dos crimes em si ocupa a maior parte da trama.
Aqui, Dylan acompanha os esforços da Polícia em descobrir o responsável pela morte de mendigos nas ruas londrinas. Pessoas “invisíveis” para grande parte da sociedade, os sem-teto procuram a ajuda do nosso Old Boy, uma vez que suspeitam tratar-se de um fantasma o autor dos homicídios. Para descobrir algum rastro do assassino, nosso protagonista, na companhia do inseparável Groucho, acaba se disfarçando de morador de rua, sentindo na pele a dura realidade dos que vivem em situação vulnerável. Um destaque interessante é a participação efetiva da detetive Rania (uma personagem pouco aproveitada até então) na história, formando uma parceria afinada com Dylan.
Adianto que a hipótese do fantasma é logo descartada, pela obviedade de mãos humanas conduzirem os assassínios. E a pretensa reviravolta nas páginas finais sobre a identidade do “serial killer” parece forçada e sem muito propósito. Entretanto, mesmo frustrando alguns leitores por, ao fim e ao cabo, tratar-se de um caso “realista”, a trama provoca ao nos lembrar que mesmo todo o dinheiro do mundo não oferece a riqueza de espírito a quem o possui. E empatia com o próximo não se compra.
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