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O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story

Netflix disponibilzou o assassinato do estilista Versace e você não pode deixar de conferir a forma incrível como essa história é contada.

Apesar da insistência de amigos e da família, não assisti à primeira temporada de American Crime Story (ACS), lançada em 2016 e que conta a história do caso OJ Simpson, atleta acusado de assassinar sua mulher, Nicole Brown. Provavelmente, também não assistiria a segunda temporada, por motivos de não ter visto a primeira, claro… Não poderia estar mais enganado!

Isso porque o segundo ano da série não tem nada a ver com o anterior. O caso é outro, é uma outra história fechada, seguindo um formato parecido com a qual o produtor, Ryan Murphy, fez em American Horror Story, série que já está produzindo sua nona temporada e todas são independentes uma da outra.

A grande diferença entre as séries “Crime” e “Horror” é que Ryan Murphy percebeu que o mundo já é feio o suficiente, repleto de monstros reais e que poderia contar sua história de terror, ou triller, sem apelar para demônios, óvnis ou criaturas de circo. “Crime” foca-se em histórias reais. “Horror” é pura ficção (claro que não estamos aqui sugerindo que uma coisa é melhor que a outra, apenas colocamos a diferença).

Então, a segunda temporada de ACS é sobre outro crime famoso na América e, novamente, é autocontida em 9 episódios de quase uma hora cada, produzidas pelo canal FX. Já haviam comentado comigo que era sobre a morte de um estilista mundialmente famoso, que ocorrera em 1997. Lembro vagamente da polêmica na TV àquela época, afinal eu tinha apenas 15 anos e estava mais preocupado em acompanhar os novos animês da SBT ou Manchete do que assistir aos noticiários policiais, mas a repercussão foi enorme e quase todo mundo ficou sabendo, pois estava noticiado em todo lugar.

Gianni Versace era uma estrela pop, criava roupas para Elton John, Madonna e Lady Di. Mandou na moda durante, praticamente, todo os anos 1980 e 1990, tendo modelos como Naomi Campbell ansiando por desfilar com um vestido assinado por ele. Sua morte não passaria batida, nem mesmo para alguém como eu, que usava havaianas e pochete.

Versace e Madonna

Mas eu, provavelmente, não teria assistido a série se não fosse uma morosa noite de sábado, quando passava pela sala e meu irmão assistia ao quinto episódio. Droga! Era uma cena da Penelope Cruz (Vicky Cristina Barcelona, Volver, Sem notícias de Deus) discutindo com o Rick Martin (Sim! Ele mesmo. De “Un, dos, tres, un pasito pa’delante Maria” e “livin’ la vida loca”). Eu tive de assistir! Emendamos o episódio 6 e, já viciado no que estava vendo, meu irmão disse: “você precisa ver o 4!”. Então nós vimos! Depois o 3, depois o 2 e quando o primeiro episódio terminou eram 2 da madrugada. Seguramos a ânsia de continuamos a ver o 7, 8 e 9 porque precisávamos esperar a namorada do meu irmão para concluirmos a série na tarde do domingo.

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Rick Martin, como o parceiro de Versace, Antonio d’Amico
Penélope Cruz como Donatella Versace

Você deve estar se perguntando: “porque diabos o cara assistiu o 5 e o 6 e depois foi de ré, do 4º ao 1º?”. É simples: porque de trás para frente seria a ordem cronológica correta dos fatos. A série vai de trás para frente. Não seria um spoiler dizer que o Gianni morre, afinal o nome da temporada é “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story”. O fato é que a sequência de abertura da série é justamente a morte do cara.

Então, do episódio 1 ao 8, nós temos uma narrativa retroativa que começa com a morte do estilista e vai mostrando o passo a passo do protagonista da série, que não é Versace. É o assassino, Andrew Cunanan. Quais foram os últimos passos dele? Quem ele vai matando ao longo de sua jornada que o tornou um dos 10 mais procurados no FBI na época? E vai voltando no tempo, passando pela sua juventude e infância. O nono episódio é o final, de forma que, se você quiser assistir do oitavo episódio até o primeiro e, por fim, o nono, funcionaria muito bem.

A forma como a série é montada é muito inteligente, porque, provavelmente, a maioria dos espectadores não se interessariam pela infância de Andrew Cunanan antes de ter visto o que ele fez no primeiro episódio. Não que a infância dele seja pouco interessante, muito pelo contrário. Na verdade, todos os episódios são tão hipnotizantes que você seria atraído para a tv se se deixasse parar para assistir por quaisquer 5 minutos (foi o que aconteceu comigo). Tudo é muito envolvente: o exuberante mundo da moda; a personalidade incrível de Gianni Versace, que é praticamente o oposto do que você imagina (ele é supersimpático, receptivo, acessível e odeia modelos magrelas que parecem doentes); até a interpretação novelesca de Penélope Cruz e a superconvincente atuação do Rick Martin.

A trilha sonora é uma estrela à parte. Sabe aquela sensação nostálgica de que os anos 90 são os novos anos 80? Pois é! A cena com Cunanan cantando “Pump Up The Jam (make my day)” é impagável!

A noite, as festas, a dança, o figurino horrível que nós vestíamos e reconhecemos na tela. Tudo é tão perto e a história é tão absurdamente próxima que nos sentimos mal. Isso porque o assunto da série não é apenas o assassinato de alguém.

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“The Assassination of Gianni Versace” é muito mais sobre a sofrível condição do homossexual nos anos 1990 do que sobre mais um serial killer dos Estados Unidos, afinal de contas, esse tipo de assassino parece ser produzido em larga escala para ser consumido com fulgor e ânsia dentro da cultura pop norte-americana. Não! Essa temporada de ACS é muito maior!

É sobre como o casamento entre pessoas do mesmo sexo não era permitido há tão pouco tempo atrás. É sobre como o exército americano cobrava uma conduta e norma de seus oficiais e soldados e que proibia a menor expressão homo afetiva. É sobre como a Igreja e a polícia pode ignorar ou mesmo não sabe como lidar com o assunto. É sobre como é diferente a vida de um gay pobre e a de um gay rico. Além de tudo isso, é sobre como construir uma história de sucesso, sobre como ter sucesso na vida, ser notado, ser especial e o quão importante é a família em todo esse processo.

O ator Darren Criss está excelente no papel de Andrew Cunana

Como trata-se de uma história baseada em fatos reais, algumas lacunas eram incontornáveis, afinal, Gianni está morto e não pôde contar sua versão, ou mesmo não se conhece bem qual seria sua relação com o próprio assassino. Ainda hoje não se sabe, com certeza, as motivações de Cunanan e, assistindo a série você entenderá o porquê. Saber disso, inclusive, explica um pouco a aparenta falta de motivos do personagem. Nesse ponto, é preciso que haja um pouco de sensibilidade e criatividade por parte dos narradores em torno das principais teorias que explicariam todos esses assassinatos.

A temporada é baseada no livro Vulgar Favors, de Maureen Orth, que afirmou: “Eu sou responsável pelo livro, e não pela série. Ela é baseada no meu trabalho, mas não foi escrita por mim”. Os produtores responderam que a pesquisa da autora é muito cuidadosa e que existem muitos pontos verdadeiros, que só precisavam ser meticulosamente costuradas, como um tecido.

Ao longo da temporada, a série procura traçar um paralelo entre a vida e as famílias de Cunanan e Versace, na forma como os dois foram ensinados por seus pais a como enfrentarem ou enxergarem o mundo. E é aqui que a gente aprende como o carinho, o afeto, o trabalho honesto e a sensibilidade de quem nos inspira pode ser o fiel da balança entre uma vida feliz e a psicopatia que envenena quem precisa aparecer, por se achar especial.

Recomendo fortemente. Vou assistir agora o caso OJ Simpson.

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos