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A Imensidão de Papel Impresso

Havia terminado a leitura de A Noite da Espera, lançamento mais recente de Milton Hatoum, e pensava em escrever uma resenha sobre. Mas o livro, o primeiro de uma trilogia, me pareceu antes um prelúdio para algo maior que uma narrativa que valesse por si – não que lhe escapasse predicados, mas o próprio enredo deixa tantas pontas soltas e o desenvolvimento do protagonista por vir que mudei de ideia e decidi correr atrás de um outro romance, mencionado na trama de Hatoum ao ser lido pelo protagonista em uma passagem crucial da história.

A obra em questão, A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, estava há tempos na minha lista de futuras aquisições e a ocasião me pareceu propícia para finalmente tê-lo. Na livraria, encontrei-o sem dificuldades, e justo na edição que procurava. O problema é que bem ao lado também avistei a bonita capa de Poliedro, livro de Murilo Mendes que sempre desejei. Na prateleira de baixo me deparei com os volumes de Carl Sagan, alguns de Fitzgerald; mais adiante a poesia reunida de Hilda Hilst, A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula K. Le Guin…

Como já deu para perceber, minha procura por uma simples brochura se transformou em ansiedade para possuir toda a seção de literatura da livraria. Acredito que seja um sentimento comum a todos os leitores: não importa quantos livros se tenha, é preciso ter mais; um desejo imperioso que, quando escapa das rédeas da razão, faz com que o acúmulo ultrapasse em muito o ritmo da leitura. Sempre haverá um livro que faça falta na estante, sempre terá um lançamento que não pode ficar para depois.

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Um comportamento acompanhado de certas extravagâncias, como adquirir duas ou mais vezes o mesmo título, à medida que saem edições mais caprichadas. E algumas editoras parecem se especializar em atender esse vício, ao reeditarem títulos que nem ainda estão fora de catálogo com projetos gráficos chamativos, capa dura e afins. Ou com novas traduções, de acordo com demandas mais específicas, como é o caso dos fãs de literatura russa que se proliferaram nos últimos anos, sendo bem criteriosos a respeito.

A verdade é que a frase “livros nunca são suficientes” se torna um mantra na vida da gente. E quando percebemos as pequenas pilhas de livros se espalham pela casa à espera de atenção e bate uma ligeira inveja dos booktubers, canais sobre literatura no YouTube, que ganham para fazer justamente aquilo pelo qual você gasta o que tem e o que não tem: ler. Booktubers que, por sinal, lhe fazem abrir a carteira ainda mais ao despertar o desejo com seus vídeos por livros que você nem dava bola ou sequer sabia do lançamento.

No final das contas, acabei saindo apenas com o livro de Flaubert na mão. Mas com a cabeça tomada por essas questões: a quantidade incomensurável de livros desejados enfrentando a finitude do tempo. A cobiça por objetos que, muitas vezes, só serão desfrutados depois de muito meses ou talvez anos, mas cuja aquisição se veste de urgência. A imensidão de papel impresso, a nos intimidar e maravilhar.

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br