Chegamos à terceira edição da coluna Segunda Poética, que integra o nosso Janeiro Literário. O convidado da vez é Thiago E., poeta de testes e músico.
Publicou Cabeça de sol em cima do trem (projeto composto de livro e disco). Participou de várias antologias de poesia, entre as quais, Inventar la felicidad (org. por Fabrício Marques e Tarso de Melo); É agora como nunca (org. por Adriana Calcanhotto); Garganta (org. por Sergio Cohn) e Baião de todos (org. por Cineas Santos). Integrou a banda Validuaté, com a qual lançou os discos Pelos pátios partidos em festa, Alegria girar, Este lado para cima e o box com DVD e CD Validuaté Ao Vivo. Também foi um dos editores da revista Acrobata.
Thiago traz seus versos e aproveita o espaço para nos apresentar obra de Micheliny Verunschk, autora dos romances O peso do coração de um homem, Aqui, no coração do inferno e nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida – todos publicados pela editora Patuá. Também é autora dos livros Geografia Íntima do Deserto (Landy 2003), O Observador e o Nada (Edições Bagaço, 2003) e A Cartografia da Noite (Lumme Editor, 2010). Foi finalista, em 2004, ao prêmio Portugal Telecom como livro Geografia Íntima do Deserto.
COMO NUMA CERIMÔNIA DO CHÁ
[Thiago E]
Como numa cerimônia
do chá, em que me concentro
no aprumo dos sentidos,
ouço vibrar seu cangote
e limpo minha audição,
contemplando ao mesmo tempo
suas firmes multicores
pra sublimar meu olfato
– animal vulgar que sou –
a fruir, sem pressa, essa
disciplina espiritual
que conheço de apalpar
seu pelo, assear meu tato:
tão quieta a Arte do Gato.
A MANHÃ SEGUINTE À EXECUÇÃO DE MARIELLE FRANCO
[ Micheliny Verunschk ]
uma mulher descerá o morro
como se descesse de uma estrela
uma mulher seus olhos iluminados
suas mãos pulsando vida e luta
sob seus pés a velha serpente
[a baba as armas a covardia de sempre].
uma mulher descerá o morro
as inúmeras escadarias do morro
os muros arames que separam o morro
e pisará o chão desse país sem nome
desse país que ainda não existe
desse país que interminavelmente não há
uma mulher descerá o morro
o seu vestido é a tempestade
uma mulher descerá o morro
e ainda que seu sangue caia
ferida incessante no asfalto do Estácio
e ainda que anunciem sua morte
[e sim, ainda que a comemorem]
esta mulher ninguém poderá parar.
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