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Cinema brasileiro e a ditadura | Entrevista com o diretor e jornalista Chaim Litewski

Foto: Aureliano Müller

No dia 12 de Dezembro tivemos mais uma Sessão com Debate dos Cinemas Teresina exibindo “Cidadão Boilesen” e coma a presença do diretor Chaim Litewski.

O filme nasceu a partir de pesquisa e entrevistas, documentário conta a vida de Henning Albert Boilesen (1916-1971). Dinamarquês naturalizado no Brasil e empresário estimado pela alta sociedade, passa a financiar a Operação Bandeirantes (Oban), centro clandestino de tortura em São Paulo. Apesar de defendido pelo filho, relatos mostram um homem que sentia prazer nas sessões de tortura e fornecia carros da Ultragaz, que presidia, para perseguir guerrilheiros.

Chaim Litewski estava lá, um senhor simpático que já estava fazendo mais ou menos duas horas de entrevista antes de mim e da Thais Guimarães do entrecultura. Ele sentou no banco com nós e contou uma das histórias mais incríveis da história recente do Brasil. Mas antes de entrar na entrevista, vamos contar um pouco o Chaim.

Chaim Litewski (Foto: Aureliano Muller)

Ele é carioca, nascido em 1954. Graduou-se na Polytechnic of Central London (Westminster University), em cinema, especializando-se em propaganda e conflito. Escreveu para publicações do British Film Institute, e produziu documentários de televisão para o Channel Four, da Inglaterra, entre outros. Trabalhou na TV Globo em Londres e no Rio de Janeiro. Foi diretor da Fundação Antares (Rádio e Televisão Educativa do Piauí). Produziu reportagens especiais para CBC (Canadá), RAI (Itália), NBC (EUA) e muitas outras redes de televisão internacionais. Trabalhou na LIESA/RJ vendendo direitos internacionais de transmissão do carnaval entre 1988 e 1989. Em 1991, Chaim ingressou nas Nações Unidas em Nova Iorque.

Antes de se aposentar em setembro de 2016, dirigiu a Seção de Televisão da ONU. Produziu e dirigiu dezenas de programas, incluindo: “World Chronicle” (entrevistas com personalidades globais); documentários como “Cyber-Tales of Three Cities” (apresentado no Festival Internacional de Cinema de Veneza), “Waging Peace”, “Armed to the Teeth”, “A Workshop for Peace”, entre muitos outros. Produziu centenas de reportagens sobre conflitos, emergências humanitárias, direitos humanos e questões ambientais em mais de 100 países. Cobriu guerras na América Latina, Oriente Médio, na antiga Iugoslávia, Cáucaso, Ásia Central, Melanésia e em toda a África, incluindo o genocídio de Ruanda.

Foi consultor do documentário “Mais Além do Cidadão Kane” de Simon Hartog sobre a história da Rede Globo, e diretor e produtor do documentário “Cidadão Boilesen”, que descreve a relação entre os grupos paramilitares e a comunidade empresarial durante a ditadura militar no Brasil, vencedor do Festival É Tudo Verdade 2009, exibido no cinema, TV e em festivais ao redor do mundo.

Essa entrevista é em conjunto com a Thays Guimarães, então os créditos são também dela. Além disso, eu editei a entrevista para deixar na forma como gostaria que ficasse em esse texto, porém, de forma alguma mudei as veracidades que foi nos contata , datas, nomes e situações.

O primeiro contato com a história do Boilesen

Albert Hening Boilesen (Reprodução)

 

Como maior parte dos brasileiros todos nós consumimos botijão de gás. E quando eu era criança morando no Rio de Janeiro, a Ultragaz era que vendia o gás de cozinha. Toda quinta/sexta vinha um caminhão e vendia os botijões. Eu já achava essa coisa muito interessante, era uma logística que para aquela época era algo moderno. Depois foi que soube que o presidente daquela marca era um Dinamarquês, meus pais eram europeus, refugiados no Brasil por causa da segunda guerra mundial. E o Boilesen era europeu, então tinha uma afinidade, além disso, o país dele era mais liberal.

Mas eu sempre vai o Boilesen na TV, principalmente na Rede Tupi. Ele estava acompanhado de militares. Isso já era mais ou menos 1968/1969, pós-golpe. A gente não entendia como um cara de um país liberal sempre estava envolvido com militares.

Mas quando ele foi assassinado, eu parei para pensar e me lembro de ter recortado o obituário dele no jornal. Eu já tinha 15/16 anos de idade e já se falava da ligação dele com o aparato repressivo. Que sua empresa apoiava o golpe, mas isso não era dito de forma oficial.

No obituário dele vinha falando de ligação com a OBAN (Operação Bandeirante – braço da tortura em SP).

Isso me chamou muito atenção. Um dinamarquês morando no Brasil que apoiava o governo militar e ter sido assassinado. Pensei em escrever um artigo ainda naquela época, recortei tudo que saiu dele e deixei guardado. O tempo passou, eu já estava morando na Inglaterra e soube que saiu um livro sobre ele na Dinamarca escrito por um jornalista e eu perdi um pouco o interesse de fazer um livro se já tinham feito antes. Eventualmente nos anos 90, eu já morando nos Estados Unidos, pensei em fazer um filme sobre a vida dele. Era o começo da Internet e ficou mais fácil pesquisar, organizar material e entrevista. Assim, eu fui fazendo aos poucos.

A gênese do projeto foi esse. Eu vi um cara quando era criança famoso, europeu e que foi assassinado. Pensei em escrever algo sobre ele que acabou virando um filme num período de 16 anos.

As entrevistas, produção e filosofia do filme

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O mais difícil de entrevistar foi o Brilhante Ustra. As negociações com a entrevista dele demoraram quase três anos. Não foi uma entrevista, acabou sendo algo que foi a primeira vez que ele falou sobre isso para esse gênero de jornalismo/filme/documentário, mas ele exigiu que as perguntas fossem feitas antecipadas e só falava as respostas lendo. Eu fiquei feliz, já que ele decidiu falar com a gente mesmo dessa forma.

Outra entrevista difícil foi com o filho do Boilesen. Demorou também alguns anos para ser organizada.

A primeira entrevista que fiz para o filme com o Eugênio – Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (codinome: Clemente), o cara que assassinou o Boilesen. Demorou bastante para organizar, pois eu não conhecia nenhuma dessas pessoas, precisei de ajuda de amigos dos meus amigos para chegar nelas.

Na montagem das entrevistas, apenas Daniel Aarão Reis (Historiador) era conhecido meu e foi o mais fácil de entrevistar também.

O resto foi entrando em contato, falando quem eu era o que estava fazendo e o que estava querendo com aquelas entrevistas e sempre foi a mesma história: É sobre a vida do Boilesen, é sobre a história da OBAM e a ligação dele com isso tudo. A maioria não quis falar, alguns falaram, mas pediram para não serem citados.

Tudo que era entrevistado passava por três fontes diferentes para dar veracidade ao que estavam sendo feito, seu não tivesse três confirmações sobre determinada história eu descartava. Muita coisa que foi dito por pessoas que não quiseram aparecer (por e-mail, telefone, pessoalmente) teve bastante importância porque usei para corroborar certos fatos que mencionei no filme.

Nunca menti sobre o que estava fazendo e acho que consegui reunir essas pessoas por causa disso. A verdade é inatingível, você nunca consegue chegar na verdade, pois cada pessoa tem sua verdade, mas a minha forma de fazer história é ter múltiplas visões, quanto mais pontos de vistas diferentes você tem sobre uma coisa, mais você se aproxima dela. Então essa foi um pouco da filosofia do filme. Ter o maior número de vozes distintas que se contradizem. Isso dá a liberdade de escolha de quem assistirá de entender do jeito que quer, mas também é a maneira mais próxima de chegar naquela verdade.

O filme começou a ser produzido em 1994, tudo do meu bolso e praticamente quase tudo feito por mim.

Foto: Aureliano Müller

Lei do Acesso a informação

Para fazer a pesquisa precisei entrar em diverso países pela lei do acesso à informação (Qualquer cidadão pode solicitar informações a órgãos e entidades do Poder Executivo Federal), entrei nos Estados Unidos, Inglaterra, Brasil para saber o que tinha sobre o Boilesen e alguns casos demorou muito para essa informação ser liberada, no Brasil demorou quatro anos. Muita coisa veio das pastas do departamento do estado Americano, serviço secreto inglês.

Além disso, fui contratando pesquisadores em SP e RJ para se aproximarem das pessoas que precisávamos fazer as entrevista, produtores. Mas como eu não tinha prazo para entregar demorou todos esses anos. Nessa época eu trabalhava na ONU e não poderia ter outra fonte de renda, então quando acabava meu dinheiro, a pesquisa ficava parada.

O filme já estava quase pronto e ganhou um prêmio É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários é um festival de cinema documentário brasileiro; com esse dinheiro a gente finalmente terminou o filme em 2009. Mesmo com todos esses anos lançando o filme ainda me surpreende por causa que ele fica cada vez mais importante.

A proposta do filme

A proposta do filme não era mostrar para a sociedade como foi ruim o período militar, mas foi uma oportunidade de pessoas falarem sobre esse tema, pessoas que nunca haviam falado. Nunca foi falar sobre o quão terrível foi o regime militar na questão do aparato repressor do estado. Nunca isso passou pela minha cabeça.

Cobertura de conflitos pelo mundo (o genocídio de Ruanda de 1994)

Ruanda em 1994 (Foto: www.worldvision.org)

Chaim Litewski cobria conflitos pelo mundo para a ONU nos anos 90 e ele cobriu do que foi um dos momentos mais sangrentos da humanidade pós segunda guerra mundial. O Genocídio de Ruanda.

Acredita-se que no massacre de 1994, houve extermínio de 20% a 40% da população de Ruanda, atualmente considerado o país mais populoso da África, com sete milhões de habitantes. 70% das vítimas mortais foram tutsis, assassinadas pelos hutus logo após o avião do presidente ruandês Juvenal Habyarimana ser derrubado em abril de 1994, causando sua morte.

O assassinato de Habyarimana, morto junto ao presidente de Burundi, Cyprien Ntaryamira, que o acompanhava durante o voo, é tido como apenas um dos fatores que deram início ao genocídio em Ruanda. Especialistas afirmam que, mesmo após mais de duas décadas, o massacre permanece inexplicado.

Eu cobri esse genocídio e a experiência foi péssima. Eu tive que passar por tratamento psiquiátrico depois, passei a entender melhor porque meus pais fugiram da guerra e minha vida é dividida antes e depois de Ruanda. Existem três marcos para mim: o nascimento dos meus filhos, a morte de meus pais e o genocídio de Ruanda.

Seu amor pelo Piauí

Em agosto de 1987, um decreto do então governador Alberto Tavares Silva cria a Fundação Antares. Com isso, a TVE PI passa a se chamar TV Antares.

Chaim Litewski foi convidado para comandar a TV do governo do estado. Ele saiu da globo que trabalhava na época.

A vinda para o Piauí foi uma forma de democratizar os meios de comunicação, dar liberdade para quem produzia cultura. Fomos para universidade, falamos com professores. Não conhecíamos ninguém e precisávamos de um apoio. O Alberto Silva foi uma pessoa ótima, deu total autonomia e nunca fomos cabide eleitoral e o pessoal trabalhou muito para manter o canal no ar. Tínhamos 96 funcionários e conhecíamos todo mundo.

A gente não veio para cá para ganhar dinheiro, viemos fazer uma experiência, realizar um sonho. Tínhamos programas diários locais, duas câmeras e uma ilha de edição. Criamos uma rede que enviávamos trabalhos para o Rio Janeiro, eles mandavam para nós, além de fazermos a mesma coisa com o canal da Bahia.

O primeiro estado a passar o Roda Viva fora de São Paulo foi o Piauí. Tivemos muita sorte nesse período também porque teve os jogos pan-americanos de 1987 onde a Educativa havia comprados os direitos de transmissão e isso levou o canal a ter uma boa audiência no jogo que o Brasil ganhou dos Estados Unidos no Basquete. E o único lugar que você poderia assistir isso era na Educativa.

Foi uma época muito feliz da minha vida. Adorei voltar e considero Teresina minha segunda casa.

Foto: Aureliano Müller

 

Alcance do filme no meio acadêmico

O alcance foi surpreendente. O filme serve para a discussão. Principalmente em curso de história e cinema. Fizemos uma história meio viva. Usamos elementos que com frequências usadas nesses dois cursos.

Cidadão Boilesen serviu com mais uma alternativa para quem procura fazer filmes de história.

Trabalhos Futuros

Estou fazendo quatro filmes sobre a história do Brasil. Uma trilogia sobre os anos 60 e outro que fala o final dos anos 80.

Douglas Machado e Chaim Litewski (Foto: Aureliano Müller)
Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.