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CRÍTICA | A TENENTE DE CARGIL

Confira nossa crítica a esse lançamento de agosto da Netflix, "A Tenente de Cargil".

A Tenente de Cargil narra uma bela história sobre família, sonhos, mas também preconceito.


A Tenente de Cargil (Índia, 2020) aborda a história da piloto da Força Aérea Indiana Gunjan Saxena, a primeira mulher a integrar a Aeronáutica daquele país.

O pano de fundo é a Guerra de Cargil, conflito ocorrido entre Índia e Paquistão entre maio e julho de 1999. Na ocasião, forças paquistanesas (num primeiro momento o governo negou envolvimento, o que se verificou posteriormente) invadiram a zona de controle, espécie de fronteira armada entre os dois países. Tal movimento, obviamente, desencadeou resposta armada dos indianos, que, ao final, sairiam vitoriosos do confronto.


O filme começa com uma intensa cena de ação: soldados indianos em patrulha são emboscados por forças paquistanesas escondidas nas montanhas (a região em questão, Cargil, é de geografia montanhosa e difícil acesso). Diante do ocorrido, a Força Aérea é chamada para o resgate, oportunidade em que temos o primeiro contato com a piloto Saxena.

Diante da frenética sequência inicial, poder-se-ia imaginar que se trata de mais um filme de guerra, daqueles de cunho patriótico e que exaltam o lado vencedor do conflito, certo? Não. Como disse, o conflito é apenas o pano de fundo: o filme, muito mais que tiros e explosões, é sobre sonhos e família, mas também preconceito.

Do plano inicial partimos para um longo flashback, onde somos apresentados à menina Gunjan, filha caçula do coronel Saxena, que tem o sonho de voar. Observamos seu crescimento e como essa paixão a acompanha no decorrer dos anos, sem arrefecer.

Nesse momento o filme passa por uma transição, abandonando a ação do início para abraçar um tom leve e divertido. Aqui, o mais importante (e bonito) é como é construída a relação de pai e filha, muito bem trabalhada pelo roteiro e pelas atuações de Janhvi Kapoor (Gunjan) e Pankaj Tripathi (seu pai). A ênfase é na cumplicidade entre ambos, no amor que se manifesta pelo apoio à busca da filha por seu sonho, independente das dificuldades enfrentadas. Ela busca alçar vôo, e ele é seu copiloto.

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Janhvi Kapoor (Gunjan) e Pankaj Tripathi (seu pai) fazem um ótimo trabalho


Você poderia imaginar, então: “em vez de um filme de guerra, caí numa comédia”? Daquelas que, entre situações engraçadas, busca exaltar a beleza dos laços familiares e provar que com amor e esforço (e um pouco de sorte também), tudo alcançamos?

De fato, isso está lá. Mas, assim como não trata apenas de guerra, tampouco aborda somente a vida em família. E, apesar do tom em geral leve, esse filme não é um faz de contas. Vale lembrar: também é sobre preconceito.

A realidade enfrentada por Gunjan é cruel, e ela se depara com o desafio de ser pioneira. Não vou entrar em detalhes da história, basta dizer que acompanhamos a protagonista ao se deparar com o preconceito sofrido simplesmente por ser mulher num local onde até então nenhuma delas havia.

O retrato da misoginia é um ponto muito importante do filme. Já havíamos sido alertados sobre isso anteriormente, mas de forma pontual – esse “pé na realidade” é representado pelo irmão de Gunjan, que traz a visão de que o mundo “lá fora” não era aquele em que ela e o pai acreditavam.

“Se o avião não se importa com quem está pilotando, por que você se importa?” é a pergunta feita pelo pai ao filho mais velho, trazendo a questão chave. Essa pergunta ecoa no espectador no decorrer do período de provação de Gunjan. Em dado momento ela arremata: “Que masculinidade vazia é essa que os impede de reconhecer uma mulher como igual aos homens?” De fato, por que tanta fragilidade, escondida atrás desse machismo?

Por temática, A Tenente de Cargil nos faz lembrar de Até o Limite da Honra (EUA, 1997), filme de Ridley Scott protagonizado por Demi Moore. Ambas tiveram que enfrentar situações semelhantes, e o mesmo preconceito. Também tiveram de trabalhar dobrado apenas para alcançar seu lugar de igual – o que não é muito diferente de hoje, infelizmente. A solução não é se enclausurar, mas ir à luta, diria o pai de Gunjan. E elas foram.

As semelhanças ficam por aí, dado que os filmes seguem caminhos diversos ao tratar desse tema. Enquanto o filme americano é mais tenso, A Tenente de Cargil possui diversas nuances, transita entre a leveza de um filme de comédia e a seriedade de um drama, passando ainda pela ação intensa ao retratar cenas de guerra. E mesmo com passagens tão distintas, nada parece enxertado, as mudanças se dão de forma orgânica, sem “soluços”, o que é um grande mérito da película.

Fica, enfim, a indicação para este ótimo filme indiano, garantia de boas risadas, inspiração e reflexão. A história da piloto Gunjan provavelmente está fora do radar de muita gente, mas é uma que vale à pena conhecer.

A tenente de Gurjan estreou em de agosto de 2020 e está disponível na Netflix.

Sou um apaixonado por narrativas. Das florestas da Lua de Endor até as terras submersas de Beleriand, há sempre novas histórias a se descobrir... Ou novos detalhes em velhas histórias!