Duna, a adaptação de cair o queixo de Denis Villeneuve permite que a especiaria flua enquanto é inevitavelmente defeituoso.
Mesmo que seus acontecimentos estejam 10 mil depois do nosso século, Duna ainda é sobre política, filosofia, problemas ambientais e falsos profetas.
A história de Duna no cinema, como em sua versão original, começa com uma manobra política. O imperador do universo habitado por seres humanos forçou uma mudança de poder entre duas casas vassalas em guerra, garantindo o controle do planeta deserto Arrakis a casa Atreides. Localizado na extremidade do Imperium, o planeta quase inóspito é o único suprimento conhecido do precioso recurso natural chamado “especiaria” ou “melange”. Esta droga psicoativa permite – entre os efeitos colaterais mais misteriosos – as viagens interestelares.
Compelidos por decreto imperial e pela nobre convicção de que trarão paz onde a corrupta Casa Harkonnen apenas trouxe crueldade para aquele planeta, os Atreides chegam a Arrakis com a consciência de que algo além da hostilidade do deserto esteja acontecendo pelas sombras e seus habitantes originais, os Fremen. Quando toda a extensão da armadilha se revela, Paul (Timothée Chalamet), o jovem herdeiro Atreides, desperta para seu grande e terrível propósito que já durava milênios em formação.
Para os fãs das obras de Frank Herbert de 1965, já sabem como a história de sua obra foi tumultuada durante as últimas décadas em adaptações para o cinema. Mas se ainda não sabe, leia aqui.
A própria existência de Duna de Denis Villeneuve é nada menos que um milagre. Claro, é apenas a metade do primeiro livro, mas vale a pena reservar um momento para apreciar este novo capítulo no longo e tradicionalmente desastroso legado dessa obra de ficção científica na tela grande.
A estranha existência do filme começa a ficar mais clara quando você olha para o passado da carreira do seu diretor, Denis Villeneuve. De tudo que ele fez antes, lembra uma profecia apropriada para ser o homem escolhido para fazer Duna. Ele se tornou respeitado na indústria por fazer adaptações de ficção (A Chegada e Blade Runner 2049), além de contar no seu currículo filmes que abordam a violência e geopolítica como pano de fundo (Incêndios e Sicário).
Outra coisa muito interessante de Denis Villeneuve, assim como o jovem Paul Atreides, é que ele se cercou de um grupo de pessoas talentosas. Duna é talvez a prova definitiva da habilidade incrível de seu diretor em dar aos mestres técnicos espaço para irem além. A cinematografia expansiva de Greig Fraser cumpre a escala necessária e a grandeza da justiça de Arrakis. Palácios com esbanjam poder e salões imponentes são dotados da profundidade gravitacional de buracos negros, onde o pano de fundo são as maquinações políticas com um senso apropriado de pequenez à sombra de um Plano Maior.
O design de produção de Patrice Vermette, a direção de arte de Tom Brown e o figurino de Bob Morgan e Jacqueline West são todos merecedores do Oscar em 2022. Mesmo que você já conheça a estética visual de Villeneuve com austeridade e brutalidade, a construção do mundo de Duna ostenta um senso de confiança que não pode deixar de ser contagiante. Arrakis parece gigante, real e envolvente. Tem uma perspectiva visual adequada para um filme com um escopo narrativo ambicioso e tão amplo. A trilha sonora é de Hans Zimmer, preciso explicar mais alguma coisa?
Quando eu comecei a ler Duna pela primeira vez, vários problemas existiam, mas um dos principais foi a imensidão de seu elenco, a dificuldade de que muitos personagens se comunicam em lampejos imperceptíveis de linguagem corporal e pensamentos, além da linguagem rebuscada do autor. Esse ano li de novo no começo do ano e já achei mais fácil de ler, porém ainda continua rebuscado demais para um cara simples como eu.
Então, de todas as adaptações que já fizeram de Duna, esses pontos que citei acima, sempre são deixados de lado ou feito de uma forma frágil. Villeneuve deixou a direção de elenco para as experientes Jina Jay e Francine Maisler. Com certeza foi um dos piores trabalhos da produção do filme, ainda assim, tudo foi minucioso, mesmo que não tenha lido os livros, o telespectador consegue entender o quanto é imersivo esses momentos que cada personagem transmite apenas com alguns movimentos.
Jason Momoa é o fanfarrão e sempre adorável Duncan Idaho, Charlotte Rampling é uma Bene Gesserit imponente. Oscar Isaac é o patriarca Atreides, charmoso e responsável pela lealdade. Mas são Rebecca Ferguson e Chalamet os grandes destaques. Mesmo adotando personagens potencialmente frios com uma profundidade e vulnerabilidade que espreme o humanismo de um roteiro com pouco tempo para tais frivolidades. Ainda tem Javier Bardem como o fremen Stillgar e Josh Brolin como Gurney Halleck, mas vou não vou comentar sobre os dois já que fazem papéis dos personagens mais legais da Saga Duna para mim.
Falando em roteiro… Como uma casualidade inevitável de profundidade/narrativa e espaço em tela, certas performances são pequenas. Chen Chang como Dr. Yueh e Stephen McKinley Henderson como Thufir Hawat passam quase despercebidos (os dois são tão importantes nos livros, vocês não fazem ideia). Dave Bautista como Glossu Rabban e Zendaya como Chani, piscou, perdeu. A invocação de Stellan Skarsgård à figura horrenda Harkonnen é única, mas inevitavelmente cativante. O pederasta dionisíaco do romance de Herbert foi substituído por um homem inchado e bizarro. Apesar disso, todos funcionam.
Para falar os pontos fortes e fracos da narrativa de Duna, é necessário abordar o verme de areia que paira todo o filme: o fato de não ser completo. E ele acaba de uma forma que as pessoas talvez não queriam acompanhar o resto da Saga. Em Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel foi a mesma, a diferença de Duna é que todos sabiam que o resto da trilogia já estava em fase de pós-produção. Só ficamos sabendo que Duna terá continuação quase uma semana depois do filme estrear nos cinemas.
Resta saber se a aposta “imprudente” de Villeneuve e da Warner acaba valendo a pena. Mas vale a pena repetir: este não é um filme com começo, meio e fim nos quesitos, tematicamente ou narrativamente. Sem as duas peças do quebra-cabeça, é impossível dizer se a decisão de Villeneuve de dividir Duna ao meio ou em trilogia em troca de um tempo de execução mais longo valerá a pena.
Por um lado, apesar do seu tempo de execução de duas horas e meia, Duna voa. Villeneuve não se importou com a crítica ou mesmo os fãs mais antigos, ele simplesmente quis fazer Duna desse jeito. Eu achei uma adaptação bastante crível e profunda, mas não sou todo mundo.
Como sou um homem negro, não terei papas nas línguas daqui para frente sobre uma pedra no pé de muita gente mundo afora que assitiu apenas o fime: o Messias Branco que chega num planeta dominando por habitantes mestiços. Sem revelar muito para os não iniciados nas obras, criticar o filme por causa disso é desonesto demais, o tema de Herbert vai muito além de ser uma analogia do Homem Branco conquistando o Homem Negro como pessoas anda falando nas redes sociais. Além disso, deixar um enredo messiânico aparentemente enfadonho incompleto parece especialmente perturbador, dadas as alterações narrativas que Villeneuve faz para reconfigurar a população local (Fremen) de Arrakis em uma metáfora explícita para o colonialismo-colono. Ainda é apenas a metade de uma história, é extremamente difícil avaliar se é racismo ou não por parte da produção do filme.
Apesar de ocasionalmente se dobrar sob o peso gigantesco do material de origem, Duna é honesta e indiscutivelmente a adaptação mais coerente da obra para o cinema. A convicção de Villeneuve em seu material de origem é claramente evidente em cada quadro e muito pouco aparece na tela que não existe no texto de Herbert. Duna é um filme de Villeneuve de ponta a ponta: econômico, distante e repleto de espetáculos apresentados com frieza.
No final das contas, Duna continua sendo, como sempre, uma história que vai cativar alguns e alienar a maioria. Isso não é um fracasso da parte de Villeneuve, mas algo inabalavelmente codificado na genética desta Saga. E embora um filme não seja para todos ou ruim, ele é um presságio de tudo que ainda tem por vir. Aqueles que não estão familiarizados com o livro e que possuem dentro de si uma afinidade por este gênero, invariavelmente serão fisgados e a espera pela segunda parte demorada e dolorosa.
Por fim, obrigado Villeneuve por ter forçado a Warner Bros. a realizar um dos poucos épicos de ficção científica de escopo verdadeiramente grande do século 20. Apesar de todos os seus defeitos, fraquezas e oportunidades perdidas, Duna é assumidamente estranho, mais interessante e ambicioso do que qualquer um de seus pares de grande orçamento. Como disse acima, Duna ainda é sobre política, filosofia, problemas ambientais e falsos profetas.
Muad’Dib é meu senhor e só me restará a areia do deserto.
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